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popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

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Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS - CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte III)

Dezembro 29, 2009

Tarcísio Pacheco

 

imagem: http://colunas.gospelmais.com.br/casamento-gay-e-a-liberdade-religiosa_511.html

 

 

Este texto é o contraditório do artigo de Rodrigo Bento (RB) publicado no D.I. de 16 de Dezembro sobre os casamentos homossexuais, Parte II.

Sou heterossexual e os homossexuais da Terceira não me passaram procuração alguma. Todavia, tenho-me envolvido na discussão pública do casamento homossexual por considerar que, embora possa parecer marginal (o que é o casamento do Manel com o Xico à vista da recente calamidade na Agualva…), este é na realidade um assunto com uma enorme carga simbólica. O nosso país gosta de se arvorar em farol do mundo mas, com algumas notáveis excepções, de que é exemplo a abolição da escravatura em 1836, a sociedade portuguesa classificou-se sempre como pouco educada, inculta, ignorante, preconceituosa e avessa a novas ideias. Essa realidade só bem recentemente começou a mudar e de forma assaz lenta. Daí a importância das iniciativas legislativas agora implementadas, que podem contribuir para que o nosso país progrida, não apenas no plano material mas também ao nível intelectual e moral e deixe de se destacar no mundo apenas pelo deficit público, desemprego, falta de qualificação profissional, analfabetismo funcional, iliteracia, intolerância racial, conservadorismo, preguiça, desorganização, 100 soldados no Afeganistão, uma fragata na Somália e a participação nas fases finais dos europeus e mundiais de futebol.

Infelizmente, e lamento muito o que escrevo a seguir, o texto de RB inscreve-se nitidamente na área do fundamentalismo cristão. Num completamente improvável cenário de ficção “orwelliana”, se gente desta mandasse alguma coisa, poderíamos vir a ser algo como a República Cristã de Portugal. Se há dúvidas, basta fazer um pequeno exercício, substituindo duas simples palavras no texto de RB, “Deus” e “Bíblia” por “Alá” e “Corão”. “(…) Temos  que descobrir o que Alá pensa sobre o assunto [ homossexualismo]. Como fazê-lo ? Lendo o Corão. Ele é um livro actual que trata temas actuais (…)”. Isto soa a “dejá entendu” ? Pois claro, a mim também.

Todas as religiões têm os seus textos sagrados, de origem divina e transmissão mais ou menos nebulosa, todos igualmente respeitáveis. Confesso que não sou um estudioso da Bíblia mas tenho por esta obra o mesmo respeito que tenho por outros textos semelhantes. Contudo, respeito não significa cretinismo intelectual.  No tempo de razão iluminada que ora vivemos, não me parece possível uma pessoa inteligente e com um espírito crítico desenvolvido e independente, interpretar a Bíblia literalmente e menos ainda considerá-la “a palavra de Deus”. Hoje em dia, sabemos que a Bíblia é uma colecção  heterogénea de textos escritos ao longo de muitas centenas de anos por largas dezenas de pessoas diferentes. Esses textos, compreensivelmente, reflectem de forma clara, as condições sociais, morais e culturais das épocas e lugares em que foram produzidos.  Como se isto não fosse suficiente, por si só, os textos bíblicos são os seleccionados por uma organização de dominação universal como a Igreja Católica, que os proclamou os únicos verdadeiros, em detrimento de outros, que sabemos existirem ou terem existido mas cujo conteúdo poderia ser menos favorável aos desígnios daquela instituição, quiçá, contrariando dogmas fundamentais. Só mentes limitadas e fanatizadas, podem pensar em interpretar radicalmente a Bíblia e especialmente encará-la como a fonte legislativa principal de uma nação. Hoje em dia, isso só acontece nos regimes islâmicos, em comunidades de fundamentalistas bíblicos americanos e, claro, na cabeça de RB.

