BAGAS DE BELADONA (22)
Novembro 22, 2016
Tarcísio Pacheco
Imagem em: https://www.youtube.com/watch?v=gFcdiTcWk7U
BAGAS DE BELADONA (22)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA PREDADORES – Dizem que a política é uma arte nobre, que consiste em gerir a coisa pública em nome do bem comum. É uma frase que fica bem, quase apetece emoldurá-la, com ponto cruz à volta, por cima do piano da pequena. Infelizmente, na prática, não é nada disto. É mais como coisar a coisa pública de modo a ela se ajeitar às coisas de cada um, sejam elas benesses materiais, poder, ambição, ânsia de protagonismo, orgulho e vaidade, projecção social ou simples gosto pela velhacaria e pela intriga.
Tive a felicidade de deparar na nossa renovada biblioteca pública com um livrinho muito útil e esclarecedor, intitulado OS PREDADORES e escrito por Vítor Matos, um jornalista político da revista Sábado, que também publicou a biografia de Marcelo Rebelo de Sousa, em 2012. Ou seja, alguém que actual presidente da república deve ter considerado fiável.
Este livro deveria fazer parte do Plano Nacional de Leitura e ser uma obra obrigatória nas escolas, entre o 10.º e 12.º ano, quando os partidos políticos começam a fazer proselitismo e recrutamento. Devia estar lá a par de O Crime do Padre Amaro e de Viagens na Minha Terra, já que se trata de verdadeiros crimes cometidos desde sempre, por todo o lado, na nossa terra. Seria um grande passo na educação da juventude portuguesa. Parar de lhes mentir e mostrar-lhes a verdade. Que tal?
Num discurso claro e sustentado, Matos mostra-nos como funcionam os dois grandes partidos do chamado “bloco central”, PSD e PS e como foram construindo, desde 1974, um denso sistema piramidal de dependências e recompensas. Afirma também que muito haveria a dizer sobre o PSD-Madeira e o PS-Açores mas que, pela sua especificidade, mereceriam outras obras, só para eles.
Ficam aqui patentes verdades assombrosas mas que podem surpreender apenas quem não esteja atento à realidade ou não possua qualquer espírito crítico. O autor mostra-nos como é constituída a pirâmide do poder, com três níveis, Os de Baixo, Os do Meio e Os de Cima, em que os de baixo apoiam os que estão acima com votações controladas e viciadas e os de cima sustentam o que estão abaixo com lugares e benefícios. Deixa claro ainda que não há políticos “bons, inocentes ou ingénuos”, esses não servem para a política. Nem todos os líderes políticos fizeram batota ou cometeram vigarices mas todos tiveram que pactuar com elas ou fechar os olhos.
Isto confirma e reforça a minha leitura de sempre, oposta à do senso comum: regra geral, com algumas excepções (mas não se acotovelem já porque não cabem todos…), são as piores pessoas que vão para a política, especialmente os que se tornam políticos profissionais. O meu exemplo paradigmático é o Dr. Mole Pastoso mas é muito difícil escolher. Há muitos empates técnicos.
Para que não restem dúvidas sobre o que é que se está a falar, Matos destaca na contracapa os temas mais importantes que aborda: como Relvas fabricou Passos Coelho através de uma rede de influências e recompensas; a clientela partidária de António Costa na câmara de Lisboa; Marco António Costa, de “jotinha” a cacique perfeito; como Luís Filipe Meneses alcançou a liderança do PSD através da pirataria informática; como vale tudo para ter votos, até oferecer dentaduras e o embuste das primárias do PS.
Embora aplauda fortemente a publicação deste livro, dois detalhes fundamentais me separam do seu autor. Vítor Matos é um duro crítico e reconhece que PS e PSD são o coração deste sistema predatório. Contudo, mesmo assim, ele não é contra “o sistema”, ele acha que a democracia só é possível com partidos políticos. Ora, eu recuso-me a acreditar nesta antinomia radical: sistema partidário versus ditadura ou caos. Há-de haver alternativas. Há sempre.
Por outro lado, Matos é de um incrível optimismo. Apesar de reconhecer que foram basicamente PS e PSD (ocasionalmente, com o CDS-PP), desde o 25 de Abril, a montar este sistema sinistro e mafioso, absolutamente não democrático na essência e nas práticas, que promove a mediocridade e o carreirismo, que corrói a alma do país, que beneficia as elites, que favorece a corrupção e que afasta os cidadãos, levando a abstenções crescentes e fazendo perigar a democracia, ele ainda acha que o sistema deve continuar, têm é de se “reformar, purgar, moralizar”. Agora, digam-me lá se isto não é quase uma questão de fé religiosa… Se estamos a falar de milagres…
Caros leitores, neste Natal, ofereçam este livro às pessoas de quem gostam. Às outras também. Já mandei uma cartinha ao Pai Natal, para ele reforçar o stock. POPEYE9700@YAHOO.COM