BAGAS DE BELADONA (53)
Setembro 20, 2018
Tarcísio Pacheco
BAGAS DE BELADONA (53)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA VAMOS VENDER ISTO TUDO A TIPOS COMO O TRUMP? - Há coisas na vida de que me arrependo e outras de que me envergonho. Se calhar é um pouco assim com todos nós. Mas também há coisas de que me orgulho. E uma delas é nunca ter posto os meus pés num resort turístico nem tencionar pôr. E a questão nem é financeira. O menos que falta é resorts populares. Adoro viajar mas gosto de lugares originais e autênticos, de ir ao encontro dos espaços e das pessoas, ir onde me apetece e dormir onde calhar. Cada vez há menos lugares genuínos no mundo (dentre os amigáveis, bem entendido). A definição de “resort” é a apropriação por parte do sistema capitalista de lugares paradisíacos, pelo mundo fora, que antes eram de todos e depois passam a ser só de quem tem dinheiro para lá ficar, sob o argumento falacioso da “criação de emprego” e do “desenvolvimento económico”. Assim, muitos pequenos paraísos tornaram-se interditos por esse mundo fora. A construção de resorts de luxo nas fajãs de S. Jorge será o princípio do seu fim. As fajãs não têm de ser constituídas por ruínas. Mas o seu encanto e autenticidade passam muito por características como sossego, solidão, acesso difícil ou condicionado, beleza natural e, porque não, algumas ruínas nostálgicas, a evocar o passado, a voragem do tempo humano, a inevitabilidade do nosso destino final e a harmonia caduca e frágil do mundo material. Dormi numa tenda na fajã do Sanguinhal em 2009, no âmbito do maravilhoso trilho que vai da serra do Topo à fajã da Caldeira. Nunca esquecerei a forte impressão que me deixou aquele lugar, a nostalgia fantasmagórica daquelas ruínas imersas em verde, numa manhã húmida e cheia de neblinas. Uma coisa é apoiar o estabelecimento de pequenas unidades turísticas, tradicionais e bem integradas na paisagem (na ilha do Pico, uma terra de gente inteligente e de bom gosto, eles têm mostrado como se faz…), outra coisa é permitir a construção de grandes unidades de luxo e deixar aquilo por conta de javardos endinheirados, que para lá vão de helicóptero. É evidente que na democracia cada vez mais capitalista em que vivemos, é impossível impedir que os privados vendam o que quiserem, ao preço que lhes apetecer. Até entendo a tentação. Mas os governos, através do ordenamento territorial e os povos, através dos seus parlamentos eleitos, têm capacidade para controlar os excessos, a ambição, o materialismo, o egocentrismo e a falta de visão do cidadão comum e promover um desenvolvimento equilibrado e harmónico que combine progresso material e direitos individuais com o bem comum, a defesa das tradições benévolas (há tradições nojentas e desumanas…), a conservação da História e a preservação de ambientes diferentes e únicos no mundo. Se nos tornarmos iguais aos outros todos, o que nos restará? Já deixámos de servir queijo fresco em folha de conteira e de beber leite diretamente das tetas da vaca, para podermos ser europeus…só não podemos é ter ordenados europeus… Se proibirmos as touradas à corda, acabarmos com o culto ao Espírito Santo, deixarmos de festejar continuamente na Terceira e construirmos pequenos “Dubais” nas fajãs de S. Jorge, o que será de nós? Eu nasci na fajã dos Vimes, num dia 24 de novembro, a dois passos do mar que me corre nas veias. Amigos das fajãs, é preciso que acordem! Mesmo que já acordemos tarde, o nosso dever é resistir… POPEYE9700@YAHOO.COM