BAGA POR DENTRO DA CASA BRANCA
Junho 12, 2019
Tarcísio Pacheco
imagem em: https://www.semana.com/mundo/galeria/las-caricaturas-de-donald-trump-en-revista-semana/523606
BAGAS DE BELADONA (77)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA POR DENTRO DA CASA BRANCA - Sou completamente viciado em literatura; não durmo sem ler e transporto sempre o livro do momento na minha mochila; histórias de quem teve a sorte de crescer sem televisão até aos 15 anos; fiel leitor da Biblioteca Pública de Angra desde tenra idade, comecei a ir lá quando esta funcionava no primeiro andar da câmara municipal de Angra.
A minha última leitura é Fogo e Fúria, de Michael Wolff, obra que recomendo vivamente. Trata-se de um conhecido autor norte-americano, que escreve para publicações tão ilustres como a Vanity Fair, New York, USA Today ou The Guardian; já recebeu diversos prémios, incluindo dois National Magazine Awards; é autor de seis livros, incluindo dois bestsellers.
Com publicação em 2018, neste livro, Wolff analisa, de forma irresistível, o primeiro ano da presidência de Trump. Com acesso privilegiado à Casa Branca, Wolff conta-nos como as coisas realmente se passaram. E o resultado é de estarrecer. Sabíamos que a presidência de Trump é um circo. Mas não sabíamos que o circo era só de palhaços e animais ferozes e conspirativos, com destaque para os répteis. É sintomático que a Wolff, já muito conhecido por expor os bastidores da vida de personalidades norte-americanas controversas, tenha sido dado livre trânsito pela Casa Branca. Isso resultou da total impreparação de Trump e da sua equipa para assumir a presidência do país mais poderoso do mundo e do ambiente caótico e confuso desta presidência. Quando se aperceberam da asneira já era tarde demais. Claro que tentaram de tudo para impedir a publicação do livro, ataques difamatórios, manobras traiçoeiras, anúncios de procedimento judicial e ameaças pessoais. Mas falharam por completo, Wolff aguentou-se nas canetas, o livro foi publicado e, inclusivamente, Wolff continua ativo e no terreno, a dar entrevistas tóxicas, à CNN, por exemplo, prognosticando que a presidência Trump acabará em lágrimas. As de Trump. Temos pena.
Nesta obra fascinante, que resultou de largas centenas de horas de entrevistas no manicómio da Casa Branca, off e on the record, incluindo ao próprio Trump, Wolff traça o verdadeiro retrato desta criatura, um homem de negócios rico, bronco, ignorante, sem cultura, básico, grosseiro, intempestivo, precipitado, impulsivo, imprudente, um verdadeiro truão, com um ego descomunal perfeitamente injustificado, sem qualquer qualificação para o cargo, levado ao poder sem saber como pela América profunda, que tão bem representa e pelos círculos mais conservadores e reacionários da direita e extrema-direita, incluindo grupos neonazis. Um presidente que anuncia medidas oficiais pelo Tweeter, que utiliza diariamente o telefone para frenéticas conversas queixosas com os seus amigos e pseudo-amigos, que sofre de um complexo de perseguição e vitimização e que, para compor o ramalhete, exibe uma patética fragilidade emocional, do género “eu só quero que gostem de mim”, muito próprio de quem jamais sonhou ganhar as eleições. Só consigo lembrar-me de alguma coisa jeitosa em Trump, para além da Melania e da Ivanka; os discursos dele, tresloucados, dissonantes, dispersivos, queixosos, autoelogiosos, sem nexo e fundamentalmente estúpidos, acabam por ser divertidos. Ricardo Araújo Pereira ou Herman José deviam estar atentos a este verdadeiro manancial.
Num ambiente opressivo e confuso de piranhas agressivas e ambiciosas, com um ou outro Bambi ingénuo pelo meio, ficamos a saber que o fenómeno Trump foi em grande parte fabricado por Steve Bannon, um radical de direita, chefe de estratégia da campanha Trump, ex-tenente da US Navy, posteriormente financeiro da Goldman Sachs, produtor de Hollywood e rei dos media de direita, dantes classificado como “o operacional político mais perigoso da América”. Bannon acabaria por demitir-se no final do primeiro ano, esgotado pela guerra intestina contra a dupla Jared Kushner / Ivanka Trump (genro e filha do presidente) que, ao colo de Trump, sem qualquer motivo aparente e sem cargo oficial, andavam a dar ordens por todo o lado, tendo sido pitorescamente designados por Bannon como Jarvanka. Agora, Bannon, com a sua feia papada e os seus eczemas radicais arrasta-se pelo país, com a boca no trombone, numa curiosa e doentia récita de amor/ódio por Trump. Algo como “eu fabriquei o Trump Presidente e ainda o amo, mas é impossível fazer alguma coisa de jeito daquela alminha”. Podiam ter sido tão felizes, não era, Bannon? Tanta coisa que havia ainda a fazer para lixar o ambiente e tornar a América grande de novo e feliz como sempre.
Se George Orwell fosse vivo, talvez escrevesse uma sequela, o “Triunfo dos Vermes”.
Longa vida a Michael Wolff, a ler, absolutamente. POPEYE9700@YAHOO.COM