DEMOCRACIA DIRETA E ABSTENÇÃO
Novembro 10, 2016
Tarcísio Pacheco
Imagem: https://movv.org/2013/04/23/cinco-desvantagens-da-democracia-direta-e-das-formas-de-as-resolver/
DEMOCRACIA DIRETA E ABSTENÇÃO
HELIODORO TARCÍSIO
Este ainda é um assunto do momento. Em consequência do resultado das recentes eleições regionais, temos agora um parlamento regional que foi eleito por uma minoria de Açorianos. O maior partido da oposição assenta numa minoria ainda mais reduzida. Os maiores partidos do “arco da governação” perderam votos. A abstenção ficou próxima dos 60%. O “novo” governo regional tem pouco ou nada de novo. Não se prevê qualquer alteração às políticas que têm sido seguidas. Do ponto de vista estritamente legal, nada se pode dizer. A configuração do nosso sistema eleitoral, assente na CRP, assim o garante. Do ponto de vista civilizacional, democrático e ético, este é um cenário medíocre.
Há muito tempo que defendo uma reforma profunda do sistema, com a implementação progressiva de processos de democracia direta, utilizando os seus mecanismos mais comuns, como a iniciativa popular, o plebiscito e o referendo. Estou perfeitamente a par da discussão universal sobre os problemas de aplicação de um sistema de democracia direta a um macro nível. Por um lado, é por isso mesmo que me parece ser mais fácil de aplicar em sociedades como a açoriana. De macro não temos nada, só a beleza. Por outro lado, ser difícil não significa ser impossível. Há muita gente a discutir este tema pelo mundo fora. E não é por acaso que têm surgido propostas para sistemas híbridos ou mistos a que se vai chamando democracia semidireta. Eu chamei-lhe democracia direta E representativa, exactamente por ser mista. Já vão aparecendo partidos, sempre pequenos, que apresentam, nos seus programas, propostas nesta área.
Para criar mudanças profundas no sistema, teríamos de alterar a CRP e o nosso sistema eleitoral. Da parte dos grandes partidos, nomeadamente PS/PSD/PP, do tenebroso “bloco central”, se quisermos, nada há a esperar. Jamais o farão. Eles estão instalados na situação, têm o poder blindado desde o 25 de Abril e foram criando uma rede de promiscuidade e cumplicidades com que, na prática, mantêm a população em estado de subdesenvolvimento, com salários baixíssimos e submetida aos interesses do capitalismo neoliberal, de poderosos grupos internacionais, de cartéis das finanças, das grandes empresas, dos banqueiros, das quadrilhas de colarinho branco que fingem trabalhar enquanto vivem do trabalho da maioria. Para isso, contam com o perfil do povo português, ainda muito imaturo, iliterato, inculto, ignorante, mal informado e facilmente manipulável. Para isso muito contribui também a falsa informação dos órgãos de comunicação social que, em larga medida, estão conluiados com o status quo ou, até mesmo, lhe pertencem.
Sendo praticamente impossível que o sistema mude ou se reforme a si próprio, teriam de ser as pessoas que não pertencem ao sistema a fazê-lo. Para isso, só vejo três meios:
1 – Uma revolução, eventualmente sangrenta, pela força das armas. Claro que ninguém quer nada disto. Todos queremos paz e amor. Adiante.
2 – Aquela que seria, provavelmente, a melhor solução, o aparecimento e rápido crescimento de pequenos partidos diferentes, alternativos, nomeadamente os que, exactamente por não terem interesses próprios e não almejarem o poder, apresentam nos seus programas, propostas no âmbito da democracia direta. Neste capítulo, os portugueses são quase completamente fechados e insistem em colocar sempre os mesmos no poder. Nos Açores, ainda é pior. Estamos a grande distância da sociedade islandesa, por exemplo, que se envolve profundamente na vida do seu país e provoca mudanças radicais e profundas. Ainda recentemente, a 29 de Outubro, o Partido dos Piratas, um pequeno partido islandês, alternativo e com propostas de democracia direta, passou de 3 para 10 deputados e foram eleitas 30 mulheres em 63 representantes. Se aparecesse um Partido dos Piratas nos Açores (esta é uma família política, principalmente nórdica), iam rir-se deles e nunca os levariam a sério. Eu ponderaria votar se visse algum sinal deste tipo de lucidez e inteligência em Portugal. Talvez o faça, nas próximas eleições legislativas nacionais porque já há propostas minimamente interessantes neste domínio. Quanto aos Açores, continuamos na Pré-História.
3 – Finalmente, a abstenção. Eu sei que não faz sentido encarar a abstenção como uma arma política. São cartuchos de pólvora seca. O nosso sistema eleitoral beneficia os grandes partidos e os que têm assento parlamentar. Não promove uma sociedade pluralista e diferenciada. Não é por acaso que os grandes partidos quase não falam na abstenção. Não lhes convêm. Assobiam para o ar, olham para o lado, saem-se com umas tiradas hipócritas e esquecem o assunto, por 4 anos. Pura hipocrisia. Também não lhes convém atualizar os cadernos eleitorais. Mas a abstenção não é, necessariamente, uma atitude estúpida, como alguns pretendem fazer crer. A menos que traduza vácuo mental. Embora votar no PS ou PSD seja, muitas vezes, o verdadeiro vácuo mental. Se a abstenção nunca parar de crescer, o sistema vai implodir um dia. O descaramento e a falta de vergonha também hão-de ter limites. Perante a lei, tudo parece bem. Lá vão eles, cantando e rindo, para mais 4 anos. Mas é uma realidade maquilhada. Uma besta com batom e rímel. Um mar morto. Águas calmas à superfície mas vida nenhuma lá em baixo. Claro que por detrás de tudo isto, está a pobre natureza humana. Não tenhamos demasiadas ilusões. Uma besta como Trump pode vir a ser o homem mais poderoso do mundo e com a vida de todos nós nas mãos. Isso diz tudo.
Tenho-me abstido. Posso vir a votar um dia. Por enquanto, vou escrevendo. É também uma forma legítima de intervenção social.
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