BAGA TELEMÓVEIS
Maio 21, 2019
Tarcísio Pacheco
imagem em: https://www.artstation.com/artwork/GXz9wd
BAGAS DE BELADONA (75)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA “TELEMÓVEIS” – Eu tinha avisado, aqui mesmo, nas páginas do DI, para quem me quis ler. Com a canção “Telemóveis”, do Manel Conan Osíris da Silva, tivemos uma queda do 1.º lugar do pódio no Festival da Eurovisão, a nata da criação musical europeia, para a humilhante situação de nem sermos admitidos na final. Depois do brilharete de Salvador Sobral, que conseguiu a proeza de emocionar o país, sem ser em nada relacionado com futebol, andávamos de bico doce e sonhadores. Eu, que sou muito sensível, tinha aprendido rapidamente a tocar aquilo no meu violão, enquanto chorava copiosamente. Também tentei com o “Telemóveis”, mas rebentei logo com o Mi de baixo e desisti. A dura realidade e uma mão cheia de “fake news” com um toque profissional puseram as coisas nos seus devidos lugares.
Mas o defeito pode não ser nosso. Acho que o mundo não estava preparado para os profundos significados da canção de Osíris. A começar pela música, o principal. Como muita gente inteligente e competente andou por aí a opinar, penso que iludidos por uma brincadeira do Roger Waters, esta melodia era riquíssima e continha praticamente todas as sonoridades da musicalidade nacional, desde os cantares alentejanos, até aos acordes plangentes do alaúde trovadoresco, passando pelas canções de ninar das mães portuguesas, os hinos de Fátima, as toadas das rezas do terço nos cultos do Divino Espírito Santo e pelos cantos de alar as redes da sardinha dos pescadores da Nazaré, antes do Garrett Mcnamara ter descoberto os tais canhões. Claro que era preciso ter sensibilidade para perceber isto, o que não era, nitidamente, o caso destas gentes da Europa, duras de ouvido. Certas partes da canção ao vivo não se percebem, mas estou convencido que isso se deve aquela armadura bucal do Conan, que deve incomodar tanto como um aparelho dentário e ao facto de, provavelmente, ele ter usado dialeto mirandês nalguns trechos.
A letra também é riquíssima, como, aliás, tinha de ser para um festival da Eurovisão e perfeitamente passível de ser usada numa tese académica de Linguística ou Literatura. Logo no início, atente-se no desespero do poeta, que “partiu o telemóvel a tentar ligar para o céu”. Isto é claro e representa o eterno drama da Humanidade que há séculos tenta de tudo para comunicar com o Céu sem se convencer que ninguém atende daqueles lados. E o lado de intervenção social, o alerta de que o telemóvel mata, ao volante, por exemplo ou quando um marido adúltero e descuidado deixa o aparelho ao alcance de uma esposa ciumenta e agressiva com uma faca grande na gaveta da cozinha. E é raro, mas já aconteceu a bateria de um telemóvel explodir, aqui e ali, na China e assim.
E temos ainda as mensagens perturbadoras e inquietantes transmitidas pelos movimentos do bailarino que, por vários motivos, devia ter o nome artístico de Seth, o deus egípcio do caos e das tempestades. No entanto, a interpretação principal é fácil: tenham muito cuidado com escadas em geral e, sobretudo, nunca as desça a mandar mensagens ao mesmo tempo; se vos falhar um pé pode lesar gravemente a coluna e passar a ter espasmos incontroláveis como aquele pobre bailarino.
Enfim, esta Europa insonsa, cinzenta, capitalista, pró-mercados financeiros, a puxar para a extrema-direita (de que o CDS-PP não faz parte, claro que não) e dura de ouvido, cada vez merece menos o génio e a centelha da alma portuguesa. POPEYE9700@YAHOO.COM