BAGA EI TOIRO LINDO (BB165)
Julho 08, 2025
Tarcísio Pacheco
imagem em: Cow Bull Love
BAGAS DE BELADONA (165)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA EI TOIRO LINDO! Como era de esperar, o pessoal do PAN e os anti-taurinos tiveram um ataque de histeria à conta do infeliz incidente da recente morte de um toiro no mar, no porto de pescas do Porto Judeu, ilha Terceira. Para que ninguém apareça a pregar aos gafanhotos sozinho no deserto, é salutar que se façam ouvir outras vozes, com perspetivas diferentes.
Já escrevi muitas vezes sobre este tema, que me apaixona. As minhas convicções sobre este assunto – tauromaquia – assentam sobretudo em duas linhas: separo sempre, por completo, touradas de praça de touradas à corda, por entender que, tratando-se em ambos os casos de tauromaquia, dizem respeito a realidades muito diferentes; e, no âmbito da defesa dos animais, não admito que se ataque as touradas de forma isolada, separando-as dos inúmeros abusos e atropelos aos direitos dos animais que ocorrem a toda a hora, por todo o lado, desde sempre.
Esta baga diz respeito às touradas à corda terceirenses, por isso, vou abstrair-me, por ora, de referir as touradas de praça. Quanto à minha segunda linha de pensamento, não suporto a hipocrisia dominante. Atente-se nas palavras de Pedro Neves, deputado do PAN, entrevistado pelo DI no dia 4 de julho: “(…) O bem-estar animal deve sobrepor-se a qualquer tradição. Os animais são seres sencientes e não podem ser tratados como mercadoria ou objetos.” Parece um discurso muito bonito à partida, eu próprio o subscrevo, como amigo dos animais e defensor dos seus direitos e até me emociono. Mas, depois, ponho-me a pensar: Sr. Pedro Neves, os animais não podem ser tratados como mercadoria ou objetos [como nas touradas], mas que sentido faz, que não seja ideologia ou ato de fé, apregoar isso histericamente e manter um olímpico silêncio sobre o constante sofrimento animal à nossa volta? Porquê esse encarniçamento conta as touradas à corda tradicionais, que já os levou a tentar impor o seu fim por via legislativa? Porquê essa raiva contra o que de mais genuíno tem a alma terceirense? Analisemos o assunto de forma lógica e racional. Quer dizer, um toiro terceirense de corda, nascido e criado exclusivamente para esse fim, não deve sequer nascer e muito menos passar, frequentemente, todo o seu ciclo expectável de vida no paraíso bovino, quase sempre nas altas pastagens terceirenses, entre os seus congéneres, com muita erva verde e água fresca, com manadas de vacas meigas à disposição, tratado com cuidado por ser valioso para o proprietário, tendo apenas de trabalhar uns dias aqui e ali, por meia hora, entre maio e outubro. Isso é errado, é contra os interesses do bicho, extinga-se a raça, arenga o PAN. Mas não vejo o PAN dizer nada quando todos os dias vitelos são retirados às mães, fechados num viteleiro, engordados em vez de alimentados, num cruel e curto simulacro de vida, para, menos de um ano depois serem degolados, pendurados pelas patas e estripados no matadouro, a fim de satisfazer a gula humana por carne vermelha. Isto já não é, aparentemente, tratar os animais como mercadoria ou objetos. Porque não vejo o PAN a protestar todos os dias à porta dos matadouros nem o vejo a propor leis que proíbam criar e matar animais para os comer. Espero que o Sr. Pedro Neves não me venha responder com a estafada tese de que são coisas muito diferentes e de que precisamos de comer carne para sobreviver, tralala tralala. Até é verdade que são coisas muito diferentes, na medida em que é infinitamente mais cruel e desumano criar um vitelo para o matadouro do que criar um touro na Terceira para a lide de corda. E quanto à sobrevivência da nossa agressiva espécie, a necessidade de consumir carne é, no mínimo, uma questão amplamente discutível, sendo que inúmeras pessoas, e até cada vez mais, vivem longas vidas saudáveis sem qualquer consumo de proteína animal. No fundo, consumir carne é cultura, tradição e gula. Touradas à corda é apenas cultura e tradição, sem a gula.
O que aconteceu no Porto Judeu no passado dia 30 de junho foi um incidente infeliz, sem premeditação nem crueldade associados. Não sendo invulgar, não é frequente e eu sou a prova viva disso. Já perfaço 64 anos de idade e desde sempre que assisto a touradas à corda. Melhor dizendo, participo, uma vez que continuo por lá a correr nos arraiais, para ver tudo bem de perto e para fugir do animal quando é preciso. Presenciei largas centenas de touradas em portos ao longo da vida e embora, para ser justo, tenha visto alguns toiros em dificuldades na água, nunca vi morrer nenhum. Pelo contrário, a atitude geral de pastores e populares é ajudar o toiro a nadar e a voltar para terra. A exceção é o porto de S. Mateus, onde, com frequência, os locais são brutos para os animais na água, forçando-os a saltar, tentando cavalgá-los na água e batendo-lhes no focinho. Os toiros têm má flutuação, nadam com alguma dificuldade e condeno veementemente estas atitudes. Talvez pudesse haver alguma articulação com a Polícia Marítima, em vez de ficarem apenas de braços cruzados em cima das gaiolas e a verificar licenças, podiam usar os apitos para impedir abusos deste género.
Finalmente, para não me alongar demasiado, a alegação bem ao estilo populista de que “tem aumentado muito o número de pessoas mortas e gravemente feridas nas touradas” carece de comprovação e fundamentação estatística. Sem estudos e números que os suportem, esta conversa não passa de floreado ideológico e pressuposto com interesse próprio. Por outro lado, estamos a falar de espetáculos públicos, gratuitos, de livre acesso, bem anunciados e bem assinalados. Só lá vai quem quer. Os locais têm obrigação de conhecer os riscos. E é a adrenalina de lidar com animais com mais de 400 quilos, cornos rijos e agressividade natural, em condições controladas, que constitui o principal apelo da atividade. Quanto aos visitantes, na atualidade, é muito fácil obter informação na Internet sobre estes eventos e os riscos associados. Já não vale a desculpa “eu não sabia, ninguém me disse”.
Muito mais havia a dizer, o tema da defesa dos animais sempre me apaixonou ou não tivesse eu recolhido na infância e adolescência, inúmeros animais da rua, para desespero da minha mãe. Amanhã, sábado, irei a Santo Amaro, às 18h30. E no domingo, às Doze ou ao Largo da Fontinha, se descobrir onde é, entretanto. Veio mesmo a calhar, o grito da minha marcha de S. João este ano, Olé! Pois claro, olé toiro lindo, meu amado bicho cornúpeto, por mim jamais te extinguirás. popeye9700@yahoo.com