O que é realmente importante na Bíblia, como código universal de conduta moral, é os Dez Mandamentos e mesmo assim, o texto bíblico original carece de reflexão e adaptação à actualidade, porque, seja qual for a sua proveniência e pese embora a sua universalidade e intemporalidade, percebe-se perfeitamente que foi escrito para a humanidade do tempo de Moisés. Contudo, dificilmente se poderá negar que, se a maior parte das pessoas seguisse os Dez Mandamentos na sua essência mais profunda, o mundo seria bem melhor, com muito menos maldade, orgulho, ambição, inveja, malícia, cobiça e egoísmo.

As pessoas têm de entender e aceitar que o laicismo dos estados modernos é uma conquista fundamental da humanidade e veio para ficar. No mundo civilizado acabaram-se as religiões oficiais. Não acabaram as religiões nem é desejável que acabem, todas elas são importantes e, cada uma a seu modo, prestam o seu contributo na tentativa de explicação da vida, da origem e destino da humanidade e na divulgação e implementação de códigos morais. Católicos, protestantes, evangélicos, muçulmanos, budistas, espíritas, todos nos trazem mensagens importantes e válidas. Mas é fundamental que todas as religiões possam transmitir as suas mensagens num clima de liberdade, abertura e tolerância, atraindo quem tiverem de atrair, sem que nenhuma procure sobrepor-se a outra, clamando ser a única detentora da Verdade. E acima de tudo, devem estar completamente separadas do Estado. Essa é uma das vias mais importantes para acabar com o fanatismo islâmico.

Não era minha intenção escrever um artigo sobre religião mas a verdade é que a maior parte  do texto de RB é sobre religião e procura mostrar que Deus condena o homossexualismo, que isso está na Bíblia e que o país, em vez de rever a sua Constituição, deveria apenas substituí-la pelo códice sagrado dos Cristãos. Para mim, qualquer condenação do homossexualismo na Bíblia, seja em que termos for, tem uma validade relativa porque significa apenas o que alguém pensava sobre o assunto naquela época.

Na verdade, fora do âmbito restrito da fé míope, ninguém sabe sequer se Deus existe, quanto mais o que Ele pensa seja sobre o que for. Humildemente, acredito que, se houver alguma coisa para descobrir sobre Deus e a vida, haveremos de o saber por ocasião da nossa morte, momento em que se nos cerrarão os olhos para a paz do nada ou se abrirão para alguma luz reveladora. Até lá devemos, simplesmente, aproveitar a vida e portarmo-nos o melhor possível para com os nossos semelhantes e para com os animais e a natureza. Já é uma razoável concessão aceitar que os Dez Mandamentos possam ter uma eventual origem divina. Mesmo assim,  nenhum dos mandamentos diz que “ o homem não sodomizará o seu amigo” ou que “a mulher não procurará o êxtase com a sua amiga”. Na falta de qualquer indicação de que Deus se tenha preocupado com detalhes tão insignificantes, ainda vou elegendo como referência o famoso “Amai-vos uns aos outros” e por isso… vale tudo, desde que seja feito com amor. Não sei mesmo se Deus, na sua infinita sabedoria, não estaria precisamente a pensar nos homossexuais quando ditou este mandamento, nas mais improváveis formas de amor, já que, amar no cio, é bastante mais fácil e de somenos valor.

Embora ideias como a de RB possam ser socialmente alarmantes, no fundo podemos ficar descansados. Apesar das  toscas relações que ele estabelece entre  homossexualidade e  homicídio, estupro, abuso infantil, tortura e alcoolismo, na verdade trata-se de uma doença como outra qualquer e pode ser tratada pela medicina. Pode mesmo conseguir-se a cura espontânea através de um sistema de auto-repressão, de preferência desde a infância. É capaz de ser um bom uso para cilícios e disciplinas, à venda em lojas da especialidade. Sosseguemos pois, no fundo RB não condena a homossexualidade. Pode ser gay à vontade, quem teve o grande azar de nascer assim. Não pode é casar, nem ser activo. Ou passivo, já agora. Popeye9700@yahoo.com

 

CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS - CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte II)

Dezembro 20, 2009

Tarcísio Pacheco

imagem: http://blog.jovempan.uol.com.br/entreeles/cartunista-publica-desenho-de-jesus-em-relacao-homossexual-com-freddie-mercury-bapho/

 

 

Este é ainda o contraditório relativamente à Parte I do artigo de Rodrigo Bento (RB) sobre casamentos homossexuais, publicado no D.I. de 28 de Novembro. A sua Parte II, publicada no D.I. de 16 de Dezembro, de carácter essencialmente teológico, suscita-me outro tipo de comentários, a publicar oportunamente.

