BAGA MEU NOME É GAL (BB140)
Novembro 14, 2022
Tarcísio Pacheco
imagem em: Gal Costa, a moça que sabia guardar segredos | Farol | OPOVO+
BAGAS DE BELADONA (140)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA MEU NOME É GAL - Passei o dia de hoje a ouvir música da Gal Costa, enquanto trabalhava. Como melómano e apreciador da música brasileira em particular, fiquei triste ontem, ao inteirar-me do falecimento inesperado de Gal, nascida Maria da Graça Costa Penna Burgos, a 26 de setembro de 1945, na maravilhosa cidade de Salvador, onde vivi algum tempo e fui tão feliz quanto pude. Há muita gente que canta bem neste mundo torturado e nos ajuda a esquecer momentaneamente a realidade brutal da nossa terrível espécie. Mas Gal era especial, dona de uma voz maravilhosa, com um timbre angélico, que só podia ter origem divina. Voz de eterna menina num corpo de mulherão. Dela, disse recentemente Caetano Veloso, seu grande amigo: “(…) a emissão da voz em Gal era já música, independentemente do domínio consciente das notas. E isso fazia com que o espírito dela expressasse sutilezas, pensamentos, sentimentos, asperezas, doçuras, de modo espontâneo (…)”.
A voz de Gal era daquelas que nos transportam para outra dimensão. Felizmente, podemos continuar a ouvi-la enquanto vivermos. Enquanto uns nascem para brutalizar o mundo, outros, como ela, existiram para nos fazer felizes, de vez em quando. Vozes como a de Gal ligam-nos muito mais à centelha do divino que há em todos nós, do que igrejas, missas, sacramentos e rituais. Se Deus cantasse, soaria assim, se bem que, provavelmente, um tudo nada mais desafinado. Já com 77 anos, Gal ainda estava plenamente no ativo, inclusivamente, com concertos marcados em Portugal, que ela tinha adiado, entretanto, para 2023, devido ao problema de saúde que a apoquentava. A sua morte inesperada faz-nos pensar na fragilidade e brevidade da vida humana. E ficamos revoltados por partirem estas criaturas fantásticas e ficar por cá tanta porcaria sem préstimo algum. Relembro a sua passagem pela nossa ilha, num concerto ali no palco do Bailão, numas Sanjoaninas, já há uns bons anos. Evidentemente, eu estava lá.
É bem provável que a alma de Gal, ao ascender, após ser recebida por um coro angélico com quem há de ter feito uma agradável jam session, tenha procurado o parceiro e amigo, Tim Maia, para “sentar e conversar e depois andar de encontro ao vento” porque há de haver gente conhecida no Céu e algum vento, nem que seja uma gentil brisa, daquelas que não despenteiam.
Pensar na Gal, que não conheci pessoalmente, trouxe-me à memória um episódio da vida, com Joana, cantora brasileira que, essa sim, conheci. Joana é o nome artístico de Maria de Fátima Gomes Nogueira, nascida em 1957. Não tem o estatuto da Gal, mas, ainda assim, é uma cantora, compositora e multi-instrumentista de créditos firmados e bem popular. No meu “período brasileiro” (2004-2013), estava eu pelo Brasil, na cidade de Campina Grande, estado da Paraíba, em maio de 2008, de visita à namorada da época, Ladjane. Ela tinha um vizinho que era grande amigo, o Felipe, rapaz muito simpático e uma alma romântica. Felipe era o fã n.º 1 da Joana, tinha formado um fã clube, conhecia pessoalmente a cantora e colecionava tudo sobre ela. Aconteceu que, por aqueles dias, Joana ia dar um concerto em João Pessoa, capital do estado e uma das cidades mais bonitas e calmas do nordeste brasileiro. Claro que o Felipe nos tirou o juízo para irmos ao concerto e nesse fim de semana abalámos para João Pessoa. Estivemos no concerto, numa espécie de centro comercial. Após o final, Felipe levou-nos para a fila dos autógrafos, no camarim. Quando entrámos, ele apresentou-me à Joana, que estava acompanhada pela sua manager (e companheira) e sem qualquer prévio aviso, saiu-se com esta: Joana, este é o Tarcísio, um português dos Açores, já te ouviu por lá (esta parte era verdade), é teu fã (nem por isso) e quando soube do teu concerto de hoje, adiou o seu regresso a Portugal, só para te ouvir (grossa mentira). Claro, a Joana ficou agradada, foi muito simpática e fizemos umas fotografias juntos. Obrigado, Joana e até sempre, Gal. POPEYE9700@YAHOO.COM