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popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

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Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

BAGAS ISABEL DOS DEMÓNIOS E DJ'S DITATORIAIS (95)

Janeiro 28, 2020

Tarcísio Pacheco

isabel dos santos.jpg

imagem em: https://www.businesslive.co.za/bd/opinion/2020-01-27-cartoon-downfall-of-isabel-dos-santos/

BAGAS DE BELADONA (95)

HELIODORO TARCÍSIO

BAGA ISABEL DOS DEMÓNIOS – Não sei se Isabel dos Santos é culpada ou inocente dos diversos crimes que começam a ser-lhe imputados, ainda não formalmente em termos jurídicos, por enquanto, mas na voz do povo e nas parangonas dos media. Que a coisa está feia é inegável. Algo que parece evidente é que a princesa angolana e o seu príncipe consorte se deixaram tentar pelos demónios da cobiça, da gula e da acumulação material. E a história começa a ter contornos mafiosos, com uma morte suspeita a acontecer. Bom, a pressão dos media tem influência, a voz do povo já nem tanto, mas incomoda. Não me parece que a Isabelinha possa andar pela rua sossegada, nem regressar a Luanda tão cedo, embora o menos que lhe falta seja cantinhos confortáveis para se autoexilar, até ver o que vem por aí abaixo. Para já, tem-se desdobrado em entrevistas, em que protesta inocência.  Se calhar, devemos deixar a Justiça seguir o seu curso e aguardar pelos próximos capítulos da novela angolana. Invocaria até o princípio básico da presunção da inocência, se isso não fosse uma dupla anedota no presente e neste caso em particular. Contudo, há coisas de que tenho a certeza. Isabel, o papá e a família Dos Santos em geral constituem um clã familiar bem representativo de um certo tipo de oligarquia, corrupta e nepotista, que existe em todo o lado, mas que é bem comum em países emergentes. Que, frequentemente, contam com grandes recursos económicos, mas deixam largas faixas de população na miséria. É uma dicotomia bem conhecida. O caso de Angola, comunista e depois socialista “moderna” prova que a caca tem o mesmo perfume onde quer que seja. Os políticos são todos parecidos, de direita ou de esquerda, todos procuram o mesmo, poder, influência, popularidade e acumulação. O clã Dos Santos e a oligarquia angolana em geral têm grandes amizades, parcerias e negócios em Portugal e, quanto a isso, só espero que a investigação seja bem eficaz e vá até às últimas consequências. Tenho vindo a acreditar mais na justiça portuguesa a partir de casos como o de Isaltino Morais, José Sócrates ou Armando Vara. Mas só um bocadinho, ainda é tudo muito lento, com tendência a prescrever, com montanhas a parir ratos e com a vaga sensação de que grandes tubarões se escaparam e que escapam sempre. Do que tenho mesmo a certeza absoluta é que o Paulo Kalitoco, de 12 anos, da aldeia de Kapila, centro de Angola, meu afilhado no âmbito do um projeto de apadrinhamento de crianças angolanas (pagamento dos estudos até ao 9.º ano), precisa mesmo da minha ajuda para ter o que por aqui temos como garantido (embora não exatamente de forma gratuita, como os políticos maliciosamente apregoam…). Com 10 euros/ ano, ajudo a pagar a sua educação. Já recebi uma foto da carinha dele, compensação mais que suficiente.  E sei também que um saco de cimento para ajudar a construir escolas no interior de Angola custa 9 euros. Sei porque já paguei um. Faço isto com prazer e carinho, não faltam causas no mundo, é só olhar à nossa volta e querer ajudar, por pouco que seja. Mas faço-o porque gente como a família Dos Santos abandonou as suas crianças. Eu costumava gostar das covinhas nas faces da Isabel quando ela sorria. Achava-a fofa. Agora já não acho tanto.