Pouco interessa saber qual é a percentagem de homossexuais em Portugal e na Terceira. O que é certo é que se trata de uma minoria, cujos direitos sociais devemos proteger. Qualquer tentativa de rotulagem e quantificação esbarrará sempre na extrema dificuldade de definir o próprio conceito de “homossexual”, que é relativamente fluído. E para efeitos legislativos, o que interessa é se as pessoas querem casar com alguém do mesmo sexo. Se querem, serão homossexuais com certeza. Outros são bissexuais, a maioria é heterossexual e continuaremos todos a viver debaixo do mesmo sol. De qualquer modo, é bom que RB refresque os seus conhecimentos de Estatística e se informe sobre o princípio da proporcionalidade.

O que eu espero dos comportamentos amorosos públicos é que eles sejam efusivos e abundantes, obedecendo apenas aos limites do bom senso e do respeito pelos outros. Um povo que se ama e demonstra isso em público,  é com certeza um povo feliz. O amor é lindo e não tem fronteiras, não tem de obedecer a convenções sociais nem à “moral, cultura e tradição” de uma comunidade, até porque tudo isso faz parte de um sistema mutável. Se a minha filha de 11 anos reparar que dois homens ou duas mulheres estão de mãos dadas ou a beijar-se em público, dir-lhe-ei apenas que, com certeza eles se amam e que é provável que Deus, se existe, esteja feliz com o amor deles. Isso porque sempre lhe ensinei que deve ser aberta e tolerante perante a diferença, embora respeitando os valores morais universais em que acredito, porque, evidentemente, acredito em alguma coisa. Do mesmo modo, não teria o menor problema em deixar qualquer dos meus filhos dormir em casa de um amigo adoptado por um casal homossexual. A minha preocupação seria idêntica ao caso mais comum de um casal heterossexual, preocupar-me-ia exclusivamente com o ambiente naquela casa e com a idoneidade daquele casal. Avaliar  os bons sentimentos, a educação, a cultura, o nível moral e o bom senso de um casal apenas pelo prisma da sua preferência sexual, revela um triste e deprimente preconceito e mais nada.

As aulas de educação sexual em Portugal são um assunto anedótico e revelam bem o preconceito, o atraso e a estreiteza intelectual da sociedade portuguesa. Fui professor há mais de 20 anos e já na altura, esse era um tema em discussão. Pois bem, passaram 20 anos e o tema continua em discussão, enquanto gerações inteiras de raparigas engravidam precocemente e gerações inteiras de rapazes desconhecem o essencial sobre o orgasmo feminino. O impulso sexual é fundamental e muito forte, logo a educação sexual devia começar desde o jardim de infância, naturalmente de forma adequada a cada nível etário e acompanhar o estudante até ao fim do seu percurso escolar. As aulas de educação sexual nas escolas, com um programa aberto e tolerante, não farão de ninguém um homossexual, porque isso, em larga medida, nasce com a pessoa. Mas de certeza absoluta, terão dois efeitos muito importantes: permitirão que a criança com tendência homossexual se desenvolva de forma estável e equilibrada, sem se sentir diferente pela negativa e sem ser rotulada, descriminada e reprimida; farão com que a sociedade em geral, nomeadamente a heterossexual, aprenda a conviver naturalmente com a diferença e a valorizar as pessoas pelas suas qualidades intelectuais e morais, em detrimento das suas preferências sexuais. A homossexualidade não é “um estilo de vida”, é apenas a designação de uma orientação sexual. Um “estilo de vida” é definido por múltiplas variáveis: personalidade, carácter, valores, educação, preferências, talentos, profissão, hobbies, vícios, etc.

