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popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

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BAGA TEFLON (O PROGRESSO NA COZINHA)

Fevereiro 04, 2020

Tarcísio Pacheco

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imagem em: https://articles.mercola.com/sites/articles/archive/2016/01/27/pfoa-teflon-cookware-dangers.aspx

 

BAGAS DE BELADONA (96)

HELIODORO TARCÍSIO

BAGA TEFLON (O PROGRESSO NA COZINHA) - Nós, os que deambulamos pela Terra agora, vivemos uma época em que temos acesso a uma informação profusa e abundante, de proveniências muito diversas. Por um lado, já não há desculpas para a ignorância. Por outro lado, mais do que nunca é preciso abordar a informação disponível com inteligência e critério. Uma das estratégias mais eficazes, além de manter o espírito aberto e atento, é usar diversas fontes e fazer, constantemente, o cruzamento da informação.

A minha leitura mais recente, ainda em curso no momento, é uma obra intitulada Os Grandes Desastres, da cientista (sismóloga) americana, Dr.ª Lucy Jones. Neste livro, ela analisa uma série de grandes desastres naturais, entre os quais se conta o terramoto de Lisboa de 1755, por um prisma objetivo e científico, com foco no que vamos aprendendo, em termos de riscos, prevenção e consequências. Uma das catástrofes naturais analisadas é a grande erupção do vulcão Laki, na Islândia, em 1783.  A formidável erupção do Laki já desapareceu da memória coletiva, por isso já nos esquecemos da sua tremenda potência e das suas terríveis consequências. Além de ter arrasado a Islândia de diversas maneiras, esta erupção moldou o clima mundial no futuro imediato, provocando secas, inundações e fomes que mataram milhares de pessoas um pouco por todo o mundo. Interessa-me aqui salientar que um dos gases que o Laki lançou para a atmosfera, em quantidade assombrosa (oito milhões de toneladas) foi o fluoreto de hidrogénio, que pode decompor-se em flúor e é altamente solúvel na água. O flúor, em pequenas quantidades é benéfico para os nossos ossos e dentes, é por isso que, por exemplo, as pastas dentífricas contêm algum flúor. Em quantidades maciças, o flúor envenena o corpo, deforma os ossos e destrói os dentes. Foi precisamente isso o que aconteceu com pessoas e animais em 1783. O resto do drama foi ainda potenciado pelos efeitos de outro gás, maciçamente ejetado para a atmosfera, o dióxido de enxofre.

Deixemos a Islândia agora, que está gelada e fria, por estes dias. Calhou que, enquanto lia este livro, fui ao cinema ao CCAH como em quase todos os fins de semana. Acabou de passar o Dark Waters, um filme de 2019. E aqui, voltei a cruzar-me com o vilão flúor. O filme relata, de forma bem pouco ficcionada, uma história real que, aliás, ainda decorre. De forma muito resumida, a gigante química americana Du Pont descobriu acidentalmente, por volta de 1938, as propriedades de um composto químico e as suas possíveis aplicações industriais. É assim que nasce o Teflon e a indústria de recipientes não aderentes para cozinhar. Apesar de haver outros produtos dessa área que não têm Teflon, a marca tornou-se tão popular que batizou o produto, tal como aconteceu com a Xerox e as fotocópias no Brasil e o Kleenex e os lenços de papel por todo o mundo. A vilania desta história é complexa e múltipla. O nome químico da marca industrial Teflon é o PTFE (sigla), um polímero sintético. Sabe-se que pode ser muito prejudicial para a saúde humana, mas apenas se aquecido a temperaturas elevadas, acima dos 260º C. Sendo este um produto usado em recipientes para cozinhar, um certo valor de risco parece evidente. Por outro lado, sabemos que virtualmente todas as panelas não aderentes, mesmo sem Teflon, contêm flúor. Por outro lado, no processo de fabrico do Teflon é utilizado o PFOA (sigla), outro composto químico sintético. Este sim, é um vilão mais sério por ser bastante tóxico e um carcinogéneo conhecido. Mas a verdadeira vilã da história é a empresa Du Pont. Acabamos por saber que a empresa conhecia bem e desde muito cedo os perigos do Teflon e sobretudo do PFOA, tendo, inclusivamente, usado os seus próprios empregados como cobaias. Ocultou os factos por motivos óbvios, o Teflon era um campeão de vendas e gerou fortunas para a empresa. O escândalo surgiu quando foi estabelecida cientificamente a associação entre o PFOA e a contaminação, através da água da rede pública e do circuito fluvial, de toda uma comunidade da Virgínia Ocidental, onde a Du Pont tem uma grande fábrica; o caso que dá origem a tudo é o de um lavrador, que vê morrer inexplicavelmente a maior parte do seu gado e acaba por adoecer com cancro, juntamente com a esposa. O interesse pessoal de um advogado (paradoxalmente, um advogado corporativo, ou seja, um “deles”) acaba por levar à instauração de uma série de processos judiciais.

Esta é uma história dos nossos dias. A Du Pont já pagou mais de 600 milhões de dólares em multas, indemnizações e acordos para monitorizar a saúde da comunidade, muito afetada. A empresa está em crise, com os investidores desconfiados e em atitude defensiva. Mas fatura mais de mil milhões de dólares anualmente.

Entretanto, devido a esta história, o mundo ficou a saber que o PFOA é usado em muitas outras aplicações industriais, incluindo o fabrico de plásticos e que é um químico que o corpo humano não sintetiza e que se vai acumulando no organismo. Conhecido também como C8, atualmente, está já no sangue da maioria dos seres humanos. Está associado ao cancro do rim e do testículo, colite, problemas de tiroide, excesso de colesterol, pressão sanguínea alta na gravidez e malformações em fetos humanos. Algum destes problemas vos parece familiar?

Não vos maço mais. Que cada um tire as suas conclusões e faça a sua própria pesquisa. Eu não sabia nada sobre isto até ver este filme. O cinema também é intervenção social. Políticos ignorantes como Trump (e outros muito mais inteligentes) estão do lado de empresas como a Du Pont. São diferentes faces da mesma coisa. Poder e lucro, a QUALQUER custo, esses são os verdadeiros “pais da nação”.  Não é por acaso que Trump odeia Hollywood, descontando as atrizes que se deixaram apalpar no passado. É um poder que não é inocente nem descomprometido, mas que é inteligente e que Trump não controla.

Quanto a nós e aos nossos filhos, acredito que estamos todos a ser envenenados, de muitas maneiras. Talvez nos sintamos um pouco menos estúpidos se, ao menos, soubermos qualquer coisinha sobre isso.

popeye9700@yahoo.com

 

 

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