Baga SORTE DIAMANTINA
Novembro 20, 2018
Tarcísio Pacheco
imagem em: http://www.arteseartes.info/touros-uma-tradicao-com-cultura-e-amor-81/
BAGAS DE BELADONA (59)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA SORTE DIAMANTINA - Confesso que hesitei um pouco antes de responder a Nuno Melo Alves (NMA). Porque preferia debater a tauromaquia, um tema que considero muito interessante para os terceirenses e porque NMA é um político e, por isso mesmo, ao contrário de mim tem um discurso público tendencioso e comprometido. Por outro lado, NMA é um opositor de opinião educado e correto, o que me apraz e seria indelicado deixá-lo a escrever sozinho. Porém, no quadro de uma saudável troca de pontos de vista, há questões que devo esclarecer.
Como disse, NMA é um político, assumidamente de direita e os seus artigos refletem, quase sempre, essa condição. Os seus comentários sobre a atitude da Ministra da Cultura, mais que uma defesa pessoal da tauromaquia portuguesa, inscrevem-se no âmbito de uma crítica continuada à ação de quaisquer governantes do quadro político atual, conhecido como “geringonça”.
O meu artigo não analisava a questão da alteração do IVA relativamente aos espetáculos tauromáquicos. Não falei nisso, embora tenha opinião sobre o assunto. Considerei apenas natural que uma anti taurina, membro de um grupo de opinião em crescimento na sociedade portuguesa, chegasse ao poder e tentasse levar água ao seu moinho. Reconheci-lhe esse direito. Assim como considerei que essa atitude estava limitada pelas decisões do nosso órgão máximo de poder, a Assembleia da República e, obviamente, pelas normas constitucionais e pelas leis em vigor. Por esse mesmo parlamento que, finalmente e para variar, reflete a verdadeira orientação de uma maioria do povo português do presente e não “a tradição de governar quem ganha eleições”, para grande desgosto e pesar de todos os políticos de direita.
No quadro da crítica à Ministra, NMA usou argumentos que considerei pobres e demagógicos e foi sobretudo nessa perspetiva que escrevi. Esses argumentos foram “a tradição” e a possibilidade de “não participar” em atos ou eventos de que se discorda. Na sua resposta, NMA nem defendeu este último, possivelmente porque, no fundo, está consciente da sua pobreza. Quanto à tradição, NMA rabujou por eu ter referido a tradição da mutilação genital feminina, comum na Guiné-Bissau, por exemplo. Fi-lo, claramente, para evidenciar, na generalidade, a incoerência intelectual de defender uma tradição invocando apenas ou sobretudo os usos, costumes e práticas de um povo. Esta era, reconheço, uma comparação extrema, já que este bárbaro costume não deverá, certamente, estar vertido na atual constituição da Guiné-Bissau. Mas NMA, convenientemente, esqueceu o exemplo da tradição do massacre anual de baleias-piloto nas ilhas Faroé, costume legal e regulamentado pelas autoridades locais desta região autónoma da Dinamarca (mas não pela Comissão Baleeira Internacional). Será que NMA é favorável a esta “tradição”? Ou levaria a mal que um líder político das Faroé, da área da cultura, por exemplo, encetasse manobras políticas para acabar com ela? Eles ferem e matam baleias “por tradição”. A gente fere e mata touros “por tradição”. E é tudo legal, por enquanto. Mas será assim tão diferente? Por outro lado, NMA insinua falta de lucidez por eu não entender a sua analogia com a “liberdade de escolha” na questão do aborto… Continuo a defender que essa analogia, sendo possível, é desajustada e tendenciosa. A questão central nunca foi liberdade de escolha até porque a prática do aborto é extremamente regulamentada. Quem colocou a questão nesse nível foram as mulheres que protestaram na rua e pintaram frases no ventre como “aqui mando eu!”. A questão central foi evitar que as mulheres que decidissem abortar fossem presas por isso. E acabar com a discriminação entre mulheres com recursos financeiros e mulheres pobres. Aponte-se um político de esquerda que tenha alguma vez dito publicamente “o aborto é bom, aborte-se” … A liberdade de escolha pode parecer um princípio universal das sociedades democráticas, mas é cada vez mais violentado por diversos motivos, entre os quais a segurança pública, com a aquiescência de muitos de nós. Então, não me parece escandaloso que possa ser limitado por razões ligadas ao bem-estar animal, por exemplo. É caricato que NMA relacione tão facilmente aborto e tauromaquia relativamente ao tema da liberdade de escolha e não consiga ver qualquer relação entre esta e a proibição do uso da burka e niqab para mulheres muçulmanas na Europa. No que diz respeito ao bem-estar animal, a humanidade em geral e Portugal em particular, estão ainda muito atrasados e isso envolve o habitual: dinheiro e hipocrisia. Na verdade, a humanidade continua a explorar e a escravizar os animais de forma muito cruel e, agora cada vez mais, a extinguir espécies, a um ritmo quase diário, em nome do “desenvolvimento económico” e da “felicidade da espécie humana”.
Para terminar, agradeço humildemente a NMA a lição sobre direitos dos animais versus “alguma proteção legal”. NMA foi perentório e convicto. Fiquei impressionado. Por isso mesmo sugiro-lhe que leia atentamente a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, formulada pela UNESCO, com 14 artigos, chamando a sua especial atenção para o Preâmbulo e para o ponto 2 do artigo 14º, que tem o seguinte texto: “Os direitos do animal devem ser defendidos pela lei como os direitos do homem.”. NMA é o homem certo para lhes dar uma lição sobre semântica e direitos dos bichos. Quem é que essa gente pensa que é???
Se alguma vez NMA quiser discutir publicamente o tema “tauromaquia”, com oportunidade para expor os tais argumentos inteligentes e não demagógicos, eu terei nisso o maior prazer. Até lá, vou continuar a considerar-me um aficionado inteligente e que, por isso mesmo, é crítico e auto-crítico.POPEYE9700@YAHOO.COM