Comentário do Sr. Nuno Solano de Almeida:
Caro Nuno Almeida
Se não entendeu a natureza do meu confronto com Isabel Ferreira, então não entendeu nada e, nesse caso, deverá documentar-se melhor, a fim de estar plenas condições para dialogar comigo sobre este assunto. Por exemplo, se apenas leu este artigo que comentou, então, manifestamente, não tem suficiente informação para poder argumentar com conhecimento de causa. Deverá então ler todos os meus artigos sobre esta polémica. E volte depois, recebo-o com todo o gosto pois nunca entro numa polémica sem estar convicto dos meus argumentos.
A palavra que usou para se referir ao meu grau de instrução, “literado”, não existe ou pelo menos não está dicionarizada. Devia, com certeza querer dizer “literato” ou “letrado”, que podem ser adjetivos ou substantivos que designam, à partida, aquele que possui muitos conhecimentos de literatura. Quanto a isso, penso que deve abster-se completamente de tecer comentários. O senhor não me conhece de parte alguma, para poder avaliar-me a esse nível. E se me conhecesse, isso não iria ser muito bom para Isabel Ferreira, uma vez que sou um homem da área das Letras, ela é médica veterinária e, por exemplo, tenho a certeza que escrevo melhor do que ela, tanto do ponto de vista formal, como do ponto de vista da organização do discurso, da substância e qualidade das ideia e até da articulação da argumentação. Cada um tem a sua formação, os seus talentos, os seus valores e ideais e aplica-os da forma como acha melhor.
Vamos agora aos factos. O facto de Isabel Ferreira ser médica veterinária significa apenas que trabalha no meio e que tem determinados conhecimentos técnicos. Isso não lhe dá o direito de estabelecer dogmas, de achar que é a única pessoa a ter razão e que toda a razão lhe pertence. Até porque o menos que falta são médicos veterinários ligados ao meio taurino e que têm opiniões diferentes das dela. O facto do senhor achar que uma divergência de opiniões não oferece qualquer disputa também lhe fica nada bem pois é uma atitude intelectualmente muito arrogante. A divergência de opiniões é fundamental para a evolução das sociedades e a disputa no campo das ideias é a única forma legítima e eticamente aceitável de operar a evolução.
O meu confronto com Isabel Ferreira não radica essencialmente na defesa do conceito de tourada. A razão principal para isso é eu pensar que existem muitos tipos diferentes de touradas. O senhor e Isabel Ferreira acha que são todas iguais, o que me parece uma posição incoerente e impossível de sustentar. Sobretudo pelo facto de que as touradas, onde existem, por esse mundo fora, exibem diferenças muito substanciais. Algumas são muito nocivas para os animais, nalguns casos mortais mesmo, algumas um pouco nocivas e outras pouco ou nada nocivas. Dizer que são todas iguais , que todas significam “tortura” e “grande sofrimento” para os animais é uma posição incoerente, tosca e grosseira. E algumas estabelecem compromissos com os animais, quase uma espécie de “acordo”, que tem caraterísticas vantajosas para eles, por oposição à pura e simples extinção. Está neste caso, do meu ponto de vista, a tourada à corda na ilha Terceira.
Contudo, não vou aqui repetir a minha defesa da tourada à corda na ilha Terceira. Essa está suficientemente expressa nos meus artigos sobre este tema, publicados no Diário Insular e neste blog. O meu confronto com Isabel Ferreira é no âmbito da tourada à corda terceirense e não se radica no facto de termos ideias diferentes sobre o assunto. Esse facto, para mim é totalmente respeitável. Ninguém encontra artigos meus em lugar algum defendendo as touradas em geral nem tomando partido na guerrilha taurinos / anti-taurinos. E tenho o maior respeito pelas pessoas que defendem os direitos dos animais, até porque são meus camaradas de luta, eu próprio sou um deles. Sou um defensor dos direitos dos animais e tenho-me manifestado ativamente, de diversas formas, contra tortura, maus tratos e abandono, eutanásia em canis e gatis públicos, criação industrial para abate, criação industrial para aproveitamento de subprodutos (pele, pelo, penas, ovos, leite, fígado), experiências com fins médicos ou de investigação, animais em circos, animais em jaulas em zoológicos, contra a caça à baleia nos Açores, contra a caça controlada de golfinhos nos Açores (defendida por um alto responsável açoriano há anos atrás) e a favor do vegetarianismo como base da alimentação humana, por exemplo. Amanhã mesmo vou participar como voluntário numa feira de adoção de cães e gatos. Não aceito lições no campo da defesa dos animais. Mas aceito ideias diferentes das minhas, essa é para mim uma atitude fundamental na vida. Aceito e até aprecio o confronto de ideias.