Se o treinador do meu filho for gay, só espero que ele não misture o trabalho com questões pessoais e sobretudo que não seja pedófilo, já que considero a pedofilia, essa sim, uma hedionda perversão ou uma grave doença. Se o meu filho tiver beneficiado de uma boa educação sexual, na escola e em casa, vai estar apenas sujeito aos riscos inerentes ao facto de estar vivo e de viver em sociedade. Estará preparado para lidar com qualquer proposta de índole sexual. Como pai, estando de consciência tranquila, em termos de educação, só posso desejar que o meu filho tenha experiências sexuais satisfatórias, adequadas à sua idade e nível de desenvolvimento e que o ajudem a crescer e a ser feliz. Isso não terá nunca nada a ver com orientação sexual porque, se tivesse um filho gay, o amaria exactamente do mesmo modo. O problema de RB é misturar no mesmo saco coisas tão díspares como homossexualismo, incesto e pedofilia, o que revela ou malícia ou ignorância.

RB e toda a gente que pensa como ele, necessitam de estudar um pouco, olhar para a história da humanidade e tentar aprender alguma coisa. RB clama que há 25 anos atrás ninguém aprovaria o aborto ou o casamento homossexual. Com certeza que não, as mudanças acontecem quando a sociedade amadureceu o suficiente para ser capaz de olhar criticamente para os seus conceitos, regras e normas e admitir, no mínimo, a sua discussão. Com certeza que, hoje em dia, não passa pela cabeça de RB, defender que as mulheres devem ficar em casa, não trabalhar nem votar. Mas era isso precisamente o que acontecia na Europa há 100 anos atrás e a emancipação feminina não aconteceu de um dia para o outro. Foi preciso muitos anos de luta para que as mulheres tivessem exactamente os mesmos direitos que os homens perante a lei. E isso é um processo em curso, uma vez que ainda assistimos a muitas situações de discriminação das mulheres. Ainda recentemente, um tonto de um almirante qualquer veio dizer em público que as mulheres são demasiado emotivas para entrar em combate… As mentalidades não mudam com as alterações legislativas, mudam com a evolução cultural de um povo, num processo lento. Eu sei que os homossexuais vão mesmo poder casar-se em Portugal, em breve. Mas a intolerância, a discriminação e a repressão vão continuar por muitos anos, pela simples razão de que continuarão a existir pessoas como RB por muito tempo ainda.

Nenhuma sociedade vive sem regras e valores. As sociedades evoluem em todos os planos, material, intelectual, moral e religioso. Não me parece que o que esteja em causa hoje em dia seja os valores básicos do Cristianismo. Na verdade, pouco sabemos sobre Jesus de Nazaré mas quase toda a gente concorda que foi alguém excepcional. E ninguém defende, como filosofia de vida, que se deva “matar pessoas” ou “desrespeitar pai e mãe”. Há valores que são unanimemente aceites no mundo evoluído. Na verdade, o que está em crise profunda e irreversível é a Igreja Católica. Isto devido aos seus inúmeros crimes e porque com o conhecimento que acumulámos e com o actual desenvolvimento intelectual, a maior parte das pessoas já não aceita explicações do tipo dogmático. Também cada vez se torna mais claro que a Igreja de Roma é sobretudo uma organização de poder, concebida e desenvolvida para dominar o mundo, o mais das vezes através da violência e aproveitando-se da ignorância. Talvez a minha crença mais profunda é que, Deus, se existe, não tem nada a ver com a Igreja Católica.

Na actualidade, as sociedades do mundo civilizado estão, nitidamente, em plena evolução. Há imensas coisas que não estão bem, já todos percebemos que o processo evolutivo do Homem é lento e penoso. Mas alguns dos aspectos mais positivos têm a ver precisamente com a alteração de mentalidades, com a abertura de espírito e a aceitação da diferença. Com o facto, por exemplo, de se aceitar a homossexualidade como algo natural e comum na espécie humana, nem bom nem mau, apenas mais uma das nossas características.

Eu sei que RB não me vai entender mas é muito provável que os Portugueses precisem de deixar de considerar a homossexualidade uma doença, para começarem a ter melhores salários, melhor saúde, menos corrupção, etc. Porque isso significaria que teríamos mudado de forma relevante. O país que temos tem a tudo a ver com quem nós somos.

