BAGA Pe.JÚLIO ROCHA E A SUA IGREJA (BB144)
Março 14, 2023
Tarcísio Pacheco
imagem em: The Editorial Cartoons
BAGAS DE BELADONA (144)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA Pe. JÚLIO ROCHA E A SUA IGREJA – Esta baga andava pelo meu computador, não esquecida, mas em repouso, à espera de tempo e disponibilidade. Agradeço ao Sr. Padre Júlio Rocha, a gentileza de me ter citado, no seu artigo no DI do já distante dia 20 de janeiro. É sempre gratificante ser citado, ainda para mais com uma adjetivação de assertividade. Porém, manda a mais elementar cortesia que, quando se cita alguém, identifica-se a fonte. Não foi “alguém” que escreveu e também não foi ninguém importante, mas, por acaso, fui eu. Se o senhor padre leu o artigo e retirou a parte que lhe interessava, soube também quem o escreveu, não era anónimo.
Dito isto, quero deixar claro que costumo ler os artigos do Pe. Júlio Rocha publicados no Diário Insular. Não só porque escreve bastante bem e sobre temas interessantes, mas também porque o tenho em boa conta, parece-me ser um homem de boa vontade e um sacerdote católico que não se coíbe de tecer duras e pertinentes críticas à sua organização, o que é raro e admirável.
Quanto ao meu citado texto, que não é recente, embora, provavelmente, estivesse de telha corrida quando o escrevi, poderia escrevê-lo de novo e não o mudaria muito. O que não me repugna na igreja católica, provoca-me enfado e bocejos. Ele é tantas que me é até difícil escolher o que criticar. Entre tantas outras coisas, não suporto aquela tristeza toda, o peso da cruz sobre os nossos ombros, a pompa e circunstância, a patética solenidade, o omnipresente brilho do ouro, a resignação cristã, o eterno estigma do pecado, a expiação constante da culpa, a tendência para a vitimização e para o sacrifício estéril, a brutal hipocrisia e a cega obediência ao dogma.
Saí da “catedral”, como o senhor padre diz, por volta dos 14, 15 anos, quando comecei a adquirir alguma autonomia de pensamento e nunca mais voltei, a não ser para um casamento, batizado ou para tocar violão com uma das minhas filhas, Inês, hoje com 22 anos, em festas da catequese dela. Pelos nossos filhos, fazemos quase tudo e respeitamos as escolhas deles.
Não gostar da igreja católica não tem nada a ver, forçosamente, com ateísmo ou amoralidade. Não me considero uma pessoa religiosa, no sentido mais estrito do termo, na medida em que não pratico qualquer religião, mas também não me considero ateu. Vejo-me sobretudo como um agnóstico espiritualista que, dentro da sua fraqueza puramente humana, com imensas falhas, tenta seguir um código universal de comportamento que assenta em valores e atitudes como a paz, o amor, a amizade, o respeito pelo outro, a tolerância e a solidariedade. E leio, escrevo, medito e reflito regularmente sobre o significado e explicação do universo, sobre os mistérios da vida e da morte, enquanto vou passando o tempo e sobrevivendo a cada dia, como todos nós.
A prática do bem (e não apenas da caridade fácil), de forma desinteressada e anónima, a fé pacífica e a esperança de cada pessoa num mundo melhor são sempre coisas positivas, venham de onde vierem.
Quanto à Igreja Católica (IC), não advogo o seu fim. Olhando para a medonha realidade da espécie humana e para o pavoroso mundo que temos vindo a construir, parece-me fundamental a existência de algum nível de espiritualidade que seja um fator de equilíbrio perante o puro materialismo, a ganância, a acumulação, o espírito competitivo, a agressividade, a violência e a prática do mal, nas suas múltiplas vertentes. E, na comunidade açoriana, ainda é, por enquanto, a IC quem está em melhor posição para desempenhar esse papel, nem que seja por tradição. Porque, se não cuidarmos de uma dimensão espiritual, a vida da maior parte de nós vai andar à volta de trabalho, dinheiro, contas, comida, política e futebol (toiros também, na Terceira). Ou seja, uma vida bem pobre, que as artes, a música e a Natureza vão enriquecendo.
