BAGA DO DESCONFINAMENTO (BB 109)
Maio 21, 2020
Tarcísio Pacheco
imagem em: https://www.correiodamadeira.com/2020/04/covid-19-plano-de-desconfinamento.html
BAGAS DE BELADONA (109)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA DO DESCONFINAMENTO - Respondendo a uma dúvida que tem surgido no seio do povo de Deus, o confinamento católico é obrigatório porque provém da autoridade, que nos ama a todos paternalmente, mas, do ponto de vista teológico, não é sagrado, indissolúvel e, muito menos, eterno. Por isso, ide e desconfinai. Porém, tomai cautela e procedei com os devidos cuidados ou sentireis na carne o custo da prevaricação. Bom, isto foi apenas um recado, que o senhor Bispo me pediu para passar na minha crónica porque o povo não se pode ajuntar nas igrejas nem fazer procissões. Está feito.
Tenho-me deliciado a percorrer a ilha, assistindo ao espetáculo do povo a desconfinar. Especialmente, hoje, domingo, um dia bonito, em que a pessoa acorda, olha para a janela e pensa que o que está mesmo a apetecer é sair de casa e desconfinar por aí. A Primavera é mesmo a estação ideal para atividades desconfinatórias. Pessoalmente, eu, que nunca havia sido confinado antes, sinto que estou a viver uma experiência única num período histórico. É que ficamos sem saber exatamente como desconfinar. É certo que há regras, mas não há propriamente um manual de desconfinamento e somos assaltados por muitas dúvidas. Afinal, desconfinar é um processo complexo que envolve estratégia, planeamento e uma fita métrica. Que será, muito provavelmente, chinesa. O que faz algum sentido, completa o círculo e prenuncia os próximos anos da Humanidade. Prosseguindo, em termos de desconfinamento, por vezes é preciso improvisar. E depois, cada um tem o seu jeito de desconfinar. E, como sempre, há uns que têm mais jeito que outros. Por outro lado, fazem-se descobertas sociologicamente interessantíssimas. Por exemplo, apercebi-me que os grupos de bêbados já desconfinavam antes. Eles é que não sabiam. Tenho-os vistos sentados em frente aos cafés favoritos deles, enfim reabertos, em pequenos grupos, cumprindo civicamente as normas de distanciamento social (é mais ou menos uma caixa de cerveja entre conversantes e duas entre grupos) com uma cerveja aberta a amornar na mão; vi um grupo desses em S. Mateus, todos a desconfinar ativamente, em frente ao café, sentados junto de um recipiente para lixo e a enviar garrafas vazias de cerveja para baixo, para o relvado do lindo passeio marítimo da freguesia. Ora, isso era o que eles já faziam dantes. Chamava-se ajavardar, mas agora sei que afinal já era desconfinar. A conclusão é que cada um desconfina de acordo com a sua índole. No entanto, verdade se diga, os bêbados têm bebido sempre de máscara. Podem usá-la ao pescoço, como se fosse um adereço de moda, em estado de prontidão operacional. Ou apenas sobre a boca porque o nariz faz muita falta na respiração. Mas está lá. E, espelhando a criatividade que o desconfinamento suscita, começam a aparecer máscaras de todas as cores, com bonecos Disney para os putos, cinzentas para usar com fato de político, vermelhas para adeptos do Benfica e comunistas, rosinhas para o Manel Goucha. Pequenos negócios florescem no Facebook e as costureirinhas da ilha, à míngua de encomendas para as marchas de S. João, dedicam-se por inteiro à produção de máscaras. Já apareceram também tutoriais de “faça você mesmo a sua máscara”. Muito provavelmente, neste Verão, a Coca-Cola oferecerá uma máscara com cada latinha.
No Continente, com as zonas balneares ainda fechadas oficialmente, o tempo quente a apelar ao desconfinamento e os cavalos da GNR a patrulharem as praias, os Portugueses recorreram a estratégias muito próprias do espertismo nacional. É só aparecer por lá, com ar de quem vai fazer outra coisa qualquer que não seja fazer praia. Porque, pelo que vi, aparentemente, é possível fazer imensas coisas nas praias, exceto fazer praia. Por isso, o povo vai ficando por ali, com um ar falsamente distraído e quando a bófia está a olhar para o outro lado, pimba, o povo faz praia. Por cá, vi um amigo voltar de uma caçada submarina com uma bela abrótea que, para azar dela e por andar provavelmente mal-informada, estava ainda confinada à sua toca.
Entretanto, a Oeste, contrariando Erich Maria Remarque, há sempre algo de novo, no mau sentido da ideia, claro. Agora, o sapo cor de laranja, enquanto vagueia no seu ambiente natural, o pântano da economia eleiçoeira, para apanhar os bichinhos rastejantes de que se alimenta, salpica o mundo com a sua baba tóxica; antes era a China, como se alguém tivesse culpado a Espanha pela Gripe Espanhola, muito mais mortífera; agora, como o argumento enfraqueceu e os Chineses até já aprenderam a fazer humor, inventou o Obama Crime; segundo o sapo, o crime político mais grave da história dos EUA; inquirido publicamente sobre tão grande crime, respondeu que um crime é um crime, toda a gente sabe o que é. O meu conselho ao povo americano é que confinem Trump na penthouse da Torre Trump, com uma televisão gigante com dois canais apenas, a Fox News e o Playboy e uma provisão para vários anos de hot-dogs e Coca-cola light. Vão ver que as coisas melhoram. O desconfinamento não é adequado para toda a gente. Mais a sul, o aprendiz de ditador que não sabe sambar, embora não seja coveiro, enterra-se mais e mais, dia a dia. Para esse e para o povo brasileiro, o mais adequado seria o confinamento em estrutura especial, de forma trapezoidal, em madeira exótica, com uns 2 metros de comprimento por 80 cm de largura. Não, não é essa coisa macabra em que estão a pensar. Trata-se apenas de uma “unidade especial de confinamento não reversível”. Para casos difíceis.
Se pareço demasiado radical, saibam que não é comunismo nem nenhuma patologia psiquiátrica. É apenas esta atmosfera geral de desconfinamento, esta energia que anda no ar e nos torna mais ativos, criativos, dinâmicos e sensíveis. É uma espécie de febre dos fenos, quase como um vírus, embora, provavelmente, eu devesse usar outro termo de comparação. popeye9700@yahoo.com