BAGA AMOR DE PAI TEM PODER BB155
Março 22, 2024
Tarcísio Pacheco
BAGAS DE BELADONA (155)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA AMOR DE PAI TEM PODER - Na passada semana, ao contrário do que é costume, escrevi sobre política e sobre o Chega e Ventura. Eles não são nada importantes, mesmo que no conflito nuclear que pode estar a avizinhar-se, Ventura, a esposa e a substituta da coelha Acácia (RIP) venham a fazer parte do grupo VIP com direito a mudança para um dos bunkers NBQ (Nuclear, Biológico,Químico) que existem por esse mundo fora, para albergar os donos das nossas vidas, quando fugirem da hecatombe que eles próprios criaram.
Por isso, esta semana, no Dia do Pai, decidi escrever sobre algo completamente diferente, um cruzamento das minhas memórias de infância com eventos recentes.
No passado dia 9 de março, a minha filha mais nova, Júlia, fez treze aninhos. Tenho quatro filhos, amo-os a todos por igual, mas esta é a caçula, sou louco por ela, amo-a perdidamente. Adiante, isto é pessoal, façam de conta que não leram, já explico o resto.
Um dos cenários da minha infância foi a rua dos Canos Verdes; morei lá em duas casas diferentes, nos anos 60, que já não existem, foram substituídas por outros edifícios. E só isto já mexe com a gente, saber que algo que nos foi tão familiar e tão querido já só existe na nossa mente e em meia dúzia de fotografias. Fechando os olhos, vejo com os olhos da alma, mas com todo o detalhe, o interior da minha antiga casa da esquina da rua dos Canos Verdes com a rua da Rosa. Nessa época, fazia parte de uma tribo de miúdos dos Quatro Cantos (espaço territorial que, numa perspetiva alargada, ia do Alto das Covas à rua de Jesus e à Rocha, incluindo o Relvão, o cais da Figueirinha e o próprio Monte Brasil). Como é sabido, nesse tempo, não havendo as parafernálias tecnológicas do presente e nem sequer televisão (pelo menos até 1975 e aos meus 14 anos), brincávamos imenso na rua. Ao envelhecer, é inevitável sermos invadidos de vez em quando pelas saudades da nossa meninice. É um processo dolorosamente sublime. Uma das minhas recordações mais pungentes é a das longas, doces e cálidas noites de Verão, em que as famílias daquela zona se juntavam no miradouro da Rocha (junto ao atual pub “O Pirata”) e ficavam numa amena cavaqueira entre amigos e vizinhos, enquanto as crianças brincavam por ali, algo que se tornou tristemente incomum nos dias de hoje, em que as pessoas ficam em casa, agarradas ao Facebook ou à estupidificação da TV das novelas, Big Brother e concursos.
Dessa tribo dos Quatro Cantos, entre outros, sem ser nada exaustivo, faziam parte o meu irmão, Tomás (a viver em Paris), os irmãos Medeiros (Rui, Alberto, João), meus amigos de infância, o Quim, antigo jogador e treinador de futebol, pessoal da rua de Jesus como o João Luís da Zenite (que não larga a rua de Jesus), o Félix e o irmão António, o Peres carteiro (RIP), o João Paulo e outros, uns já desaparecidos, outros vivos e pela Terceira, outros emigrados ou ausentes em parte incerta. Circulávamos muito pelo Relvão e adjacências. Nessa época, o Relvão era apenas um monte de relva brava, uns atalhos e um campinho de terra batida (no atual campo de basquete) onde jogávamos à bola. Éramos muito criativos, tínhamos muitas brincadeiras diferentes. Uma delas era arranjar bons caixotes de papelão, desmontá-los e depois usá-los como uma espécie de trenó para descer vertiginosamente a encosta de relva do castelo, em frente à entrada principal do Relvão, sendo detidos apenas por uns arbustos que havia à beira da estrada. Havia trenós individuais e de duas ou mais pessoas.
Ora, há alguns anos, falei disto à Júlia. Ela nunca mais se esqueceu e dali para a frente, chagava-me frequentemente o juízo, para irmos escorregar na encosta. Nunca lhe disse que não, mas tinha sempre uma desculpa: não temos papelão adequado, a relva está muito húmida, tem de estar bem seca, a relva está muito alta, a relva está demasiado curta, dói-me a cabeça, choveu, está a chover ou vai chover. E nunca chegámos a ir escorregar na encosta. Agora, que Júlia já tem treze anos, é uma menina doce, que ainda pede ao papá para lhe ler uma historinha antes de dormir. Mas não voltou a falar dos papelões. Acho que é tarde demais. Frequentemente, adiamos as coisas boas que queremos fazer. E chega sempre um dia em que o tempo certo já passou. Então, é esta mensagem que vos deixo. Não adiem nada que queiram mesmo fazer (desde que seja pacífico e legal, claro). O tempo certo é hoje, é agora. Amanhã pode ser tarde demais. POPEYE9700@YAHOO.COM