Contudo, infelizmente, parece-me que a IC vai continuar no processo acelerado dos 3 dês (declínio, decrepitude e degradação). Que poderá levá-la, daqui a umas largas dezenas de anos (mas não centenas…) a tornar-se residual. Pura e simplesmente, a IC, agarrada aos seus velhos dogmas e ao seu moralismo serôdio, estéril, bronco e hipócrita, não responde às necessidades da sociedade de hoje, muito menos no que toca aos jovens. Até podemos estar em último lugar nas estatísticas do sucesso escolar, mas, como sociedade, é absolutamente inegável que evoluímos muito, em termos de educação, cultura e mentalidade. É aqui o ponto sensível porque fé e razão são antagónicos por natureza. É sinal inconfundível de inteligência e nível de educação, a atitude de questionar, duvidar, querer saber, entender e esclarecer. Ora, isto é antítese da IC, uma instituição que cria agentes em série formatados por um duvidoso livro “sagrado” e por uma doutrina com 2000 anos, cheia de prováveis falsidades, dúvidas, efabulações, erros, impossibilidades científicas e inexatidões. E o intuito principal é sempre moldar a sociedade à luz das suas crenças. Em muitas circunstâncias e diversos lugares, a IC foi aliada do poder político. Para ser justo, noutras ocasiões, também foi oposição. Mas sejamos honestos, a IC é uma organização de poder muito antiga, presente em quase todo o mundo, dirigida por um grupo restrito de homens velhos, a quem a sociedade tende (tendia?) a confiar as suas crianças. A IC sempre prosperou na pobreza, na estupidez e sobretudo na ignorância. Na Irlanda do passado, na América profunda de Trump, na Espanha revanchista, no tosco Brasil de Bolsonaro, na América Latina, nas Filipinas. E nuns Açores que também foram mudando e já quase não existem.
Tomemos como exemplo a questão da pedofilia no seio da IC, que tem estado nas bocas do mundo. É óbvio que aplaudo as iniciativas da própria IC no sentido correto e justo. E aproveito para felicitar a Diocese dos Açores e o seu Bispo por ter tomado a iniciativa de suspender os seus sacerdotes que constam da lista apresentada pela comissão independente. Pelo menos, nisto, vamos à frente. Mas a verdade é que acredito que pouco vai mudar. Quando muitos, os eventuais pedófilos da IC vão tomar mais cuidado e pensar duas vezes porque sabem que estão sob os holofotes da sociedade. Mas, e quanto às raízes do problema? O que está na base da pedofilia na IC? Creio que isso se prende com os dogmas, as leis, as práticas e as doutrinas da IC. E não vejo qualquer sinal de mudança, para além de um Papa um pouco mais aberto e bem-intencionado, em luta aberta contra uma corte hostil de velhos cardeais hipócritas, fanáticos, misóginos e homofóbicos. Creio que o que cria a pedofilia específica da IC é a castidade forçada, a hipocrisia de clamar que recruta entre “os castos”, a demonização do impulso sexual, a homofobia mal disfarçada, a interdição do sacerdócio feminino, a discriminação das mulheres, a indissolubilidade do matrimónio e a atitude face ao divórcio, entre outros fatores. Em nada disto se prevê mudanças. E tudo isto cria um fosso cada vez mais acentuado entre a IC e as sociedades em que está inserida.
Como todos nós, humanos, não faço a mais pálida ideia se existe alguma espécie de Deus ou se há algum tipo de vida para além da morte. Mas tenho a certeza absoluta de que o tipo de criatura divina que a IC nos tenta impingir desde a infância e de quem não há qualquer evidência, na vida na Terra, na História ou no Universo conhecido, é um embuste mal-intencionado. Quem não gostaria de ter um anjo da guarda? Mas a verdade é que, se nalguns casos eles parecem existir (salvou-se por milagre…), noutros, o estupor do anjo estava a dormir ou estava bêbado. Ninguém entende nada. Mas os desígnios de Deus são insondáveis, claro, eufemismo clássico para dizer “também não percebo nada disto e não sei o que te diga, não faças perguntas difíceis…”.
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