BAGA DJ’s DITATORIAIS – Atualmente, muita gente usa áudio colunas portáteis, com excelente som, ergonómicas e com baterias duradouras. O meu nada secreto amor pela música e dança levou-me a comprar a primeira bastante cedo e a levá-las para todo o lado, sempre com educação, bom senso e respeito pelas outras pessoas.  Nestas lides, percebi que existem umas pessoas sui generis que apelidei de DJ’s ditatoriais. Uns trazem a sua coluna de casa e não dão hipóteses a ninguém. É a música deles ou nenhuma. Quando não têm coluna, têm sempre arquivos de música “muito melhor” que a nossa. Com o maior descaramento pedem-nos para desligarmos o nosso bluetooth para eles porem música “só um bocadinho”. Aí acabou. Nunca mais desamparam a loja. Lembro-me de uma festa no Verão passado, em que eu estava a passar música há uns 10 minutos; a tipa chegou, atrasadíssima, a primeira coisa que disse, depois de tirar o casaco foi “posso pôr música um bocadinho?”. Foi o resto da noite. E como ela era muito mais amiga da dona da casa do que eu, ficou assim mesmo. Mais recentemente ainda, numa festa em que me haviam pedido expressamente para me encarregar da música, levei a minha coluna gigante e carreguei no meu Spotify música de dança para todos os gostos. Bom, apesar da coluna ser minha, uma artista que estava por lá não demorou muito a pedir para pôr música “só um bocadinho”. Nunca mais largou o osso, até se lhe acabar a bateria do telemóvel. Como pessoa bem-educada, sou presa fácil destes ditadores. Há-os um pouco por todo o lado.popeye9700@yahoo.com

 

 

BAGA PRAÇA VELHA (BB94)

Janeiro 21, 2020

Tarcísio Pacheco

barracas.jpg

imagem em: https://www.youtube.com/watch?v=1DxePXGZR7E

 

BAGAS DE BELADONA (94)

HELIODORO TARCÍSIO

 BAGA PRAÇA VELHA – Adoro janeiro. Gosto de frio, cinzento e humidade. Fico feliz quando me aparecem pontos pretos na roupa branca e desabrocham fungos nas virilhas. E é  tão lindo ver a Praça Velha de novo tão cheia de coisa nenhuma, devolvida aos seus utentes principais, os pombos angrenses e os velhinhos,  que se sentam nos bancos, de joelhos muito encostadinhos, ao estilo naião, a trocar memórias e a aguardar, em jubilosa esperança, a ver se escapam a mais uma gripe enquanto aguardam o regresso do Sol, esse sacaninha esperto, de férias no Brasil. Só não temos carros a passar em frente à Câmara, somos um atraso de vida mas não se pode ter tudo…A Praça Velha deixou de ser uma ilha, é certo mas, ânimo, ó progressistas liberais, ainda é uma península, rodeada de carros por todos os lados menos por um. O monóxido de carbono está garantido, os Chineses não hão de ficar com o desenvolvimento económico todo só para eles. Temos de ser inteligentes, como Trump e o nosso querido John d’América, que enfia as meias brancas nos chinelinhos para ir votar nele.

Passado o Natal, nascido o Menino Jesus, feitas as pazes entre Maria e o bom do José, que já se conformou com os enfeites na cabeça, faltando agora apenas resolver o problema de achar creche para o Neófito em Belém,  estando quase resolvido o famoso caso das claves de sol invertidas na fachada da Câmara (formalmente em segredo de justiça e todos os dias no noticiário da CMTV)  já recomeçaram a aparecer as resmas de turistas que vem cá só de propósito para fotografar, desenhar, pintar e até mesmo só contemplar, as famosas pedras de calçada na Praça Velha, ex-líbris da nossa cidade. Que antes estavam ocultas pelas inqualificáveis barraquinhas de madeira do Álamo, para sempre registado na História como o presidente barraqueiro. Os grandes homens deixam sempre a sua marca indelével, nem que seja nas cuecas. Um legou-nos as Sérginhas, o outro, as barraquinhas. As tais barracas cor de madeira feia, que tapavam a parte melhor da calçada, que desassossegavam a praça a horas pouco decentes, que tiravam as pessoas do recato dos seus lares e do legítimo usufruto dos seus Aipodes e que, em desleal concorrência, lançaram na miséria honestos comerciantes locais dedicados à produção de licores caseiros, queijadinhas variadas e filhoses da Ribeirinha. Foi uma dor de alma, uns emigraram, outros suicidaram-se e outros ainda puseram as mulheres e as filhas a fazer pela vida no Classic Bar, da rua de S. João.

