BAGA I LOVE YOU SO MUCH DEAR MR. TRUMP (Take 3 e último ) BAGAS DE BELADONA (162)
Janeiro 15, 2025
Tarcísio Pacheco
imagem em: Luis Ordóñez, o argentino que conseguiu levar a caricatura ao Museu do Louvre – Diario de Cultura
BAGAS DE BELADONA (162)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA I LOVE YOU SO MUCH DEAR MR. TRUMP (Take 3 e último) – Esta saga da crítica aos escritos do Dr. Bettencourt vai terminar por aqui, para não aborrecer os leitores e também porque rapidamente se desatualiza, dada a velocidade com que eventos relacionados vão ocorrendo. A verdade é que Trump ainda nem foi empossado no dia em que escrevo e, para além de toda a mediocridade maldosa que já lhe conhecíamos, começa a revelar-se uma espécie de ditador imperialista, apenas muito levemente contido pela cada vez mais frágil democracia norte-americana. Ignoramos se o Dr. Bettencourt continua a adorá-lo, mas, como o próprio caridoso doutor nos diz, “toda a gente tem defeitos” e se ele gosta de neofascistas, bom, de um ponto de vista tolerante, isso pode ser, eventualmente, considerado mais que uma crença cega, um enorme defeito de caráter ou então, simples falta de inteligência. Restará saber se o que ainda resta de espírito democrático, senso de justiça e elementar bom senso na América, será suficiente para travar minimamente um ditador neofascista, apenas um pouco menos mau que Vladimir Putin.
Quanto ao bom Dr. Bettencourt, uma leitura apressada ou mais parcial do seu testamento trumpista, até pode dar a falsa impressão de que ele sabe do que fala. Lá diz o velho ditado, muito português, “um tolo que não fala [ou não escreve] passa por discreto”. No entanto, basta ler o texto dele com atenção para perceber as suas manobras maliciosas e mal-intencionadas ou então a sua ingénua ignorância, o chapéu que melhor lhe servir.
Grande parte da verborreia do Dr. Bettencourt assenta nas teses publicadas por um tal Marc A. Thiessen, em “8 Escolhas dos Democratas que ajudaram Trump a ser eleito”, num jornal “esquerdista”, o Mercury News, de San Jose, na Califórnia. Já sabemos que a extrema-direita americana classifica a maior parte dos media como sendo “de esquerda”, preferindo disseminar o seu veneno pelas redes sociais, sobretudo pela X, propriedade do neofascista, Elon Musk, cada vez mais o “dono daquilo tudo”. E percebemos que no caso pessoal do Dr. Bettencourt, a sua bitola pessoal é se o órgão dos media gosta ou não de Trump. É desta forma que ele classifica os media, o que me parece ser de um atroz primarismo intelectual. É verdade que a maioria dos media americanos não gosta de Trump. Mas não gosta por não ser de extrema-direita e não por ser “de esquerda”. O espectro político partidário nos EUA é extremamente pobre e, para efeitos práticos, conta apenas com dois partidos, o Democrata e o Republicano. O Republicano assenta em valores claramente considerados “de direita” e o Democrata também é de direita ou de centro-direita, se quisermos, estando mais próximo das sociais-democracias europeias. É um partido mais preocupado com questões sociais e de cidadania, mais tolerante, progressista e mais universalista. Contudo, de esquerda política, tal como a entendemos no resto do mundo, tem pouco ou nada. Por exemplo, comparando com Portugal, estão muito longe do Partido Socialista e anos-luz do Bloco de Esquerda. Por isso, classificar media dos EUA como sendo “de esquerda” é coisa de néscio ignorante ou de extremista de direita. Mesmo assim, se formos analisar o Mercury News, percebemos facilmente que é um jornal comum, não tem nada de especial, informa com aparente isenção, que é como deve ser e publica artigos de tendências diversas dos seus editores e colaboradores. Vou dar um exemplo concreto e bem presente nos media de todo o mundo nos últimos dias, o drama em curso no momento, dos incêndios na Califórnia. O Mercury News, obviamente, tem publicado imenso sobre o assunto, basicamente numa dinâmica de informação. Onde é que o Dr. Bettencourt deve estar a ver “esquerdismo” neste caso? Provavelmente no facto de uma das notícias publicadas se referir às declarações de Trump, insultando o governador da Califórnia e apelidando-o de incompetente. Ora, o governador da Califórnia é Gavin Newsome, do Partido Democrata e conta com uma brilhante carreira política. Tenho acompanhado a tragédia e Newsome não me parece nada incompetente, pelo contrário, talvez algo impotente perante a fúria da Natureza, aliada à construção civil selvagem e descontrolada, que é culpa do capitalismo desenfreado e da ganância que lhe está associada. E Trump insulta o governador por ser democrata, acima de tudo e porque, como hiena que é, não pode deixar de aproveitar qualquer oportunidade, seja qual for para mostrar os dentes e morder os seus adversários. Além disso, ele odeia a Califórnia, um estado onde tem poucos apoiantes e que fica fora da faixa do milho, do cinturão bíblico e do Sul, ignorante, pobre, conservador, fanático e racista. O Mercury News também noticia o que tem transpirado de Washington DC, que há sinais de que Trump, depois de eleito, não disponibilizará fundos federais de auxílio às vítimas da Califórnia ou dificultará o acesso aos mesmos. Ora, sabemos todos que Trump é mau, vingativo e não tem qualquer ética nem senso de estado. Portanto, não é nada difícil acreditar nisto. O que é o Dr. Bettencourt acharia que o Mercury News deveria fazer para não ser “de esquerda”? Provavelmente, deveria omitir qualquer referência às más intenções de Trump e realçar o mais possível as acusações de “incompetência” do governador, em vez de informar a população sobre a tragédia que está a desenrolar-se. É essa a pobre bitola do Dr. Bettencourt.
