BAGA CIDADANIA (BB158)
Outubro 23, 2024
Tarcísio Pacheco
BAGAS DE BELADONA (158)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA CIDADANIA – Não tenho dúvidas em afirmar que, a par do Português e da Matemática, a disciplina de Cidadania é das mais importantes do atual currículo escolar nacional. Como disciplina transversal a todo o percurso escolar, naturalmente com conteúdos e estratégias adequados a cada nível etário, acompanha o estudante desde o 1.º ciclo até ao final da sua formação obrigatória. É nesta disciplina que o estudante vai apreendendo conceitos que são fundamentais para desenvolver uma sociedade saudável e equilibrada. São conceitos e valores cada vez mais relevantes no turbulento mundo atual, em que forças sombrias trabalham ativamente para nos fazer retroceder centenas de anos, aos tempos da obscuridade intelectual, do fanatismo moral e religioso, da violência como instrumento de poder, da ignorância, da intolerância, da aversão primitiva e instintiva a tudo o que é diferente, do nacionalismo parolo.
A nossa atual disciplina de Cidadania apresenta um vasto currículo de temas, muito bem selecionados e estruturados que, claramente, pretendem transmitir importantes valores universais, num quadro de evolução social e de mentalidades, que se relacionam com a cultura democrática, a cidadania ativa, o pacifismo, a tolerância, a não discriminação, a aceitação da diferença e a importância de continuarmos a ser um regime e uma sociedade laicos, com clara separação entre religião e estado. Ninguém diria, há uns anos, que este último item necessitaria de ser mencionado ou incluído, mas, tendo em conta a proliferação de igrejas evangélicas radicais nos últimos anos, com um discurso bélico e agressivo e claras intenções de controlar a sociedade, através dos media e das ligações ao poder político, torna-se fundamental garantir a continuidade deste pilar das sociedades democráticas evoluídas.
Temos assistido nos últimos dias às declarações públicas de uma série de atores políticos do grupo no poder, do 1.º Ministro a outros ministros e deputados sobre a necessidade de rever os currículos escolares. Tem sido patético observar como eles se esforçam por fazer eco das posições do Chega, num piscar de olhos à extrema-direita que acreditam ser imprescindível para os seus objetivos políticos. Mas sem nunca particularizar e esclarecer o que deve ser alterado nos currículos escolares, acredito que, basicamente, por vergonha. Claro que todos percebemos o que é que incomoda tanto os Cheganos e, quando eles têm o microfone, não se coíbem de o dizer claramente, são as questões ligadas à educação sexual, sobretudo no que respeita à tolerância, à não discriminação, ao respeito pela diferença e, acima de tudo, à identidade de género, a questão que lhes faz mais confusão. É isso que lhes frita mais neurónios e como eles não têm muitos, esses fazem-lhes falta.
Ao contrário do que diz o Chega, eles não querem retirar da disciplina de Cidadania conteúdos de caráter ideológico e de fação (seja lá o que isso for…). Ou melhor, não querem simplesmente retirá-los, querem retirá-los e substituí-los por conteúdos da sua cartilha ideológica, que é, como todos sabem, de natureza pró-fascista, com base no número dos seus votantes e na “vontade das famílias” – conceito absolutamente discutível e nebuloso.
Vamos ser claros, o Chega é o inimigo na sociedade portuguesa atual. E não acredito que 1.250.000 portugueses sejam pró-fascistas. Acredito que alguns o sejam, inevitavelmente, e que outros se cheguem para o partido por oportunismo. É o conhecido fenómeno bola-de-neve, um partido cresce e atrai bandos de carreiristas e oportunistas ambiciosos. Acredito, isso sim, que muitos se tenham deixado seduzir pelo carisma pessoal do líder e ao seu discurso básico e demagógico. O exemplo histórico mais fácil, que todos conhecemos foi o de Adolfo Hitler, que nem sequer beneficiava de uma carinha laroca e ainda tinha um bigodinho ridículo. E todos sabemos como acabou. É absolutamente arrepiante perceber como é fácil seduzir multidões quando se tem o dom da palavra e o verbo fácil. É que a multidão é a forma de vida mais estúpida que existe neste planeta.
Entretanto, deixem lá a disciplina de Cidadania em paz. Está muito bem como está atualmente. Como pai de uma estudante de 13 anos (pai de mais 3, mas, no tempo dos outros era só a pobre Religião e Moral Católicas…) não quero que mudem nada na disciplina de Cidadania. Ou, por outra, pode-se mudar sempre, claro, mas para melhor, no sentido evolutivo, inclusivo, libertário e sim, vanguardista, por que raio é que este adjetivo se tornou repentinamente negativo?
Por fim, é fundamental lembrar que os regimes totalitários deste mundo não toleram nem admitem nos seus currículos escolares, uma disciplina como a de Cidadania. Falo especialmente da Rússia, todos sabemos o que por lá se anda a ensinar nas escolas, nacionalismo, autoridade absoluta do estado, militarismo e intolerância em todos os sentidos.
Por isso, se não quisermos ficar parecidos com a sociedade russa ou bielorussa, com a América profunda de Trump, com o Brasil de Bolsonaro, com a sociedade dos aitolás iranianos, temos de ser mais inteligentes. E cortar o que for preciso. Na Revolução Francesa foram cabeças. Senão, meus caros, ainda vamos voltar aos crucifixos e aos retratos dos governantes nas escolas…e aí eu teria, forçosamente, de entrar na clandestinidade e isso não me daria jeito nenhum hoje em dia, com a idade que já tenho e o barco ali na marina… POPEYE9700@YAHOO.COM