Pela recuperação da centenária pasmaceira na nossa querida Praça Velha, muito temos a agradecer aos vereadores da oposição, essas almas sábias, benfazejas e desinteressadas que nem dormem a pensar na nossa felicidade. Contudo, acautelai-vos! Ganhámos a batalha do Natal essencialmente porque o Natal acabou. Mas a guerra continua. O presidente barraqueiro não vai desistir. É mais forte do que ele. Armar barraca está-lhe codificado no ADN. Um dia destes, quando uns técnicos lá de fora, muito ocupados, tiverem tempo para apanhar a Ryanair e vir a Angra trabalhar, mesmo que tenham de passar primeiro pelas Furnas e Sete Cidades, o famoso palco móvel vai honrar o seu nome e acabar, finalmente, por se mexer, pelo menos para cima e para baixo. Não faltarão pretextos para festança, as quintas de Amigos e Amigas, o Carnaval Sénior, a Feira dos Coscorões ou o Dia das Gajas. A Festa da Morcela ou o Dia do Caldo Verde. Até a Quaresma, esse tempo triste, de dor e luto, pode gerar barraquinhas, a vender terços, estampas piedosas, velas com fitas roxas, hóstias gourmet e copos de vinho benzido. Se as pessoas decentes desta cidade não se precatam, em breve teremos de novo a Praça Velha cheia de gente barulhenta, crianças irritantes nos insufláveis, barraquinhas com artesanato, petiscos e bebidas espirituosas, turistas ligeiramente ébrios, música para todos os gostos e até aulas de Zumba. Um horror. popeye9700@yahoo.com

 

 

 

 

BAGA MILHÕES IRANIANOS (BB93)

Janeiro 15, 2020

Tarcísio Pacheco

trump.jpg

imagem em: https://webneel.com/daily/2-donald-trump-caricature-drawing-maeve-bokser

 

BAGAS DE BELADONA (93)

 

HELIODORO TARCÍSIO

 

BAGA MILHÕES IRANIANOS – Diz que os iranianos ofereceram 80 milhões de US dólares (um dólar por cada iraniano) pela cabeça de Trump, na sequência do recente assassinato de Soleimani, o seu general de estimação. Isto parece-me grave e deixa-me preocupado. Por um lado, sendo o Irão um país rico em petróleo e gás natural, parece-me uma oferta algo somítica, um dólar por cabeça e que poderá desagradar a Alá que, como bem sabemos, frequentemente mal assessorado por Maomé, é dado a maus humores e terríveis ataques de divina fúria, enviando então terramotos, tempestades de areia e surtos de gripe camelídea.  Tanto para Alá como para o Deus bíblico, nos dias de hoje, seria bastante provável um diagnóstico de bipolaridade. Que par de divinas e irascíveis jarras! Por um lado, compreendo, a cabeça de Trump é bastante feia e eu não queria aquela pantesma pendurada na minha sala das visitas por dinheiro nenhum deste mundo. Mas há quem pendure cabeças de javali, não propriamente mais feias, mas com dentes maiores e mais amarelados, por cima das suas lareiras. Se fosse a cabeça da Ivanka ou até mesmo alguma outra parte do corpinho dela, já era outra coisa…voltando aos milhões, parece-me que, apesar de feia, a cabeça de Trump havia de valer ao menos uns 5 dólares por iraniano. Assim, já estaríamos a falar de um número na casa dos 400 milhões, bem mais tentador. Afinal, trata-se de vingar o assassinato à falsa fé de um general popular e bonitão, que causava palpitações em muita iraniana devota e que deve ter instaurado o caos lá no Paraíso com as virgens todas de serviço a fazer fila para o entreter e a desprezar os outros mártires, menos bem-apessoados, que vão chegando diariamente. Por falar nisso, noutro dia, esta questão suscitou-me reflexões teológicas profundas…eu tenho este lado também, da inquietação metafísica. Preciso de ir à essência das coisas. Terá Alá uma fábrica de virgens no Paraíso, com a procura intensiva que há hoje em dia? Ou, não querendo blasfemar, terá Ele optado por métodos capitalistas de otimização de ativos, com modernas preocupações ecológicas de reutilização, mandando recauchutar cada Virgem depois de cumprida a sua única função? Parece-me, sem ironia, um negócio das Arábias.