No texto de RB, para além de uma mal disfarçada homofobia, chamou-me a atenção uma citação de Martin Luther King. Este homem superior, activista de direitos humanos, lutou e morreu pela causa da oposição à segregação racial.  Provavelmente, RB não entende que, postas as coisas em perspectiva, se ele tivesse vivido no tempo de MLK, teria pertencido ao grupo de brancos racistas contra quem ele lutava, ao grupo dos “perversos” porque, ser racista no sul dos EUA naquele período, era o que estava de acordo com a “moral, tradição e cultura” da sociedade de brancos.

Para terminar esta “Parte II”, lembro que RB afirma não ter nada contra os homossexuais e que até tem um amigo com essa “doença”. Isso tranquiliza-me bastante, imaginem se tivesse algo contra eles. Podia ser uma coisa muito feia. Mesmo assim, não consigo deixar de ter pena do amigo homossexual dele. Não estará na altura deste rever as suas amizades? É provável que este artigo tenha continuação. POPEYE9700@YAHOO.COM

CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS - CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte I)

Dezembro 10, 2009

Tarcísio Pacheco

 

 

imagem: http://casamentoo.webnode.com.pt/casamento-homossexual/

 

Enquanto aguardo ansiosamente as novas revelações de  Rodrigo Bento (RB) sobre a vontade de Deus e a parte II do sua Carta aos Terceirenses Sobre os Pecados Contra a Natureza, em texto publicado no D.I. de 28 de Novembro, eu que, humildemente,  só falo por mim, também tenho qualquer coisinha para  escrever sobre o assunto.

O texto de RB é cheio de inexactidões, efabulações e falácias, próprias de quem constrói um discurso para justificar preconceitos e perspectivas muito pessoais, apresentados como verdades absolutas. Se RB se limitasse a transmitir-nos a sua opinião sobre o assunto, eu discordaria, naturalmente,  e mais nada. Mas RB remonta a Adão e Eva e coloca do seu lado gente grada como o apóstolo Paulo, psiquiatras brasileiros, a insuspeita  Internet e o próprio Deus. Bom, com gente tão fina, isto vai dar-me trabalho…Aliás, RB será com toda a certeza alguém muito bem relacionado na esfera celeste porque parece ter perfeito conhecimento do que Deus pensa e quer. Eu até acredito em Deus mas a verdade é que, tanto quanto sabemos, Deus nunca assinou qualquer publicação, nem sequer a Bíblia, nunca aceitou ser entrevistado na TV nem tem blog na Internet. Tudo o que sabemos sobre Deus e o seu plano divino é o que Ele terá inspirado em noites de evangélica insónia, soprado ao ouvido ou dito em sonhos a meia dúzia de iluminados há uns milhares de anos atrás. Na verdade todas as revelações evangélicas são do género  “Noutro dia Deus disse-me  que…”. Aparentemente, RB é uma dessas criaturas, por isso devemos aguardar novas revelações, esgotados que estão os famosos segredos de Fátima. Enquanto elas não chegam, vamos então debruçar-nos sobre as presentes.

