CONSIDERAÇÕES INTEMPESTIVAS 4
Junho 10, 2010
Tarcísio Pacheco
imagem: http://www.not1.com.br/lei-oficializa-casamento-gay-uniao-estavel-entre-casais-gays/
CASAMENTO GAY. Fiquei feliz por elas. Juro que é verdade. Helena Paixão e Teresa Pires uniram os seus destinos no passado dia 7 de Junho, em Lisboa. E à noite houve festa de arromba no Bairro Alto. Tal como vaticinei, não há muito tempo, nas páginas deste mesmo jornal, o casamento homossexual tornou-se uma realidade no nosso país. Cavaco Silva, embora trombudo e com acidez estomacal, não teve outro remédio senão assinar o diplomazito. Se lhe aturamos o carão severo e grave em S. Bento e a sua limitada mundividência, é, sobretudo, para que ele represente o país e assegure o respeito pela Constituição e mais nada. Quanto à opinião privada dele, que a guarde para a D. Maria, a seguir à novela das sete… Os padres também ficaram possessos, vá-se lá saber porquê, tendo em conta o ambiente misógino e propício a práticas homossexuais dos seminários… D. José Policarpo, como é seu hábito, perdeu uma excelente oportunidade para ficar calado e teve uma nova crise de flatulência verbal, ameaçando veladamente com a influência que ainda pensa que tem nas hostes que ainda pensa católicas.
Mas a minha felicidade foi perturbada por um triste facto. Não fui convidado, nem para a cerimónia nem para a festança. Helena, Teresa, como é que vocês puderam fazer-me uma coisa destas? Depois de tudo o que escrevi, por vocês, pela comunidade gay do país? Corri o risco de pensarem que tenho um toque de lua, eu, bravo assim, cheio de macheza e atestado de testosterona como sou. Eu não merecia…. E gosto tanto do Bairro Alto à noite… Ainda esperei um telefonema, um mail, mesmo à última hora, “querido, é só para a família mas se quiseres aparecer…”. Mas nada, tudo mudo que nem calhaus. A vida é feita de injustiças. Ainda assim, acredito que serei convidado para o primeiro casamento gay na nossa ilha Terceira e hei-de ir vestido de branco ou não e com um raminho de amores-perfeitos na lapela. Olé !
CERTIFICADOS DE AFORRO. Estranhamente, o meu dentista recusou a minha proposta para lhe pagar em certificados de aforro. Preciso de reparações na cremalheira e no momento não me dá jeito ir ao Brasil ou à Indonésia. Os Portugueses têm o estranho hábito de usar o 14.º mês para estes luxos dentários, em vez de comprarem presentes de Natal ou viajarem no reveillon. . Fui, então, falar com ele mas o homem fez má cara, rosnou e só faltou morder-me (que ele tem bons dentes, logicamente…). Disse-lhe que não partia de mim, que isso eram ideias do primeiro-ministro, do ministro das finanças e do líder do patronato. Bom, aí ele exagerou e eu até corei, embora não se tenha notado, visto que tenho sangue de mouro. Disse-me sem Maizena na língua que eles podiam introduzir os seus certificados de aforro pelo orifício anal acima. Que ele também tinha as suas despesas e que os certificados não lhe iam pagar conta nenhuma. Experimentei apelar para o patriotismo dele, falei-lhe da crise económica, da necessidade de poupar, de solidariedade social, enfim falei-lhe de coisas sublimes e elevadas. Pouco faltou para me bater. Perguntou-me se eu achava que ele era parvo, se eu achava que ele ia deixar de trocar de carro ou tirar a filha do colégio de Santa Clara, para ser solidário com os gestores públicos e ajudar a pagar o quase meio milhão de euros que aufere mensalmente o Fernando Pinto, da TAP. Ou se ia pagar os cigarros e a cerveja que os repatriados consomem nos intervalos entre assaltos. Confesso que fiquei sem palavras. Ainda tentei uma última jogada desesperada, que tinha ouvido daquele senhor bem vestido e com ar inteligente, na TV, o líder dos patrões “aceita os meus certificados de aforro, é melhor que nada!!!”. Bom, aí foi a gota de água. O meu dentista, geralmente amável, perdeu a compostura. Levantou a voz e disse-me “ora aí está, finalmente disseste algo acertado, nada, nada é o que levas daqui se vieres sem euros, pega e anda, tu e a porcaria dos teus certificados de aforro”. Meti o rabo entre as pernas e fui comer um delicioso folhado de espinafres à Leitaria Santa Bárbara, para me consolar.
CAMINHO DO MEIO DE S. CARLOS. Como se isto tudo não fosse suficiente, a mágoa da indiferença da comunidade gay, os meus certificados de aforro que não servem para nada, recebi também a noticia de que a minha amiga Sofia tinha sido atropelada em S. Carlos, ao sair de casa de manhã e estava no hospital toda combalida. Apiedei-me dela, liguei-lhe e temi também por mim, que costumo andar por ali, a pé e de bicicleta. O Caminho do Meio, entre a rotunda da Tomás de Borba e o centro da localidade que não se sabe ainda a que freguesia pertence, parece-se com Monte Carlo, no Mónaco, mas pelos piores motivos. Lembra-me o circuito de Fórmula 1, os motores a rugir pelas estreitas ruas de asfalto e as pessoas a trepar pelas paredes. Talvez os nossos governantes não acreditem mas ainda há gente que NÃO se desloca a bordo de automóveis. Quer dizer, ainda teimamos em existir mas já não temos lugar no mundo. O actual Caminho do Meio de S. Carlos é uma coisa mais ridícula que a papada do Alberto João. Faixas brancas no asfalto, quase coladas às casas, demarcam, aparentemente, a zona de perigo de morte para quem sai de casa. O asfalto é bom, há uma pequena recta, os carros aceleram, não há passeios, nem mesmo vestigiais, como noutros lugares e há trânsito nos dois sentidos. A coroar tudo isso, ainda há uma paragem de autocarro na zona, de onde demoram uma eternidade a sair umas tias gordas carregadas de sacos. Ambiente mais inóspito à vida humana, só mesmo no Equador de um planeta gigante gasoso. Ainda estou a recuperar do trauma de não ver recipientes de lixo em Angra e ninguém se importar com isso e agora atropelam-me a Sofia em S. Carlos...Dado à estampa a 9 de Junho. POPEYE9700@YAHOO.COM