DIA EUROPEU SEM CARROS - 2010
Setembro 30, 2010
Tarcísio Pacheco
imagem: geocastemaia.blogspot.com
E lá passou, de mansinho, o 11.º Dia Europeu Sem Carros. As reacções têm sido quase sempre as mesmas. Muitos não entendem, outros não concordam e há muita gente que, mesmo concordando, acha “que não vale a pena”.
Para mim, vale sempre a pena. Trata-se de uma acção anual de sensibilização para que toda a gente, mas especialmente as crianças, possa aperceber-se da beleza e da paz de um mundo sem automóveis, pelo menos no coração das cidades.
Na verdade, o mundo, salvo raras exceções, não precisa de automóveis particulares. Eles constituem uma necessidade perfeitamente artificial, mais uma triste criação humana. Existem sobretudo para enriquecer os donos de dois dos maiores poderes do mundo, o lobby dos donos do petróleo e o lobby dos construtores e comerciantes de automóveis. Claro que vender automóveis é uma atividade perfeitamente legal e digna. Os comerciantes são nossos amigos, familiares ou…somos nós próprios. Refiro-me a um nível muito mais profundo.
A monstruosa circulação constante de automóveis, na maior parte do mundo dito “civilizado” ou “urbanizado”, é um dos mais relevantes fatores que contribuem para o aquecimento global e que estão a matar e a envenenar o nosso mundo, agora já não lentamente. É um dos traços mais marcantes do nosso modelo de civilização, caraterizado por uma pressa aflitiva e inexplicável, para ir sempre mais depressa a todo o lado. É uma espécie de vírus de loucura coletiva.
Ao nível local, as nossas pequenas ilhas podiam ser idílicas. Mas temos vindo a saturá-las de uma forma absurda com tráfego automóvel, a um ritmo sempre crescente. Lembro a Terceira da minha infância e sinto o ambiente urbano insuportavelmente poluído, barulhento, feio, agressivo… Acho que foi também por isso que vendi o meu último carro em 2006 e não voltei a adquirir outro. Fartei-me de automóveis artificialmente caros, de taxas e mais taxas, de multas, de seguros mafiosos obrigatórios, de problemas de estacionamento, de gastos de combustível, de contas de oficina, de pombos a defecar-lhes em cima, da tirania da pressão social para manter o carro lavado (o conhecido “lava-me porco”). Passaram 4 anos e continuo a fazer calmamente a minha vida, como toda a gente, embora o mundo à minha volta, por falha das autoridades e por falta de educação das pessoas, seja cada vez mais hostil para com os peões. Andar a pé hoje em dia, em Angra, nos arredores e na ilha em geral, é cada vez mais perigoso e a Polícia de Trânsito está completamente concentrada nas multas dentro dos perímetros urbanos. Entretanto, no Largo da Silveira e no Caminho do Meio de S. Carlos, por exemplo, cresce o estacionamento abusivo e selvagem em cima dos passeios, atirando os peões para a rua. Talvez nem precisasse polícia se nos passeios fossem instalados marcos e correntes, que impedissem o estacionamento fora das zonas delimitadas.
A nível global, a situação piora constantemente. Países muito populosos, como a China e a Índia, com uma fortíssima tradição de transporte não poluente, a pé, de búfalo, de bicicleta, estão agora, alegremente, a equipar os seus cidadãos com carritos. A mensagem, louca, irresponsável, maliciosa, é que todos podem ter um carrito… Está aí a chegar o carro indiano, para todos.
Muitos sentem-se vagamente tranquilizados porque parece que alguns esforços estão a ser feitos: energias alternativas, carros elétricos, mais transportes coletivos. Mas desenganem-se, basta o carrito indiano para desiquilibrar tudo. E se alguém quiser ter um visão do Inferno, que Dante nunca poderia ter imaginado, que se atreva a fazer um curto percurso de carro, como eu já fiz, no centro de Jakarta, por exemplo.
A nossa vida é muito imperfeita e temos que a ir vivendo. O meu amigo Dudu vende carros e se isso o faz feliz, pois que venda muitos, para que possa continuar a encantar-nos com o seu pandeiro (ás vezes com o meu…) no Bossa Quinteto. E fico feliz pelos amigos que compram o carro novo dos seus sonhos. Mas, no fundo, minha gente, sinto dizê-lo, com toda a sinceridade, acho que estamos completamente lixados. POPEYE9700@YAHOO.COM