CARTINHA DE DESPEDIDA
Dezembro 27, 2013
Tarcísio Pacheco
imagem: http://kruzgkarikaturas.blogspot.pt/2012/10/caricatura-de-passos-coelho.html
Exmo. Senhor Primeiro-Ministro
Sei que corro o risco de ser demasiado precoce mas, além dessa ser uma caraterística inerente à minha natureza, quero ser o primeiro a despedir-me. Porque é efetivamente de uma triste despedida que se trata. E digo-o, para ter uma ideia, com a mesma sinceridade com que o senhor faz promessas eleitorais, com um peso no coração, como se, subitamente, me tivessem pousado no peito, em moedas, sacos e sacos com todo o dinheiro que foi forçado a tirar-nos, entre cortes e impostos.
Quero dizer-lhe que estou solidário consigo e entendo perfeitamente o facto de ser praticamente impossível lutar contra uma fortaleza inexpugnável, conhecida em Portugal pelo sinistro nome de Constituição e defendida por um bando de 13 ninjas vestidos de negro, brutos, intratáveis e versados em todas as artes de combate. Que, ainda por cima, contam com o apoio de um povo ingrato, que não conseguiu entender o alcance e a pureza das suas intenções, que não gosta de ser ajudado, teima em não se deixar ajustar e nem quer ouvir falar em ser salvo; que, apesar das suas inúmeras e esforçadas explicações, por manifesta ignorância e insensibilidade, nunca conseguiu entender que é preciso empobrecer para evitar a pobreza. Assim, quando ela chega, a velhaca, já é tarde demais, já não nos apanha desprevenidos. Isto é genial e mostra os graves riscos que os ricos correm. É por essas e por outras que nunca quis ser rico. Infelizmente, os génios raramente são reconhecidos em vida. Lembro também, com especial pesar, as baixas de vulto que teve no seu exército, os generais tombados, o impávido e sereno Sir Vítor Gaspar, o “Mãozinhas” como sei que carinhosamente lhe chamavam na intimidade, o Senhor Professor Doutor Miguel Relvas que sacrificou a sua potencialmente brilhante carreira académica para perder noites a seu lado, mal alimentado pela tasca da Assembleia da República, a desenhar os planos para a salvação de Portugal, sem tempo sequer para se casar. Só conheço outro sacrifício desta dimensão e já foi há mais de 2000 anos. E outras vítimas mais recentes, humildes secretários de estado, como Hélder Rosalino, que também tombou no cumprimento do dever, não sem antes ter causado sérios estragos nas hostes inimigas, que nunca o esquecerão.
Lembro também outros momentos igualmente dramáticos, plenos de tensão, como aquela horrível briga de família que foi protagonizada pelo seu vice e irmão de sangue, Paulo Portas, que felizmente terminou bem e de que resultou, afinal, uma relevante contribuição para a Língua Portuguesa. Desde então, os dicionários portugueses ficaram enriquecidos com dois significados diferentes para o termo “irrevogável” que, na verdade, era um pouco dúbio. Assim, agora temos a entrada “irrevogável pré-Portas” que significa: que não se pode revogar em caso algum”; e logo abaixo, a entrada “irrevogável pós-Portas” que significa: que não se pode revogar em caso algum exceto nos casos em que forem apresentados argumentos irrecusáveis. Obviamente, esta segunda definição é muito mais completa e faz todo o sentido.
O senhor tem toda a razão em estar magoado senhor Primeiro-Ministro. O senhor teve um sonho lindo, acabar com todos estes entraves ao progresso, os reformados e pensionistas, os velhos em geral (com as nobres exceções de velhos políticos de direita e velhos empresários), os doentes, as crianças, os funcionários públicos em geral, os professores, os médicos, os enfermeiros, os polícias (excetuando o Batalhão de Choque), os políticos de esquerda, os militares, os juízes imparciais, a Constituição e o Papa Xico I e criar um país novo com os políticos de direita, os empresários, os banqueiros, os exportadores, os jovens empreendedores, presidentes da República muito compreensivos e presidentes da Comissão Europeia desempregados. Contou mesmo com aliados poderosos, o FMI, o Banco Central Europeu, a Comissão Europeia, os senhores dos mercados e a Bolinha de Berlim. O objetivo final era nobilíssimo, fazer Portugal feliz para sempre e até mesmo para além disso. Mas as forças do mal mostraram-se demasiado poderosas. O senhor teve um sonho lindo, como Martin Luther King. Mas agora manda a prudência e o bom senso que se vá embora antes que acabe como ele. E antes que perca o resto do cabelo e engorde para lá do recuperável.
Por tudo isto, senhor Primeiro-Ministro, entendo perfeitamente que não lhe reste outra atitude senão seguir o sábio conselho de alguns anciãos e ir-se embora enquanto ainda pode ir pelo seu pé. Será mesmo um gesto de uma dignidade sem paralelo que, estou certo, provocará o aplauso comovido do país inteiro. E, dada a sinceridade que sempre pautou a sua conduta, estou certo de que essa será uma decisão irrevogável pré-Portas. Por conseguinte, emocionado e tocado pelo seu nobre sacrifício, pedia-lhe apenas que deixasse a casa devoluta o mais depressa possível, que ao menos não deixasse mais porcaria do que aquela que encontrou e que levasse consigo todo o lixo que acumulou à sua volta nestes 2 anos. Incluindo a governanta Assunção Esteves, os próximos inquilinos trazem o seu próprio pessoal. Ah, já me esquecia, o lixo da vice-presidência, dada a sua falta de préstimo para qualquer reciclagem e o seu elevado grau de toxicidade, é para ser incinerado.
Como funcionário público e possuído pelo espírito natalício, despeço-me e desejo-lhe o dobro daquilo que tinha para me dar em 2014. POPEYE9700@YAHOO.COM