O que não aceito são mentiras, deturpações e manipulações descaradas de factos e imagens. Assim como não aceito que se critiquem as ideias dos outros através do insulto grosseiro, gratuito e generalizado. Ora, tudo isto é a base do ataque de Isabel Ferreira à população da ilha Terceira. A primeira vez que Isabel Ferreira respondeu a um comentário meu no blog dela, sem me conhecer de parte alguma nem fazer a mais pálida ideia de quem eu sou, escreveu por exemplo que eu “não tenho uma profissão digna de um ser humano”. Ora, eu sou licenciado e funcionário público além de que não tenho qualquer ligação objetiva ao mundo taurino, excetuando o facto de ser terceirense a apreciar a tourada à corda na minha ilha. Neste campo em particular, Isabel Ferreira não tem, aliás, qualquer conhecimento de facto, uma vez que confessa nunca ter posto os pés na ilha Terceira nem desejar fazê-lo. Por exemplo, eu condeno o consumo de carne de cetáceos no Japão e sou capaz de escrever sobre isso mas não me passa pela cabeça insultar os Japoneses, escrever que eles são “incivilizados”, “gente sórdida” , “gente de maus instintos”, etc. Claro que falamos aqui de alimentação, não de divertimento público. Mas os Japoneses não precisam de comer carne de cetáceos para sobreviver. Isso é um acto cultural. Tal como a tourada à corda terceirense. Se o senhor quiser ter uma atitude leal e correta e quiser saber em que termos discordo de Isabel Ferreira, faça o favor de ler tudo o que escrevi o assunto.
Reportando-me agora ao seu comentário em particular, você e Isabel Ferreira acham que torturamos os toiros na ilha Terceira. Eu não acho e apresento argumentos nesse sentido. Não vejo nada de sádico nem em mim nem na maioria da população terceirense. No mais, concordo consigo, quem tortura animais é cruel e sádico. Do mesmo modo que “carnificina” não é um termo inventado por si ou por Isabel Ferreira. É um termo com conteúdos muito bem definidos. Nesse sentido, eu, que sempre vivi na ilha Terceira, não vejo qualquer carnificina associada à tourada à corda. Não basta dizê-lo, é preciso prová-lo e apresentar argumentos inteligentes e consistentes. De forma bem educada e respeitadora, evidentemente. Outrossim, vejo carnificinas na ilha Terceira, em todas as ilhas açorianas, na Madeira e em todo o Continente português, nos matadouros, aviários e outras unidades de produção de carne e subprodutos animais. Aí sim, há uma imensa, sangrenta, cruel e inumana carnificina, todos os dias. Sem qualquer defesa ética, uma vez que comer animais e usar peles e pelos de animais no vestuário são actos culturais, todos eles com alternativas. Talvez Isabel Ferreira devesse envolver-se nessas questões. Até porque, como médica veterinária, deve estar completamente consciente da crueldade, tortura, monstruosidade e inumanidade que estão envolvidas nas indústrias de criação de animais. Quanto ao papel das gerações mais jovens, isso é o que me deixa mais tranquilo. Respeitarei decerto qualquer tendência na sociedade portuguesa para acabar com as touradas, centrada nas gerações mais jovens. É assim que se opera a transformação social. Se, no futuro, uma maioria dos Portugueses se opuser às touradas em Portugal, então Portugal deixará de ser um país de toiros e touradas. Ocorrerá uma transformação tranquila e democrática. Portugal tem de ser o que a maioria dos Portugueses quiser em cada momento histórico. É por isso, aliás, que estamos na situação atual, porque uma maioria (relativa) de Portugueses assim o quis. No entanto, como existem diferentes tipos de eventos culturais que envolvem toiros em Portugal, acredito que esse assunto não poderá deixar de ter uma dimensão regional e que as populações locais terão a última palavra. Mais ainda no caso dos Açores, que são uma