QUESTÃO TAURINA - UM TIRO NO PÉ: OLÉ!
Agosto 30, 2012
Tarcísio Pacheco
imagem: http://www.grupoclarin.com.ar/novedades/ole-es-segundo-site-informativo-del-pais
Não costumo escrever sobre toiros e touradas. Fi-lo uma única vez, há muitos anos, em resposta a um artigo pateta, publicado no Açoriano Oriental, escrito pela responsável da antiga “Página Feminina” daquele jornal, uma tal D. Irene Ataíde. Esse artigo, entalado entre receitas de culinária e textos sobre a sagrada missão da mãe, numa página feminina já anacrónica nos anos 80, era dedicado às touradas de praça; o tom geral era o da “nobre luta entre o homem e o animal” e estava cheio de lugares comuns, ideias feitas, falácias e inexactidões. Creio tê-lo desmontado bem.
A razão para não escrever sobre este tema é bem simples. Sei que apanharia dos dois lados. Tenho ideias firmes e fundamentadas relativamente aos temas sobre os quais reflito e orgulho-me disso. Reconheço no entanto, humildemente, que não é o caso das touradas. Sou dúbio, incoerente, incerto e tendencioso neste domínio. Nasciem S. Jorge, na Fajã dos Vimes mas sempre vivi na Terceira. Desde que me lembro, sempre assisti a touradas, à corda e de praça, no velho recinto da Praça de S. João. E gosto, da tradição, do bulício, da animação, das vestimentas, da música, dos touros e dos cavalos, enfim, daquele ambiente todo, com que nunca tive contato direto (sou do mar…) mas que está nas minhas raízes. Ainda hoje em dia, com a idade que tenho e que não vou revelar, sou visto frequentemente nas touradas à corda, sempre de calções e sapatilhas, a correr atrás do toiro, a fugir dele ou empoleirado precariamente num poste da luz (v. minha página do Facebook sff, recente tourada na Feteira).
Por outro lado (somos seres pluridimensionais) , tenho o saudável hábito de pensar. E gosto da Natureza em geral, sou muito ecológico (já era antes de estar na moda) e amicíssimo dos animais. O que eu ajudei na minha vida, de cães abandonados, gatos atropelados e avezinhas feridas na asa, para desespero da minha mãe, que gosta muito de animais… no prato. Polvos, por exemplo, acha-os inteligentes e interessantíssimos, sobretudo quando bem tenrinhos.
Isto vem tudo a propósito de um artigo que li em “A União” de 24 de Agosto, “Como os Aficionados Contribuem para a Luta Antitourada”, da autoria de Francisca M. Ávila (FMA). Não vou comentar a totalidades deste artigo. Dada a minha confessada duplicidade neste assunto, até é natural que concordemos nalguns pontos. Como concordo com os taurinos ás vezes, nisto sou um vendido, um duplo espião, a versão máscula de uma Mata-Hari. Mas, concordâncias à parte, há dois ou três disparates neste artigo, que me fazem comichão na inteligência. A certa altura FMA refere “(…) as personalidades tendencialmente agressivas de quem assiste a touradas”. E ainda diz a respeito disto o seguinte “(e eu nunca precisei de confirmação)”. A afirmação de FMA é, obviamente, uma generalização sem sentido, uma especulação torta e uma forma de expressar um preconceito claríssimo. Que ainda por cima se dá ao luxo de prescindir de confirmações. Quem é a favor das touradas é agressivo, quem é contra é pacífico. Isto é pintar o mundo a preto e branco, o que nunca é inteligente. Eu sei que FMA não disse isto. Mas é uma inferência lógica do seu discurso. E é uma afirmação que, além de ser vagamente imbecil, não se apoia em qualquer estudo científico sobre o assunto, que, simplesmente, não existe. Fica aqui o desafio, façam-no, promovam-no. Não é assim tão difícil, mesmo que os resultados possam, muito provavelmente, ser questionados por ambas as partes em conflito. É que, no que diz respeito à mente humana e aos fenómenos sociais, os resultados também raramente são a preto e branco. E já agora, se aquela gente que estava a protestar contra a tourada em Viana do Castelo é pacífica (cerca de 300 pessoas, ena pá, tantos anti-taurinos contra os 2.500 taurinos que estavam na praça), só digo que não me quero cruzar com nenhum deles numa noite escura…