Portanto, a jogada “inteligente” do Dr. Bettencourt, neste caso, é a tese de que até um jornal de “esquerda” publica artigos que mostram os muitos erros dos Democratas. Acontece que a melhor prova de que o Mercury News não é um jornal “de esquerda” é terem publicado um extenso artigo de Marc A. Thiessen. Ora, vejamos quem é este sujeito: Thiessen é um autor norte-americano conservador, politicamente envolvido e membro do Partido Republicano, que andou pela Casa Branca e escrevia os discursos de George W. Bush. Posteriormente, por exemplo, elogiava a tenebrosa CIA e atacava Barack Obama, enquanto defendia a tortura pela água, muito comum, em suspeitos de terrorismo islâmico em Guantánamo. Um tipo isento e um verdadeiro escuteiro, certo? A publicação de um artigo deste tipo, a criticar o Partido Democrata, vem provar que o Mercury News não é um jornal “de esquerda” ou que, no mínimo, dá espaço a todas as tendências ideológicas. E é assim que o Dr. Bettencourt achou que ia enganar o pessoal cá pelos Açores. Todos os dados estatísticos ou percentuais apresentados pelo Dr. Bettencourt são contestáveis ou discutíveis. Por exemplo, é absolutamente parcial referir que a inflação nos EUA subiu durante o mandato Biden-Harris, sem escalpelizar os motivos para isso. Seria fastidioso estar a fazer isso caso a caso, teria de escrever artigos tão longos e sonoríferos quanto o artigo dele e, provavelmente, ninguém me iria ler.
Para terminar, alguns comentários do Dr. Bettencourt que achei dos mais aparvalhados foram os que afirmavam ser o Partido Democrata o “Partido dos Pobres”, que “os democratas radicais gostam mais de gastar o dinheiro dos outros” e que “os republicanos contribuem mais e têm mais compaixão pelos pobres”. É incrível, mas o Dr. Bettencourt parece não saber nada de História. Os regimes que assentavam no enriquecimento de uma pequena fação elitista que depois partilharia teoricamente a sua prosperidade com os menos afortunados através da “caridade cristã” acabou no séc. XVIII, com a Revolução Francesa. E aí foram plantadas as sementes dos atuais regimes socialistas e sociais-democratas em que os regimes se preocupam em distribuir equitativamente os recursos, dar as mesmas oportunidades a toda a gente e garantir que todos tenham uma vida digna e as suas necessidades básicas satisfeitas. É o dinheiro de todos para todos, não é o “dinheiro dos outros”. Solidariedade social não tem nada a ver com compaixão e menos ainda com caridade. Vá-se cultivar Dr. Bettencourt. E de caminho, esclareça-nos se concorda com a anexação militar e violenta da Gronelândia, com a hipotética anexação militar e violenta dos Açores, como valiosa posição geoestratégica, se concorda com as ameaças ao vizinho e aliado Canadá e ao Panamá, países soberanos, se concorda com o uso do exército para expulsar imigrantes, se concorda com o fim do direito internacional e com o regresso ao barbarismo do direito do mais forte, se alinha na negação das alterações climáticas induzidas pelos seres humanos e na negação das vacinas e finalmente se concorda com “a paz”na Ucrânia, com grande prejuízo do invadido e à custa do benefício de um invasor selvagem e criminoso de guerra. Diga-nos se também admira ditadores que são “líderes fortes”. É que tudo isto e muito mais é Trump e o senhor adora-o. Mais uma vez, só para sabermos com quem lidamos…para percebermos se é néscio, ingénuo, ignorante, extremista de direita ou neofascista. Porque um destes carapuços vai assentar-lhe na perfeição. popeye9700@yahoo.com