região autónoma, com órgãos próprios. A esse propósito, posso apenas referir que as touradas à corda na ilha Terceira continuam a ter uma maciça participação das camadas mais jovens, por enquanto. Assim é também nas ilhas Graciosa e S. Jorge, em menor escala. As touradas à corda na Terceira acabarão quando uma maioria do povo terceirense o quiser e ponto final. Será pacífico nessa altura, embora já não seja para o meu tempo. Por enquanto, posso garantir-lhe que a ilha, como comunidade, nem sequer admite discutir isso, a questão, simplesmente não existe. Quanto ao facto do senhor não ter entendido a referência à ilha Terceira como “terra de bravos”, lamento mas a culpa não é minha, é uma questão da ignorância da sua parte e não tenho paciência para lhe explicar isso aqui. Consulte a História de Portugal e a História dos Açores e aproveite para se cultivar. Também não entendi o que você quer dizer com o “meu lado da questão”. A minha abordagem à questão é bastante pessoal, como me parece bem evidente. Se Isabel Ferreira recebeu comentários odiosos de terceirenses no blog dela, são inteiramente merecidos, tendo em conta a forma odiosa como insultou diretamente todos os terceirenses que gostam de touradas à corda. Tivesse criticado a tourada à corda terceirense com inteligência, educação e respeito e isso não lhe teria acontecido. Colheu o que semeou, ela que tente aprender alguma coisa com o sucedido. Também não vejo o que misoginia e homofobia possam ter a ver com a questão e menos ainda comigo, que sou também um ativista na defesa dos direitos das mulheres e na luta contra a homofobia. Não me misture com essas questões por favor, já que, de certeza absoluta que não encontra nada nesse sentido nos meus escritos. Deve estar a confundir-me com outra pessoa. Quanto ao que o senhor chama de insulto, “cunnilingus no orifício anal dos Espanhóis”, vê-se perfeitamente que ou lhe falta capacidade de análise ou nem sequer leu o artigo de Isabel Ferreira no Diário Insular, que motivou a minha resposta e o seu comentário. Nesse artigo, com a pobreza argumentativa que lhe é peculiar (não devem ensinar nada disso nas faculdades de medicina veterinária mas na minha faculdade ensinam….) Isabel Ferreira tem o descaramento de dizer que não insultou os terceirenses porque expressões como “doentes mentais” e “gente sórdida” vêm no dicionário. Foi em resposta a isso que, de uma forma jocosa que, obviamente, o senhor não entendeu, substituí a popular expressão portuguesa que exprime subserviência – lamber o rabo – por cunnilingus no orifício anal (com termos que vêm no dicionário), referindo-me ao episódio histórico que distingue a ilha Terceira como ÚNICO território português não submetido aos Espanhóis entre 1580 e 1582. Se também não conhece isto, então precisa mesmo, urgentemente,de fazer uma revisão da História de Portugal. Se acha incorreto usar insultos que vêm no dicionário, então, por favor, peça satisfações a Isabel Ferreira, uma vez que ela é quem usa essa técnica como estratégia de base numa discussão.
Senhor Nuno Almeida, entendamo-nos, se pretende trocar argumentos comigo sobre a tourada à corda na ilha Terceira, fique à vontade. Desde que o faça de forma respeitosa e bem educada, senão não lhe respondo. E apresentando argumentos inteligentes senão também posso não lhe responder, por falta de interesse e motivação. E sem fazer considerações sobre a minha pessoa, que o senhor desconhece por completo. E, já agora, se nunca esteve na ilha Terceira, talvez convenha vir cá assistir a uma tourada à corda, para não fazer figura de ignorante como Isabel Ferreira. O que penso sobre ela está claramente descrito no meu artigo. Não desanime, o senhor começou com o pé esquerdo mas pode sempre melhorar :)
Tarcísio Silva, terceirense