Seja como for, para mim, que sou pobre, 80 milhões é uma oferta interessante. Na verdade, já me contentava com um milhão, mas isso não me convém que ninguém saiba.  Enfraqueceria sobremaneira a minha estratégia negocial. A questão principal é se essa gente é de confiança para pagar. É que se não são, não estou a ver ninguém a servir de fiança ao Irão. Quer dizer, eles até têm amigos, mas ou são amigos falidos, como a Venezuela ou são amigos interesseiros, como a Rússia. Só dizer que se é rico não garante nada. Vejam lá o Ricardo Salgado, que fazia de rico à nossa custa e o próprio Trump que é rico porque, segundo dizem, não paga nada a ninguém. São os piores.

Sou um funcionário público português, já a ficar madurinho, começo a pensar na pré-reforma porque me parece mais inteligente do que pensar na reforma. Mas não quero baixar para menos de metade o meu vencimento. Então, sim, confesso, fiquei tentado. Não diretamente porque sou pacífico e, acima de tudo, esquisito no que respeita a vítimas. Mas passou-me pela cabeça fazer umas sugestões aos iranianos, através das minhas duas ex-namoradas muçulmanas, moças modernaças, porreirinhas e pouco dadas a cenas de mesquita. Depois, se alguma fosse aproveitada, talvez algum dinheirinho me viesse parar à conta. Modéstia à parte, tive algumas ideias excelentes: uma bola de golfe armadilhada, quando ele lhe desse com o taco, pum! Um hotdog com uma dose letal de Ghost Pepper, a malagueta mais picante do mundo; uma putéfia loura, mamalhuda, muito apalpável e, literalmente, explosiva; uma encomenda postal  contaminada (o Antrax é difícil de arranjar mas bonita terra colorida do Tank Farm da Praia da Vitória é fácil); convencê-lo a fazer voos frequentes em Boeings 737 MAX, para provar ao mundo que é um modelo seguro e tornar  a Boeing great again; ou simplesmente (as melhores ideias por vezes estão mesmo à frente do nariz) deixar a natureza seguir o seu curso, afinal o estupor tem mais de 70 anos, é gordo, adora fast-food e Coca-Cola, tem uma doentia cor de cenoura, é dado a stresses e raivinhas e passa a vida sentado a ver TV, a debitar bitaites no Twitter ou a falar ao telemóvel. Estatisticamente, não pode durar muito.

Pois é, tenho sonhado com a minha pré-reforma. Mas se eles não pagam, não vale a pena… alguém aqui já fez negócio com essa gente? Rodrigo Rodrigues, que me dizes?  popeye9700@yahoo.com

 

 

BAGA SISMOLÓGICA (BAGAS DE BELADONA 92)

Janeiro 07, 2020

Tarcísio Pacheco

sé.jpg

imagem em: https://historias-john-soares.blogspot.com/2019/03/sismo-1-de-janeiro-1980.html

BAGAS DE BELADONA (92)

HELIODORO TARCÍSIO

BAGA SISMOLÓGICA – Nesta altura de ano em que se assinala a efeméride do sismo de 1 de janeiro de 1980, poderá ser um exercício interessante a partilha de memórias acerca desse evento. Provavelmente isso já acontece de forma espontânea nos jantares de família e amigos e nas tertúlias de café. É natural que o tema venha à memória de todos os que viveram esse dia. E será, com certeza, uma coleção de memórias muito heterogénea. Eu vou partilhar as minhas aqui.

