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popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

BON VOYAGE (1) DOS AÇORES A CABO VERDE (2)

Abril 11, 2025

Tarcísio Pacheco

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ARION 5.jpg

BON VOYAGE (1)

Cabo Verde (2)

Heliodoro Tarcísio

(continuação). Levávamos sempre uma linha de pesca a reboque e eu congeminei um jeito de a ligar a uns elásticos, de modo a percebermos se fisgássemos um peixe. E fisgámo-lo, tive o prazer de puxar para bordo um belo dourado-do-mar ou mahi-mahi (Coryphaena hippurus), com cerca de 5 kilos, que deu para fazermos 3 refeições (cozinhadas por mim).   

Depois de 15 dias de viagem certinhos, chegámos por fim a Cabo Verde, abordando as ilhas entre S. Vicente e Santo Antão, debaixo da forte ventania habitual nestas paragens dos alísios de nordeste e rondando o ilhéu dos Pássaros para entrar na abrigada baía do Mindelo.  Naquela época havia apenas um pequeno porto comercial cheio de barcos de pesca e uns pontões flutuantes básicos onde amarravam ocasionalmente alguns veleiros. Amarrámos, descansámos e na manhã seguinte fomos tratar da documentação de entrada. Nesse mesmo dia, o Pascal tratou de tudo e o barco foi içado para terra, numa baía mais distante, pois o plano era que o Arion ficasse lá até o seu dono decidir sobre o futuro. Cheio de vontade de conhecer a cidade, percorri cerca de 3 km a pé até ao Mindelo, debaixo do escaldante sol cabo-verdiano. Estava bem magrinho e cheio de energia porque, geralmente, emagrecemos numa viagem oceânica em pequenas embarcações, o balanço constante vai queimando calorias sem nos apercebermos.

No dia seguinte, o Pascale e o Phillipe foram embora para França e eu fiquei sozinho. Aluguei um quarto numa pequena pensão na rua de Lisboa, onde serviam também comida típica do arquipélago. Tinha planeado ficar por lá uns 10 dias. No presente, suponho que a cidade seja mais turística, mas há 23 anos, o Mindelo era uma cidade singela, porém buliçosa e cheia de vida. Fiz as férias que aprecio, com simplicidade, vagueando pela cidade, entrando nos lugares e metendo conversa com as pessoas na rua, já que os cabo-verdianos são, tradicionalmente, muito simpáticos e sociais. Costumava entrar num cafezinho central que pertencia a um antigo jogador de futebol em Portugal, cujo nome já não recordo, cheio de posters e fotografias do mundo da bola. Perguntei onde era a casa da Cesária Évora, então bem vivinha, mas muitas vezes ausente, a cantar pelo mundo e passei lá. Quando queria percorrer a ilha, já que os autocarros eram pouco fiáveis, combinava com um taxista que me levava e depois me recolhia. Foi assim que fui conhecer a maravilhosa baía das Gatas, muito longe do Mindelo, onde se realiza o festival musical do mesmo nome, em agosto, considerado o maior festival de Cabo Verde e que teve em 2024 a sua 40ª edição. Mas estávamos então no final de junho. Logo no início da estadia, louco para experimentar as águas quentinhas de Cabo Verde, passei um dia inteiro na praia; ora, sempre tive o hábito de usar um lenço na cabeça, um traço de uma vida passada em que fui pirata (dos bonzinhos); ao voltar para a pensão, fiquei estarrecido pois tinha um enorme risco na testa, separando claramente a cara bronzeada da cabeça, já com pouco cabelo; o remédio foi voltar para a praia no dia seguinte, desta vez sem bandana, para equilibrar o bronzeado. Certa noite fui jantar num restaurante com música ao vivo; não conhecia antes, mas fiquei a conhecer o Bau, nome artístico de Rufino Almeida, músico nascido no Mindelo em 1962; é primo do conhecido Tito Paris, tocou com Cesária Évora e foi mesmo seu diretor musical; Bau, não canta, mas é um guitarrista exímio e a sua prestação na execução de mornas e coladeras encheu-me a alma. Mais tarde, comprei um CD dele. Outra coisa que fiz foi apanhar um ferry e ir passar um dia à vizinha ilha de Santo Antão, apenas a 1 hora de viagem. Há diversos ferries a ligar as ilhas e é uma boa maneira de as conhecer. Santo Antão, à primeira vista, parece tão desértica como S. Vicente. Mas é muito montanhosa e tem vales profundos, bem irrigados e muito verdes, sobretudo no lado nordeste, onde se cultiva todo o tipo de frutas e vegetais. A ilha é mesmo o celeiro abastecedor de S. Vicente. Do Porto Novo, apanhei um autocarro e passei um belo dia a passear pela localidade da Ribeira Grande. Na volta, no ferry, vim com um animado grupo de excursionistas locais com quem fiz amizade, que todo o tempo cantaram e tocaram violão e berimbau. Gente alegre e simpática.

Terminado o meu tempo, viajei de avião para a ilha do Sal, onde então ficava o único aeroporto internacional; tendo chegado de manhã, aluguei um jipe e percorri a ilha, esta mais desinteressante, resumindo-se a praias e hotéis. À noite, apanhei a TAP para Lisboa.

