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popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

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BAGA CORNADA À DIREITA

Novembro 15, 2018

Tarcísio Pacheco

touro-corda.jpg

imagem em: https://noticiasilhas.wordpress.com/2013/03/19/seis-novos-my-quick-notes-acores/

 

BAGAS DE BELADONA (58)

HELIODORO TARCÍSIO

                  

BAGA CORNADA À DIREITA - Se tivesse lido na diagonal e à pressa o recente artigo de Nuno Melo Alves (NMA) no DI, sobre as críticas da novel Ministra da Cultura à tauromaquia portuguesa, até podia achar que tínhamos opiniões semelhantes, já que gosto de toiros. Porém, nunca leio assim e uma análise lúcida e crítica expõe fragilidades evidentes no discurso de NMA. Embora aqui e ali estejamos, aparentemente, de acordo. Por exemplo, os animais não são pessoas. Concordo, apesar dos porcos governarem o mundo e das bestas estarem em alta. Mas vamos à dissecação do discurso de NMA. Não vejo problema algum no “ataque” da Ministra da Cultura. A inegável verdade é que, sendo embora os “anti taurinos” ainda uma minoria na sociedade portuguesa, têm vindo a aumentar regularmente, o que me parece natural num quadro de consciencialização e evolução da espécie humana. Por isso, também é natural que um deles chegue a ministro. E, chegando lá, nada o impede de divulgar o seu pensamento e de “fazer política”. Não é para isso que foi para lá? De resto, como todos os outros, terá de respeitar as regras democráticas, a vontade da maioria, as diretrizes do Primeiro Ministro e as ordens do seu líder partidário. Não é o que sempre acontece? A opinião da Ministra da Cultura é dela e tem todo o direito de a exprimir. Para resultar em corpo de lei, teria de ter origem no nosso órgão máximo, a Assembleia da República. E aí, a coisa fia mais fino. Equilíbrio, é o mote. Coisas da geringonça.

Dar aos animais direitos legais idênticos aos dos seres humanos, é evidente que não. Mas dar direitos legais aos animais, claro que sim! Os animais precisam muito de proteção. São mortos, feridos, torturados, escravizados, exterminados e presos sem culpa desde sempre no mundo. Repare-se que nos consideramos muito evoluídos mas só há bem pouco tempo foi formalmente criminalizada a crueldade contra os animais e apenas os de companhia porque os outros podem ser mortos e esfolados, desde que o façamos com “humanidade”.

Não vejo também qualquer “dualidade de critérios”. “A liberdade de escolha” não pode ser um princípio universal cego porque, em muitos casos, fazer o que apetece a cada um, colide violentamente com a lei vigente e até, quantas vezes, com o mais elementar bom senso ou com a segurança pública. Exemplo: nas sociedades evoluídas, cada um veste-se como lhe dá na real gana; isso é “liberdade de escolha”; mas começa a ser proibido usar determinadas peças de vestuário, como a burka ou o niqab, por exemplo, por motivos conhecidos. Isso é “limitação da liberdade de escolha”. E, se calhar, a maioria de nós concorda, não? Pois…

Trazer à colação a descriminalização (e não liberalização, não sejamos manipuladores…) do aborto é uma tentação a que a direita, ressabiada, nunca resiste. Porém, a comparação é dialeticamente fraquíssima. A questão central aqui nunca foi “obrigar” ou “permitir”.  Foi, sobretudo, reconhecer e aceitar que o aborto, sendo um ato violento e cruel, causador de sofrimento físico e emocional, é uma prática milenar das sociedades humanas que nunca cessou nem vai cessar nos tempos mais próximos. Isso fazia com que as mulheres com recursos fossem abortar em segurança ao “estrangeiro” (e tantas grã-finas o fizeram…) e as mulheres do povo fizessem abortos caseiros, sanguinários e, com frequência, duplamente mortais. As pessoas sempre fizeram abortos, por diversos motivos. Nem acredito que ainda é preciso falar nisto. Em termos de evolução, o caminho que se impunha era o que realmente se seguiu, criar condições para evitar a necessidade de abortar, descriminalizar o ato (mediante condições bem especificadas) e equipará-lo a qualquer outro ato médico. E, sendo assim, teria de estar disponível no nosso sistema de saúde pública como tantos outros atos médicos. O processo foi bem democrático, com amplo debate público e dois referendos e a consciência pessoal e deontologia médica foram salvaguardadas com o reconhecimento da possibilidade de escusa dos médicos.

O que é que isto tem a ver com touradas? Isso já não sei, perguntem a NMA…

De resto, nem a tradição nem o direito de “não participar” são argumento eticamente elegíveis para defender as touradas. Reconheço que dá jeito usá-los de forma demagógica mas são argumentos paupérrimos, que não resistem a uma análise inteligente. Não se pode fazer tudo o que se quer sob o argumento de que “quem não quer não é obrigado a fazer”. Nem uma tradição é boa só por ser tradição. Os tipos das ilhas Faroé, cidadãos da CE, matam baleias-piloto às centenas todos os anos, sem qualquer necessidade alimentar, de forma bárbara, como “tradição cultural” e ritual de iniciação; obviamente, quem não concorda pode “não participar”. Os Açorianos matavam baleias (e golfinhos) como “tradição”. Devíamos ter regulamentado a prática e permitido a continuação da matança, até porque “ninguém era obrigado a participar”? Os nativos de vários países da África Ocidental praticam a cruel mutilação genital feminina e os que emigram para Portugal continuam a praticá-la clandestinamente. Deveríamos permiti-la porque “é tradição” e porque, obviamente, quem não concorda não é obrigado a mutilar as meninas? Afinal faz parte da “tradição” da Guiné-Bissau. Exemplos, há muitos.

Eu gosto de touradas, sobretudo das de corda, na Terceira. Mas nenhuma pessoa inteligente pode deixar de ser crítica e autocrítica. Há argumentos inteligentes e não demagógicos pró e contra touradas. Mas esse não é o filme de hoje, que já vai numa longa-metragem.  POPEYE9700@YAHOO.COM

 

 

 

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