Nessa época, eu tinha 19 anos e morava em Angra. Era estudante do Ano Propedêutico, um período de transição, pré-universitário, anterior à criação do 12.º ano. Tínhamos aulas pela televisão, algumas aulas no Liceu e exames no final do ano letivo. No dia 1 de janeiro, acho que tive sorte, na medida em que tanto eu como a minha família escapámos ao pior. Na noite de 31, eu tinha estado no baile de réveillon do Clube de Oficiais Portugueses da Base Aérea 4, até de manhã cedo, com a minha namorada da época, filha de um oficial da FAP. E, na tarde do dia 1, já estava na Base de novo, com as hormonas aos saltos, como todo o adolescente apaixonado. Estava um daqueles dias bonitos, de céu azul e sol invernal. Lembro-me que fui à boleia (alternava com a minha moto, uma Sachs V5, quando tinha dinheiro para gasolina) e foi difícil porque havia poucos carros na estrada. Talvez por isso, demorei-me e a besta apanhou-me ainda na rua. Ia mesmo a passar em frente à Rádio Lajes, quando aconteceu o sismo. Para mim foi muito rápido. Senti o chão a tremer de uma maneira muito estranha. As pessoas da Rádio Lajes saíram para o exterior em pânico. Do lado da freguesia das Lajes vi subir uma enorme nuvem de poeira e ouvi um coro de gritos, como num estádio de futebol cheio. É essa a minha memória mais forte. A casa da minha namorada era pouco mais à frente. Quando lá cheguei, ela, a irmã e a mãe já estavam na rua, aflitas como toda a gente. Seguiu-se uma tarde tensa, pois ficámos sem comunicações e pouco se sabia. Era possível ouvir rádio e era daí que vinha alguma informação, pouca, confusa e contraditória. Falava-se numa Angra totalmente destruída e em muitos mortos e feridos. Não tinha forma de comunicar com ninguém e estava preocupado com a minha família, pai, mãe, irmão e irmã. Por isso, resolvi tentar o regresso habitual a casa, o autocarro da EVT que saía da Base, junto ao cinema Azória, pelas 19 horas. O autocarro estava lá e fui para Angra. Não consigo lembrar-me bem da viagem, mas sei que demorou muito mais que o normal, que não havia iluminação pública e que se via casas em ruínas e muros no chão. Mas foi chegando a Angra que me fui apercebendo da dimensão da tragédia. O autocarro parou no largo de S. Bento pois não era possível ir mais além. Era de noite, a cidade estava em plena escuridão e parecia um cenário de guerra. Por todo o lado, casas destruídas, pilhas de escombros e pessoas a vaguear pelas ruas, com lanternas. Fui andando pela cidade, da forma possível, até à minha casa, que ficava na rua de Baixo de Santa Luzia. Na minha rua, as casas estavam todas vazias e às escuras. Fiquei sem saber o que fazer e para onde ir. Até que passou alguém e me disse que as pessoas da zona estava todas refugiadas ali perto, no terreno livre que ficava junto à antiga igreja de Santa Luzia. Lá, encontrei a minha família, todos a são e salvo embora assustadíssimos pois na hora do sismo estavam na velha casa de pessoa amiga na rua do Faleiro (junto à Igreja da Misericórdia, em zona muito afetada). Dormimos 3 dias no carro, uma station WV Passat, com medo das réplicas, como muita gente. Depois, lá regressámos à nossa casa (que tinha apenas danos menores e que nós próprios reparámos).

Começou em seguida um período muito estranho, pois toda a vida normal parou. O Liceu fechou, não havia aulas. Miúdos como nós, estudantes, não tinham nada que fazer. Uns vagueavam o dia inteiro, outros ajudavam na reconstrução das suas casas. Muitos de nós colaboraram como voluntários em ações diversas. Eu respondi a um apelo do Hospital e, com o meu irmão, estive lá 3 dias e 3 noites a ajudar os enfermeiros, comendo e dormindo por lá. Fazíamos aqueles pequenos trabalhos básicos, de higiene, alimentação, dar medicação, etc. Saí de lá com a certeza de que jamais trabalharia na área da Saúde. Para a minha casa veio uma família inteira de refugiados e dormíamos ao monte pelo chão. Como tinha de assistir às aulas na TV e estudar para os meus exames, fui passar uns tempos para casa de familiares, na Horta, um período que foi muito mais de borga do que de estudos. Regressei a casa, fiz os exames, fui aprovado. Era jovem, invencível e imortal, curti o Verão possível, namorei bastante, trabalhei em obras a limpar entulho pois usavam estudantes para isso e pagavam bem (na nossa perspetiva). E em janeiro de 1981 fui para a Universidade.

