BAGA TAUROMÁQUICA 3
Dezembro 11, 2018
Tarcísio Pacheco
imagem em: http://philangra.blogspot.com/2016/01/touradas-corda-na-terceira.html
BAGAS DE BELADONA (62)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA TAUROMÁQUICA 3 – Para fechar com chave de ouro esta trilogia de bagas tauromáquicas, só podia ser mesmo com a tourada à corda terceirense. Está no nosso ADN e é um dos cromossomas mais relevantes da nossa identidade enquanto povo e comunidade. Isto, só por si, não quer dizer grande coisa sobre a sua bondade. Iríamos cair de novo naquele problema da “tradição”, um conceito muito maleável, com tendência para atribuir rótulos vitalícios e inatacáveis. Em texto anterior, vaticinei o fim da tourada de praça, num futuro mais ou menos longínquo. Quanto à tourada de corda, a minha previsão é bastante mais otimista. E a razão fundamental para isso é o equilíbrio intrinsecamente benevolente desta fortíssima tradição popular. Para já, não gera os anticorpos da tourada de praça, muito menos a nível local. São, por enquanto, bastante raras as vozes críticas. São mais comuns as opiniões indiferentes, daquele tipo de pessoa a quem tudo passa ao lado, aqueles a quem nas Sanjoaninas se pergunta “Home, foste à festa?” e eles respondem com ar enfastiado “Home, cá nada, fui uma pisca no dia das marchas porque a mulher e as pequenas queriam ir por força, foi um penar pra estacionar” …Dizem algo de semelhante relativamente às touradas à corda. Usam os dedos de uma mão e os neurónios disponíveis para contar aquelas a que vão e gabam-se de fazer sempre as mesmas coisas, da mesma maneira, como se isso fosse alguma qualidade. Depois há os intelectuais, que são superiores a estas coisas e a gente fina que não se “rebaixa” a comparecer nas diversões do povo, excetuando a tourada de S. Carlos. Mas, em geral, a maioria dos terceirenses gosta, de todas as idades e faixas sociais. Não é algo que seja “mais para os velhos”, estão lá todos. O futuro parece garantido. É sobretudo FESTA, um conceito caro para a maioria dos terceirenses, um dos povos mais felizes do mundo, apesar dos Americanos e do governo de S. Miguel. Quem não conhece alguém aqui na ilha que está sempre a dizer “eu cá quero-me é rir” … Tourada à corda tem tudo o que é bom lá dentro, a beleza e o poder do touro, a amizade, o convívio, a animação, os comes e bebes, a emoção, o riso e a coragem. Também tem perigo e adrenalina, faz parte e dá o contraponto, diferencia-a de outras festas, concede-lhe os seus atributos únicos. Afinal, estar vivo é bastante perigoso, está provado que os vivos morrem com frequência. E é bom para a economia da ilha e toda a gente sabe que uma coisa que dá dinheiro (sem ser ilegal) é boa e está na moda. Por isso mesmo é que o Governo, cheirando-lhe a dinheiro já andava a abusar nas taxas e impostos.
Acima de tudo, a tourada à corda é boa (e quero terminar assim) porque é um excelente negócio para um touro. Se, para castigo dos meus inúmeros pecados, tivesse de renascer bovino, ia pedir para, ao menos, ser um touro de corda na Terceira. São os touros mais felizes do mundo. Há muitos anos, o meu filho Rodrigo, agora com quase 27 anos, tendo-lhe sido perguntado qual dos 3 Porquinhos queria ser (o da casa de palha, de madeira ou de pedra) com óbvias e pedagógicas intenções, o miúdo respondeu “Eu não quero ser porco!”. Por isso, se algum leitor pensar “eu não quero ser touro” eu entendo e não levo a mal. No fundo, eu também preferia ser uma preguiça ou uma arara. Mesmo assim, aqui fica o repto, se tivessem de ser bovinos (porque sim, paciência), o que preferiam? A: ser um bovino de carne, separado imediatamente da mãe, condenado à prisão desde a nascença, alimentado a ração no cubículo de um viteleiro, sem nunca ver o sol e abatido “humanamente” como novilho entre os 9 e os 14 meses; B: um touro continental, destinado à corrida de praça, criado em relativa liberdade nas lezírias ribatejanas, levado à arena ao cabo de 4 ou 5 anos e dali conduzido ao matadouro depois de um sessão de tortura sangrenta que é o clímax da sua vida; C: um toiro terceirense de corda, criado em liberdade no mato, com muita erva e água fresca, rei e senhor de um harém de belas vacas de desfrute, que trabalha de Maio a meados de Outubro, um dia a cada 10, no máximo, se estiver de saúde e se sentir bem (porque tem “médico de família”) e que morre no seu tempo, de morte natural, se não tiver acidentes, como qualquer humano?
Eu não teria dúvidas em escolher e você, leitor?POPEYE9700@YAHOO.COM