Continuando, mais à frente, FMA, diz que viuem Ponta Delgadauns “(…) turistas, provavelmente nórdicos” a olhar para as imagens de um DVD sobre touradas à corda na Terceira, e que “(…) o seu olhar era claro como água: o repúdio total.” Cá para mim, esses turistas tinham andado nos copos e deviam ter os olhos meios turvos, daí a confusão de FMA. É que eu já ando por aqui há muitos anos. Vejo com muita frequência turistas de todos os lados do mundo a olhar para os nossos DVD’s das touradas e vejo um pouco de tudo, desde gargalhadas, susto, compaixão pelos colhidos, admiração pela coragem dos capinhas, interesse cultural, mera curiosidade etc. Confesso que ainda não vi “repúdio total”. Mas pode ter acontecido nalgum dia que eu estivesse distraído ou tenha começado a chover. Será que a FMA tem alguma foto dos olhos dessa gente, provavelmente nórdica? Outro lugar comum, se é louro e branco é nórdico e pacífico com certeza. Pois, lembrei-me agora do norueguês ANDERS BREIVIK, sei lá porquê, aposto que ele é contra as touradas. Ou talvez não, parece um ótimo lugar para bombas e massacres. Se é o caso de ter fotos, envie-me para o mail por favor. Quero ver, imprimir e depois andar por aí de foto na mão a comparar olhares, a observar gente com ar nórdico. Ainda levo uma verdascada com um daqueles paus ferrados finos (são os nórdicos que usam essas coisas, não é?). E o que se vê de gente com ar nórdico, nas touradas à corda, muito divertidos, de máquina fotográfica em punho… FMA, a menina não sabe porque não vai lá, por isso não diga que não com a cabecinha…Ah, claro, deve ser para documentar futuros protestos no Parlamento Europeu…
Um poucochinho mais à frente, FMA ainda refere umas “senhoras de certa idade”, láem Ponta Delgada, que, em micaelense no original, criticavam as touradas à corda da Terceira, dizendo aquela gente devia pôr-se a ler um livro em vez de atormentar os bichos. Ó FMA, mas que aliadas a menina se lembrou de ir buscar…Logo velhinhas de S. Miguel. O Carlos César nem sequer lê documentos fundamentais do Governo (diz o Jaquim Machado, eu cá não sou home d’ enredos)….Vivi seis anosem Ponta Delgada.Tenhoa certeza que uma grande parte da massa micaelense lê a lista telefónica e rótulos de shampoo. E isto com dificuldade. Por isso, dificilmente podem dar conselhos culturais.
FMA, para terminar, vou dar-lhe três coisas, inteiramente de graça e bem pacíficas. Duas são conselhos: não coloque no mesmo saco touradas de praça e as touradas à corda da nossa ilha, não têm nada a ver; e pense um pouco mais antes de escrever, embora eu até aprecie o seu entusiasmo e militância. A terceira, é a revelação, em primeira mão, do que realmente penso sobre as touradas. Use como entender.
Gosto das touradas à corda terceirenses, que são muito mais perigosas para as pessoas do que para os animais e que são, em minha modesta opinião, a única garantia da sobrevivência, genética e de facto, do touro de lide terceirense. Acho que dificilmente acabarão algum dia porque continuam a suscitar o interesse de todas as gerações, incluindo as mais jovens e fazem parte do nosso património mais profundo.
Não gosto de espanholices. Gosto das touradas de praça à portuguesa, assisto a algumas, sem ser muito assíduo. Acho que os forcados têm testículos de aço, que eu gostaria de ter. Mas sou crítico em relação a alguns dos pressupostos de base. E raramente li, da parte dos chamados “taurinos”, qualquer defesa inteligente. Já li até defesas boçais, assentes em pretensos critérios científicos. Aqui na Terceira, só conheço uma pessoa, da minha geração, que escreve bem e com inteligência pelo lado dos “taurinos”. Mas defende o indefensável. Em última análise, se o mundo não acabar já em 21 de Dezembro, acredito que as touradas de praça acabarão um dia, tal como acabaram as lutas de gladiadores e algumas lutas entre animais (outras ainda se praticam…). Terão tendência para acabar, à medida que for crescendo a consciência coletiva da Humanidade e nos formos transformando noutra espécie, melhor, se tivermos tempo para isso. Mas não é para o nosso tempo, FMA… Por isso e, entretanto “Uei pá, vamos pós toiros?”. POPEYE9700@YAHOO.COM