Hoje, tantos anos depois, vasculhando nas minhas memórias, tudo me parece muito distante e irreal, como se fosse um filme, como se tivesse acontecido a outro. É a patine do tempo. Mas há espaços, edifícios e pessoas que nunca mais recuperaram. É esse o poder de um terramoto altamente colocado no bando do tal do Richter, como na anedota sobre Angola. Muda a vida da gente.

popeye9700@yahoo.com

 

 

BAGA 91 - DA PORTA DOS FUNDOS GOSTA MUITO MEMBRO DA IGREJA CATÓLICA

Janeiro 02, 2020

Tarcísio Pacheco

 

 

porta dos fundos.png

imagem em: https://medium.com/@igorrafi_63730/em-decis%C3%A3o-sobre-porta-dos-fundos-juiz-usa-os-simpsons-como-did%C3%A1tica-para-religiosos-d057e2d4d9a6

BAGAS DE BELADONA (91)

HELIODORO TARCÍSIO

 

BAGA DA PORTA DOS FUNDOS GOSTA MUITO MEMBRO DA IGREJA CATÓLICA – Uma espécie particularmente nojenta de escória brasileira sente-se, atualmente, promovida e encorajada pelo reles presidente que elegeram. É corja desse calibre que atacou as instalações da produtora do Porta dos Fundos com cocktails molotov.

