BAGA "EU CASAVA COM ELA" (BB151)
Novembro 07, 2023
Tarcísio Pacheco
imagem em: Latest World & National News & Headlines - USATODAY.com
BAGAS DE BELADONA (151)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA “EU CASAVA COM ELA” – Para tirar qualquer dúvida e para quem não me conhece, não advogo em causa própria; sempre me senti heterossexual e sempre fui um confesso admirador de Miguel Sousa Tavares (MST), cuja inteligência e espírito crítico elogiei publicamente bastas vezes. Nem sempre concordei com ele, o que me parece também sinal de inteligência, não concordar sempre e admitir mudar de ideias. Lembro-me, por exemplo, de discordar de MST e de escrever sobre isso, há alguns anos, quando saíram as primeiras leis antitabagismo, resultantes das descobertas científicas sobre os malefícios do fumo passivo. Na época, MST, um fumador inveterado, clamava contra a proibição de se fumar em restaurantes e profetizava o encerramento de muitos locais devido a esse facto. Nada disso aconteceu, tratava-se de um processo de evolução social imparável e, se não me engano, até o próprio MST deixou de fumar mais tarde ou algo do género. Já agora, não concordo nada com alguns aspetos da atual lei antitabagismo, mas isso é outra história. Claro que se MST viesse discutir comigo o assunto, fá-lo-ia de forma inteligente e até convincente. Pessoas como MST parecem sempre inteligentes, mesmo quando não têm razão. É exatamente o contrário de criaturas como Donald Trump, que parecerão sempre estúpidas, mesmo no caso improvável de terem razão.
Como já devem ter adivinhado, visto que não estou para subtilezas, hoje escrevo sobre o recente escândalo protagonizado por MST e o seu amigalhaço, o conceituado jornalista, José Alberto Carvalho, em pleno Jornal Nacional da TVI. Ao comentar a atualidade, MST foi convidado a pronunciar-se sobre a recente eleição de Marina Manchete, uma mulher transsexual, como Miss Portugal. E ele comentou o assunto de forma chocantemente grosseira e preconceituosa, como grande parte do país ficou a saber, graças ao poder da televisão. Como sabemos, discordou da possibilidade de uma pessoa transgénero concorrer a um concurso de beleza e terminou o seu “brilhante” comentário com uma piscadela de olho cúmplice ao Carvalho, ao mesmo tempo que lhe dizia algo como “Eu não casava com ela e tu, casavas, Zé Alberto?”. Atrapalhadíssimo, o Zé Alberto lá piscou o olho mais afastado das câmaras, na esperança de que não se notasse lá em casa, fez um sorriso amarelo e respondeu, baixinho que não, não casava. Claro que de imediato, o Carvalho, um jornalista conceituado, competente e experiente, com uma imagem pública construída ao longo de muitos anos, percebeu que tinha feito asneira em prime time. E tentou emendar a mão, logo no dia seguinte, com um texto demasiado longo, para que lhe desculpassem o indesculpável. Bastaria ter escrito algo como “Peço desculpa ao país, sei que fiz m… acontece que sou um ser humano imperfeito e cometo erros frequentemente, foi o caso, fiquei atrapalhado…” É claro que o Carvalho é uma pessoa como outra qualquer, tem direito a cometer erros e a ter as opiniões pessoais e os preconceitos que quiser. Não pode é aproveitar a sua condição de figura pública que nos aparece lá em casa diariamente, para os exprimir. Quando muito, só o deveria fazer no âmbito de um programa de debate em que, obviamente, estão presentes diferentes pontos de vista (pelo menos nos regimes democráticos) e os espetadores têm acesso às teses e ao seu contraditório. E mesmo assim, o papel do jornalista, enquanto tal, não é bem o de exprimir as suas convicções pessoais no trabalho…
Por falar em tese, quanto à de MST, não foi o essencial que me chocou. Discordo dele, mas, numa perspetiva dialética, parece-me que a sua tese é defensável e respeitável. Trata-se, afinal, de uma questão de opinião. Cabe-me assinalar que discordo e explicar porquê. Com os avanços da medicina, na atualidade, é comum vermos serem corrigidos nas pessoas erros da natureza ou danos causados por doenças ou acidentes. Naturalmente, a maioria das pessoas vê isso, como aceitável e até mesmo “bom”. No entanto, só à primeira vista é que a questão de transsexualidade se assemelha à injeção de gel num traseiro magro descaído ou a um enxerto para renovação de pele queimada num incêndio. Quem somos e como nos sentimos, do ponto de vista da identidade de género, é algo que condiciona toda a nossa vida e nos define enquanto seres humanos. Nem imagino o drama que deve ser alguém nascer com a morfologia externa e interna de um género e sentir-se do outro, a nível psicológico, emocional e afetivo. Deve ser algo desesperante e complicadíssimo, até porque se trata de um longo processo de tomada de consciência, à medida que uma criança vai crescendo e apercebendo-se das realidades da sua vida. Até há pouco tempo, pouco restava a uma pessoa nessa situação do que fechar-se no “armário”, assumir-se como “gay” ou ter uma vida assexuada (essa foi uma opção não tão invulgar como se pensa…) e sofrer pela vida fora, pressões, críticas, preconceito e violência, física e psicológica. Felizmente, com o avanço da medicina, ganhámos a possibilidade de corrigir esse tipo de erro da natureza. Não é um processo fácil nem deverá sê-lo, até porque essas pessoas, quase sempre muito jovens, devem estar bem conscientes, bem informadas, devidamente apoiadas e terem a certeza absoluta da sua opção. Até porque há sempre a hipótese, perfeitamente respeitável, das pessoas preferirem assumir-se como homossexuais ou bissexuais. Cada caso é único.
Se MST lesse isto, estaria a pensar, mas afinal o que é que esta abrótea quer? Não estamos em desacordo. Mas, na verdade, estamos em profundo desacordo. MST clama que respeita inteiramente o direito à livre opção em termos de identidade sexual e mudança de género. E se calhar até respeita. Mas, depois o respeito dele acaba aqui. Onde começa o meu próprio respeito. Para MST, Marina Manchete nasceu homem e é uma mulher artificial, digamos que uma mulher biónica, um belíssimo cyborg, um produto de ficção científica da Netflix. A quem deve estar vedado um concurso de beleza, qualquer que seja, uma vez que já não é homem e não tem direito a ser mulher. Para MST, a Marina nem é homem nem mulher, é uma meia-pessoa, condenada para o resto da vida dela.
Para mim, a Marina é uma mulher que, por erro da natureza (que erra com imensa frequência) nasceu com órgãos genitais masculinos. Um erro grosseiro da natureza, agora revertido pela medicina. Depois disso, Marina pôde assumir-se totalmente como a mulher que sempre foi e as portas do mundo e da vida estão abertas para ela de par em par. O que inclui concursos de beleza, se ela gosta disso.
O país ficou a saber que o Miguel e o Zé Alberto não casavam com a Marina. Eu estou fora do mercado casamenteiro, mas, se não fosse por isso, casaria com a Marina, sim, se me apaixonasse por ela, encantado por casar com uma mulher tão bonita. O que me parece é que a Marina não casaria com nenhum de nós e faz ela muito bem. POPEYE9700@YAHOO.COM