BAGAS DE BELADONA (34) - baga EUTANÁSIA
Março 22, 2017
Tarcísio Pacheco
BAGAS DE BELADONA (34)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA EUTANÁSIA – Este é o tema “fracturante” do momento, entre nós. Considero o assunto muito sensível mas, apesar disso, a minha própria opinião é relativamente sintética. Para que não fiquem dúvidas, sou a favor da eutanásia.
Considero que é um direito natural do ser humano dispor da sua própria vida e apenas da sua, obviamente. A própria sociedade o reconhece implicitamente ao não criminalizar o suicídio. Aliás, tal disposição seria sumamente imbecil, uma vez que se alguém quiser mesmo cometer suicídio (efectivo, não as patéticas encenações teatrais, com comprimidos e bagaço) nada nem ninguém o conseguirá impedir. Outra coisa, naturalmente muito diferente é qualquer tipo de apoio ao suicídio, o que já é criminalizado, uma vez que se o princípio não fosse assim, estaria aberto o caminho a toda a maldade e perversidade de que o ser humano é capaz. Todavia, isto nada tem a ver com a eutanásia, como é proposta actualmente e levada à prática nalguns países.
Há componentes do tema que me suscitam dúvidas, o que é natural. Por exemplo, hesito bastante no que diz respeito às crianças. Mas não tenho dúvidas de que, a ser legalizada a eutanásia em crianças, terá de haver um limite mínimo de idade, criteriosamente estudado.
Estes são momentos chave, em que a civilização avança ou estagna. A maturidade de uma sociedade e o seu estado intelectual são testados nestes momentos. Pode acontecer até que se regrida como aconteceu recentemente na Rússia, em que a frágil democracia russa deu um gigantesco passo à retaguarda ao descriminalizar a violência doméstica, sob critérios perfeitamente repulsivos e atávicos e como está a acontecer na bronca América de Trump, em diversos domínios.
Algo que não me suscita dúvidas é a absoluta necessidade de um amplo debate sobre o tema na sociedade portuguesa, sem prazo para acabar e sem pressões políticas. Até porque qualquer projecto legal sobre eutanásia tem de ser solidamente fundamentado e totalmente blindado, especialmente contra o “empreendedorismo” e o “espírito de lucro”, eufemismo comum para a simples ganância. Imagine-se o que poderia ser a abordagem neo-liberal à eutanásia. A sua privatização, a abertura de clínicas especializadas. O comércio de “partidas” para todas as bolsas, com ou sem adereços, com ou sem figurantes, em grande estilo ou em caixão de papelão reciclado. As partidas de luxo, no Dubai, para ricos. A publicidade nojenta que seria feita, género “morra connosco, morte de qualidade, não se vai arrepender, milhares de clientes satisfeitos”; “2 em 1, assista ao Carnaval de Veneza e morra em allegro, oferta de máscara funerária em vidro”… E não se podem deixar decisões desta magnitude apenas nas mãos dos políticos que, tantas vezes, obedecem a critérios perversos e mesquinhos, ditados por necessidades políticas e para agradar às suas clientelas e eleitores. Por isso, o debate deve culminar num imprescindível referendo. Este tem os seus perigos bem reais. As manobras de manipulação intensificam-se muito nos períodos pré-referendários. E sabemos como a opinião pública é facilmente manipulável num país como Portugal. E, nestes casos, costuma ter condições mais vantajosas o lado da convenção social. Que, no caso da eutanásia se traduz em aforismos de sabor bíblico do tipo “a vida humana é sagrada” ou “ o poder da vida e da morte pertence apenas a Deus”. Deixo de fora, neste caso, a opinião de Deus. Acima de tudo porque não há qualquer prova de que Deus exista e muito menos de que tenha, jamais, comunicado directamente com algum ser humano. Por isso, quando alguém diz, “Deus disse” ou pior ainda “Deus disse-me” está a fazer política ou a ouvir vozes na sua cabeça.
Nós já praticamos a eutanásia, há muito tempo, com grande mágoa, por vezes, mas sem qualquer problema ético. Praticamo-la em animais de estimação, como cães e gatos. E aí, aplicamos critérios de bom senso e razoabilidade: “coitadinho, estava a sofrer muito”; “já nem sabia que estava neste mundo”; “é melhor assim, pelo menos não sofre mais”; “não havia nada a fazer” e etc. Quando pensamos em seres humanos, a razão e o bom senso vão de férias. Lamento dizer que do ponto de vista intelectual e racional, não há grande diferença. Obviamente que ela existe relativamente aos seres humanos, ao nível emocional, o que é compreensível. Mesmo que algumas pessoas gostem mais de animais do que de seres humanos. Até o tio Adolfo adorava a sua cadela alsaciana.
É impossível fazer aqui uma análise exaustiva sobre um tema tão sensível. Mas quero ainda referir duas perspectivas sobre a eutanásia, publicadas recentemente pelo DI, que me repugnaram. Uma, de um deputado ultra conservador do parlamento açoriano, que compara o incomparável, o direito à própria eutanásia, tal como é formulado hoje em dia, com os projectos nazis de eugenia e com o assassinato de doentes mentais e de pessoas com deformidade físicas. Como não acredito que o senhor deputado seja assim tão imbecil, restam a malícia e a hipocrisia. Uma senhora deputada europeia, veio também dizer-nos que eutanásia em Portugal não “porque não tem expressão no contexto social português”. Como todas as pessoas que se julgam muito espertas, acha que o resto do pessoal é estúpido. É uma posição paternalista e condescendente que tenta passar um atestado de atraso e ignorância ao povo português. É exactamente a mesma posição de Salazar quando dizia que “estrangeirismos” como democracia e eleições livres não eram para os Portugueses. Ou da igreja católica portuguesa relativamente à descriminalização do aborto, à facilitação do divórcio ou ao casamento homossexual. Acorde, senhora deputada, Portugal já não é só futebol, Fátima e fado.
Finalmente, ninguém pode debater seriamente este assunto sem se informar muito bem sobre as condições em que a eutanásia é realizada, na Holanda, por exemplo. A propaganda ideológica, manipuladora, hipócrita e falsa está aí por todo o lado.
imagem em: http://www.notapositiva.com/old/pt/trbestbs/filosofia/10_eutanasia_d.htm