 

 

BON VOYAGE (1) DOS AÇORES A CABO VERDE (1)

Abril 04, 2025

Tarcísio Pacheco

ARION 2.jpg

(publicado no semanário ILHA MAIOR, da ilha do Pico, Açores, a 5 de abril de 2025

BON VOYAGE (1)

Cabo Verde (1)

Heliodoro Tarcísio

Sempre adorei viajar, em qualquer altura, por quaisquer motivos exceto de saúde e mesmo assim, é possível usufruir de bons momentos em qualquer circunstância. Quando a minha filha mais velha, Bárbara, entrou para a faculdade e estava hesitante entre os cursos de Serviço Social e Turismo, aconselhei-lhe o Turismo, “tens alma de viajante, filha” disse-lhe eu. E, atualmente, ela trabalha em Turismo, adora e viaja imenso. Quanto ao meu caso, quatro filhos, o trabalho, a falta de tempo e alguma ansiedade de voar, não fizeram de mim o viajante que queria ter sido. Mesmo assim, vivi algumas aventuras, especialmente em viagens marítimas.

Quando o meu amigo, Florêncio Moniz, me convidou para escrever umas crónicas de viagem para o Ilha Maior, não foi difícil aceder, motivado pela amizade com o Florêncio, velho amigo e colega de faculdade, o apreço pelo Dr. Manuel Tomás, meu antigo colega na escola C+S de S. Roque e o amor pela ilha do Pico, onde, há séculos atrás, vivi um ano maravilhoso, que recordo com saudade. Sendo Sagitariano, logo curioso e aventureiro, tenho no meu mapa astral, uma certa energia de Virgem, que me leva a ser, por vezes, todo organizadinho. Tinha, por isso, pensado em escrever cronologicamente. Mas acabei inspirado pelas belíssimas crónicas de Cabo Verde do Florêncio. E então, aí vai a minha experiência única de “morabeza”, em 2 partes.

O ano era 2001. Desde criança, apaixonado pelo mar, nesse ano, ainda tinha o meu primeiro veleiro de cruzeiro, o Zeilen, um pequeno Waarschip 20 holandês, famoso na Holanda, que adquiri no Faial em 1998. A marina de Angra estava então em início de construção e os nossos barcos costumavam ser içados para terra em setembro e lá ficavam pelo Porto Pipas todo o Inverno. No ano de 2000 fiz amizade com o Pascal, francês, proprietário e skipper do ARION, um ketch em ferrocimento, com 9.60 metros de comprimento, de construção caseira, em que o Pascal, um médico homeopata de Uzeste, perto de Bordéus, navegara desde França até aos Açores. O plano dele era, mais tarde, prosseguir para sul. Fiquei a tomar conta do ARION durante o Inverno e pouco a pouco foi-se cimentando a ideia de abalar com o Pascal no Verão seguinte. Na época era casado e já tinha 3 filhos, por isso, era mesmo só um mês de férias. E assim foi, em maio de 2001 o Pascal voltou, com o seu amigo, Phillipe, um notário francês e abalámos os três rumo a Cabo Verde, num dia chuvoso e sombrio do início de junho.

Esta foi a minha viagem oceânica mais longa, como tripulante e sempre em alto-mar. Demorámos 15 dias, de Angra do Heroísmo à cidade do Mindelo, em rota direta. Partimos com mau tempo, o que nunca é bom. Havia muita ondulação e depois de colocarmos o barco a navegar à vela, o Pascal e o Phillipe atiraram-se literalmente para o chão, a vomitar e ficaram doentes durante 3 dias. Eu já estava mais calejado pelas aventuras com o Zeilen; mas, mesmo assim, também não tinha muito apetite e durante 3 dias, foi só sopinha e fruta. Só fiquei doente um dia, depois de ter abusado de uns deliciosos pudins franceses em lata, que só eu comia. Depois, as coisas normalizaram-se e instalou-se a rotina duma viagem oceânica em veleiro. Foi antes do GPS, o Pascal fazia a navegação com o seu sextante, determinando diariamente a nossa posição e o rumo e eu e o Phillipe fazíamos tudo o resto, mareação de velas, cozinhar, arrumar e limpar. Essa viagem teve de tudo um pouco. Não nos deparámos com nenhuma tempestade séria, mas houve dias de larga e alta ondulação oceânica, com ondas de 5 a 6 metros, de nordeste. Houve dias de chuva e dias de sol, em que aproveitávamos para nos despirmos no convés e nos lavarmos com baldes de água salgada. Lembro-me que o Pascal era um francês típico, muito poupadinho, não nos deixou nunca ligar o motor, para não gastar gasóleo e não nos deixava ligar as luzes de navegação à noite, para não gastar baterias. Dizia para ligarmos uma lanterna de mão se nos cruzássemos com navegação à noite. Tínhamos uma windvane (piloto automático mecânico, de vento), mas à noite, fazíamos quartos de leme de 3 horas (das 21h às 09h). Num desses quartos, estava eu sozinho no cockpit e lembro-me que estava uma noite horrível, sinistramente sombria, havia total calmaria, o barco boiava numa espécie de charco pantanoso, o céu, o mar e o próprio barco, tudo era cinzento e sem forma; fiquei a contar os minutos para terminar o meu quarto e ir dormir. Antes o mar bravo. (continua)

 

 

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