BAGAS DE BELADONA (14)
Março 29, 2016
Tarcísio Pacheco
imagem em: http://24.sapo.pt/article/sapo24-blogs-sapo-pt_2016_02_26_2106801702
BAGAS DE BELADONA (14)
HELIODORO TARCÍSIO
BAGA FITA AMARELA – Quanto ao cartaz do BE sobre a dupla paternidade de Jesus, achei-o genial, em termos de senso de humor. Não sei é se foi muito inteligente usá-lo naquele contexto. Os efeitos contraproducentes eram previsíveis. Tanto que recuaram de imediato, o que prova a precipitação. É bem capaz de haver por aí uma Associação de Homossexuais Católicos, doidos para adoptar, que se tenham escandalizado. Mas isto é outra história. Sempre que um dirigente político ou uma figura com visibilidade pública declara que condena a violência mas que não se deve brincar com a fé das pessoas, embora defenda “até à morte” o direito a fazê-lo (uma declaração com origem em Voltaire, um conhecido crítico da Igreja), está na verdade a ser hipócrita, a justificar o fundamentalismo religioso e não a perfilhar a tolerância e a abertura de espírito que caracterizaram o grande Voltaire. Voltamos à velha história, que já abordei aqui, da definição de sagrado. Há sempre uma alminha qualquer para quem um calhau, um rato, uma bosta de vaca são sagrados. Uma lista de temas “sagrados” sobre os quais deveria ser proibido fazer humor neste mundo seria interminável. Na India não poderia fazer piadas sobre vacas. Em Portugal não poderia brincar com a virgindade de Maria, uma mulher que pariu. No Estado Islâmico não poderia ouvir música, parece que incomoda Maomé e aborrece Alá, que preferem o assobio de um morteiro ou a pipocada de uma metralhadora. Do meu ponto de vista, as religiões, todas elas, umas mais que outras, dos dogmas às práticas, prestam-se imenso à sátira e isso nem é recente. Veja-se o que Gil Vicente já nos séc. XV/XVI dizia sobre a licenciosidade do clero. Quinhentos anos depois, ainda há quem queira proibir brincadeiras com o “sagrado”. Ou cortar cabeças por causa disso. Afinal, parece que não progredimos grande coisa. Uma piada sobre a duvidosa paternidade de Jesus de Nazaré gera mais indignação do que as notícias tão frequentes sobre padres apanhados a sodomizar meninos de coro. Nunca vi Ferraz da Rosa escrever uma letra sobre a pedofilia na IC mas sentiu-se muito ofendido pelo cartaz do BE….
Pois eu, caríssimos, brinco com tudo, só respeito a morte e o sofrimento de outrem. Com isso, não brinco. Mesmo assim, ninguém me pode impedir de brincar com a minha própria morte, embora, muito compreensivelmente, deseje que ela ocorra o mais tarde possível e sem incómodos de maior. Por isso é que os meus amigos e familiares sabem que voltarei para assombrar quem me amortalhe com um raio de um fato e de uma gravata e se ponha a mandar rezar missas. Não tenho fato nem gravata e missas seriam redundantes porque me aborrecem de morte . E que não quero velório, quero é relambório, uma grande festa com comida, bebida e samba e que se lembrem um bocadinho de mim, claro mas só das coisas boas. O resto, perdoem-me, se puderem. Quando eu morrer, não quero choro nem vela / quero uma fita amarela, gravada com o nome dela / Não quero flores, nem coroa com espinho / só quero choro de flauta, violão e cavaquinho (Noel Rosa, 1932). POPEYE9700@YAHOO.COM