Sou, desde sempre, fã deste grupo brasileiro, que tem uma produção intensiva de vídeos cómicos; fazem-me rir; aprecio o seu talento, sentido de humor, inteligência, irreverência e coragem. Acima de tudo, partilho com eles a ideia de que praticamente nada está acima do humor. O “praticamente” tem a ver com o facto de que jamais brincaria com a dor ou o sofrimento de alguém. Esse é o único limite que eu próprio me impus. Fora isso, de tudo devemos rir. Especialmente das coisas que a sociedade costuma rotular como “sérias” ou “graves”. A Humanidade é sumamente ridícula e não se deve levar a sério. E, à cabeça, estão coisas como política e religião. Há poucas coisas tão cómicas como as religiões. A começar pelo mantra “não se brinca com a religião de ninguém” e o seu afilhado imbecil da moda, “puseram-se a jeito”. Dá logo vontade de brincar, é o apelo do proibido. Compreendo que seja irresistível para o Porta. Há  tanto de que rir nas religiões: pastores histéricos a berrar que “sangue de Cristo tem poder”;  homens corvos, de longas suíças encaracoladas, a cabecear salmos sagrados junto a uma parede lamentosa enquanto lançam anátemas a palestinianos; as 72 virgens que aguardam no Céu todo o jihadista mártir; se for homem, claro, porque se for uma mártir só pode contar com o marido que tinha na Terra ou com o último marido, no caso de ter sido casada mais que uma vez; isto é, um primeiro marido de uma islâmica que casou mais vezes, se não for mártir, nem sequer terá direito à legítima esposa. Ficará condenado à abstinência ou à masturbação eternas? É uma questão teológica profunda e podem crer que aqueles barbudos fanáticos e sanguinários que entre eles passam por “religiosos”, os mullahs, são capazes de escrever tratados sobre estas coisas e sentenciar à morte alguém que se atreva a, discordar. E na religião católica? Praticamente tudo é risível. Uma religião solene, pesada e tristonha,  que assenta num livro “sagrado”, cujos textos, de proveniência mais que duvidosa foram selecionados e catalogados como “de origem divina” e “os únicos legítimos” pela própria Igreja, uma organização de poder que se disseminou pelo mundo todo, impondo o amor do “único Deus verdadeiro” a ferro e fogo. Que assenta num conjunto de crendices, lendas e mitos que ninguém conseguiu jamais provar de modo nenhum. Nem sequer a cruz, seu símbolo maior, é garantida pois não há qualquer prova ou indício relevante de que os Romanos tenham usado aquele tipo de cruz daquele modo, tecnicamente impraticável face ao objetivo final de provocar a morte após longo sofrimento. Uma religião que rotula de “mistério sagrado e insondável” tudo o que não consegue explicar nem faz sentido, que é a maior parte de quase tudo, a começar pela trilogia alienante do Pai, Filho e Espírito Santo. Uma religião toda assente num pobre hebreu que foi torturado e crucificado pelos Império Romano, o poder dominante da época, há cerca de 2020 anos, filho de uma virgem casada com um carpinteiro muito compreensivo, patrono de todos os cornos mansos da história, de quem quase nada se sabe, nem sequer quando e onde nasceu mas se diz que era “milagreiro” de ocupação principal e “pastor de homens”. E não podia ser gay?  Quase não sabemos nada da vida de Jesus, que é retratado como um judeu bonitão, magro e musculado, de barbinha e longo cabelo ondulado, até aparecer em cena repentinamente e começar a desencaminhar homens lá pela Galileia, tanto solteiros como casados. Aparentemente, descontando a lenda de Maria Madalena, que Saramago ficcionou brilhantemente, para grande desgosto de homens vulgares como Cavaco Silva, Jesus era um homem que vivia rodeado de homens, que tinham perdido a cabeça por ele, largado as mulheres e costumavam dormir ao relento, muito juntinhos, para se aquecerem nas frias noites dos desertos da Judeia. Isto é, no mínimo, suspeito. Agora digam-me, é justo alguém levar com um cocktail molotov por ter uma explicação alternativa e bem-humorada para o desaparecimento de Jesus no deserto por quarenta dias e outras tantas noites? Parece que ele foi tentado no seu retiro. Nada que seja invulgar em retiros cristãos. E foi tentado como, por quem? Não poderia ter sido por um belo jovem, de bigode louro? Afinal, barbas e bigodes faziam furor na época e estão, aliás, na moda outra vez. E se Jesus fosse gay? Ou preto? Ou cigano? Há sempre alguém estranho, odioso ou inferior, para cada um de nós. Em 2018, o Jesus do Porta dos Fundos era uma criatura cruel, tirânica, vaidosa e caprichosa. Mas era, aparentemente, heterossexual ou, melhor ainda, assexuado. Não houve cocktails molotov.

Patrão Neves abordou recentemente este tema no DI e deu-nos a perspetiva dela, convencional e politicamente correta, comme d’habitude. Ou seja, gasta dois terços do seu discurso a explicar-nos as virtudes da tolerância intelectual e da liberdade de sátira. Mas depois, lá vem a inevitável conjunção adversativa, neste caso, um literal “porém”. Pode-se brincar com tudo menos com a religião de alguém porque, nesse caso, a “liberdade transforma-se em libertinagem”. Resumindo, libertinagem é toda a liberdade de que alguém discorda. Ou seja, praticamente tudo na vida. Acho isto extremamente cómico. Deus deve andar ofendidíssimo com a gente e Ele não é para brincadeiras. Por isso nos manda pragas como a SIDA, o peixe-leão e Donald Trump.

Eu costumava considerar o fanatismo todo igual. Mas tenho que reconhecer que há diferenças técnicas.  É que o fanático islâmico não usa tecnologia molotov, prefere um prático colete de explosivos, que até pode ser personalizado. E assim sendo, garantidamente, sempre é um a menos sobre a Terra, no mínimo. Isso faz-me ficar dividido na minha escala de avaliação do fanatismo. Quanto ao Porta dos Fundos, a minha porta ficará sempre aberta. A da frente, claro, o gay é o Outro. popeye9700@yahoo.com

 

 

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