Não sei que dicionários RB anda a consultar mas parece-me que tem andado a revirar na biblioteca do avô dele. Os dicionários de português são obras que atribuem significados a todas as palavras do léxico nacional. Este imenso trabalho é feito por pessoas, normalmente intelectuais convidados, de todos os quadrantes do saber. Naturalmente, os dicionários reflectem o saber e a mentalidade da época em que foram organizados. É por essa simples razão e porque uma língua é uma entidade viva que nunca cessa de evoluir, que a mais elementar inteligência aconselha a usar sempre dicionários recentes e actualizados. Realmente é possível encontrar definições de “homossexual” como “pessoa que pratica actos contra a natureza” em alguns dicionários, sobretudo em obras antigas ou clássicas em que há sucessivas reedições sem haver, muitas vezes, o cuidado de rever conceitos à luz do desenvolvimento intelectual, cultural, social e moral da sociedade. No entanto, pela sua natureza flexível, os dicionários online (disponíveis na Internet), são as obras deste género mais actualizadas porque esse processo de actualização é permanente e contínuo. Ora, uma simples busca em insuspeitos dicionários de português online dá-nos, por norma, uma definição de “homossexual” como “pessoa que pratica actos sexuais com pessoas do mesmo sexo”. E mais nada, obviamente, hoje em dia, nenhum dicionário sério apresenta significados contendo valorações morais como a que imediatamente se infere da expressão “actos contra a natureza”. Por outro lado, todos os dicionários de português referem “casamento” como “união legítima entre pessoas do sexo oposto” e não poderia ser diferente, já que, por enquanto, essa é a única possibilidade legalmente admitida no nosso país. Referi-lo, por conseguinte, é um exercício de redundância. Acredito que em breve isso vá mudar e, secretamente, espero ser convidado para o primeiro casamento na ilha Terceira entre pessoas do mesmo sexo. Aceitarei com todo o gosto.

Agora o que é aborrecido, senão mesmo revoltante, é esta mania que a sociedade tem de “suavizar as coisas”. Estávamos tão bem, chamando “perverso maricas” ao nosso vizinho do lado, que gosta de flores e “macha fêmea perversa” à moça do café da esquina, que só veste calças com braguilha e agora temos de os chamar de “pessoas com orientação sexual diferente”. Onde é que já se viu, isso não dá jeito nenhum como insulto, a seguir, se calhar, vão querer que os respeitemos, não?!

O que não vale mesmo a pena é entrar aqui na polémica criacionistas versus evolucionistas. O Jardim do Éden, Adão e Eva, tudo isso é uma novela deliciosa, se bem que nitidamente escrita por um homem (mulher é volúpia e sedução, homem é inocência e vítima; homem é obra-prima, mulher é complemento…). Mas é uma questão de fé, visto que nenhuma evidência científica, até agora, traz qualquer credibilidade a essa história. E fé é algo respeitável e que não se discute. Todavia, o mundo nunca mais foi o mesmo depois de Darwin, simplesmente porque a teoria que ele tão brilhantemente enunciou faz sentido, é lógica, racional e é apoiada pela observação científica. Isto, nenhum crente pode negar. De qualquer modo, quer isto tenha começado com Adão e Eva, quer tenha sido com um par de seres unicelulares tão entretidos no caldo primitivo como um par de cowboys na montanha de Brokeback, a verdade é que, em termos de Natureza, o principal propósito do sexo é fazer bebés. Se ficássemos só por aqui, eu já podia ir beber umas cervejas com RB. O problema é que temos a obrigação intelectual de não ficar por aqui. É preciso ter uma perspectiva mais superior da Humanidade em evolução. Já fomos seres peludos e bestiais metidos em cavernas, já fomos seres belicosos envolvidos em guerras por desporto, já matámos cruelmente por questões de fé. Do mesmo modo, já acreditámos que a única finalidade do sexo era a procriação. Manuela Ferreira Leite e RB ainda acreditam nisso e nesse aspecto, ainda vivem na Idade Média. Mas agora somos os seres mais inteligentes do planeta e até já fomos à Lua. A humanidade já está noutra onda. Levou muito tempo e foi à custa de muito sofrimento mas hoje, no mundo intelectualmente evoluído, sexo não é procriação, doa a quem doer. Já ninguém faz sexo para procriar. Sexo pode resumir-se a duas coisas: na sua forma mais sublime, é a expressão física do amor que une duas criaturas, podendo ou não resultar em procriação; na sua forma mais básica e instintiva é prazer somente e satisfação dos sentidos. Neste caso não convém nada que resulte em procriação. O único sentido moral que o sexo deve ter é a garantia de que acontece entre pessoas adultas ou, no mínimo, sexualmente maduras, em total liberdade, sem qualquer tipo de coacção e mentalmente sãs.

Ora, não estando o sexo relacionado com procriação, carece de sentido qualquer restrição moral e legal ao sexo homossexual. Se duas pessoas se amam, porque não hão-de usar o corpo que lhes foi dado para demonstrar e viver esse amor? Ou se duas pessoas sentem atracção física uma pela outra, sendo adultas ou pelo menos sexualmente maduras e mentalmente sãs, porque não hão-de proporcionar-se prazer mutuamente? E se por acaso o amor os impelir a partilhar a vida, estando dispostos a aceitar os deveres morais, sociais e jurídicos inerentes à instituição do casamento, porque não haverão de casar? Isto no fundo é simples, embora não tão simples ao ponto de nos podermos virar para o nosso filho adolescente que só brinca com as bonecas da irmã e dizer-lhe “ ó filho, olha que as uvas não nascem nas macieiras, por isso põe-te fino!”.

Na realidade, por mais que eu pense no assunto, chego sempre à mesma evidente conclusão: Ele quis que fosse assim!  Negá-lo pode ser até heresia e blasfémia…Pois se Ele é quem fez tudo, é que nos fez assim, sujeitos à constante tentação das delícias do sexo. Acredito que se o sexo fosse apenas para procriação, seria muito mais prático e cómodo tê-lo concebido como algo monótono, apenas a primeira e brevíssima etapa do processo de reprodução. Assim, seriam eliminados tantos “pecados”, a luxúria, o adultério, o “swing” e claro, os pecados “contra a natureza” posto que a natureza seria frígida. Seria algo assim: “Querido, vamos lá fazer o maninho do Fábio Miguel, está na hora certa” – “O quê, agora??!! Mas está na hora do futebol!” – “Anda lá filho, é só um instantinho, deixas a TV ligada e já vens ver o Benfica, anda lá filho, é muito aborrecido mas tem de ser …”

Podia ser assim mas é bem diferente… Quem nos concebeu, fez o sexo como ele é, libidinoso, quente, húmido, túrgido, irresistível, à base de uma frenética atracção fatal entre proeminências e reentrâncias, que nos transtorna os sentidos, nos turba a razão, nos deixa loucos e nos transporta às estrelas, lá está, mais perto Dele…E a culpa é nossa?

Numa coisa estou de acordo com RB, a homossexualidade não é uma coisa dos nossos dias. Tão longe até onde chegam os nossos conhecimentos sobre a história dos homens, encontramos comportamentos homossexuais. Nalgumas culturas, eles foram mesmo encarados com bastante naturalidade. Ou seja, a homossexualidade é, de uma forma geral, algo constante e natural na espécie humana. Não é, por conseguinte, nenhuma “perversão” dos tempos modernos. Também não é uma doença nem manifestação de “uma personalidade doente” como pretende o psiquiatra brasileiro de RB. Há muitos milhares de psiquiatras no mundo e o menos que falta é outros que pensam o contrário. Eu podia perfeitamente citar testemunhos opostos mas considero isso um exercício inútil, uma vez que não prova nada, apenas que há opiniões diferentes. Todos nós conhecemos homossexuais que são perfeitamente equilibrados em termos sociais, levando vidas  vulgares, desempenhando com competência as mais diversas profissões. Simplesmente sentem-se fisicamente atraídos por pessoas do mesmo sexo. E neste capítulo há casos muito diversos, a respeito de alguns dos quais me parece poder-se falar, não exactamente de doença mas de um provável erro da natureza. Refiro-me, por exemplo, aos fascinantes casos das pessoas que nascem com a morfologia externa de um sexo e a psique de outro e a todos os casos de hermafroditismo. Todos esses casos podem, hoje, ser corrigidos pela medicina, cabendo sempre a palavra final à vontade da pessoa em questão. Mas dentro da homossexualidade comum, o que é doentio é a negação, a não aceitação, a discriminação  e a repressão por parte da família, dos amigos e da sociedade. Felizmente, o mundo já evoluiu muito e perspectivas como a de RB vão sendo cada vez mais raras. Pois se homossexualismo é doença, no mundo de RB haveria com certeza uma nova especialidade médica, para  tratar a mariquice, com comprimidos, injecções, pesquisa de traumas de infância ou até, quem sabe, choques eléctricos. Este texto terá continuação. POPEYE9700@YAHOO.COM

 

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