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popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

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Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

CONSIDERAÇÕES INTEMPESTIVAS 3

Março 22, 2010

Tarcísio Pacheco

 

imagem: http://www.flickr.com/photos/leigo/5643535790/

 

 

Recipientes para lixo

 

Por acaso alguém já reparou que a cidade de Angra do Heroísmo está há largos meses sem recipientes públicos para lixo urbano?! Mantive o silêncio sobre esta situação porque sempre pensei tratar-se de uma situação temporária. Há largos meses atrás, a autarquia instalou os atuais cinzeiros / papeleiras, medida que considerei ótima, e retirou os antigos recipientes de lixo. Os cinzeiros / papeleiras cumprem uma utilitária função, limpando as ruas das nojentas beatas e educando a população fumante; as papeleiras servem para depositar papeis, obviamente, e pequenos objetos. Mas NÃO substituem de modo algum os antigos recipientes de lixo urbano. As papeleiras apenas admitem pequenos objetos e rapidamente ficam cheias. Sempre pensei que estaríamos à espera de novos recipientes mas fonte bem informada confidenciou-me que tal não vai suceder, pelo menos nos tempos mais próximos porque “retirar os recipientes foi ideia do executivo camarário anterior e agora não há dinheiro”…Palavra de honra que parece mentira mas Angra do Heroísmo, cidade património mundial, não tem recipientes de lixo nas ruas e parece que vai continuar assim… Já agora, também não tem, pelo menos em locais centrais, públicos e bem visíveis, “pilhões”, “eletrões” e todo esse género de recipientes que agora se vêem frequentemente em cidades bem organizadas (mesmo em Portugal) para recolher o nosso lixo tecnológico. Isto não vai nada bem na “cidade mais feliz de Portugal”…

 

Cais de cruzeiros em Angra

 

Sinto-me tentado a opinar sobre um dos assuntos do momento. No entanto, não chega a ser uma pedrada na discussão , é mais uma “mijinha” contra a muralha da nossa “marginal”. Com muita pena minha, não posso atender ao desejo do meu bom amigo “Manecas” e escrever um artigo de fundo, cheio de bons argumentos em favor de tal desiderato. Tenho lido com atenção o muito que tem sido escrito sobre o assunto. Embora, a maioria das pessoas que têm escrito, seja a favor da construção do novo porto, também alguns se pronunciaram no sentido contrário. Em todos eles, quer num campo, quer noutro, encontrei argumentos interessantes e defensáveis. Como humilde cidadão, pouco especializado, não me passaria pela cabeça vir a estas páginas arengar sobre cotas, correntes ou meteorologia e, muito menos, implantar molhes alternativos sobre plantas da baía. Contudo, tenho algo a dizer sobre o assunto.

Para que fique claro, sou a favor da construção de, pelo menos, um novo molhe e do alargamento do porto de Angra. Afinal caro “Manecas”, aparentemente, faço-te a vontade. A diferença da minha perspetiva é que ela tem pouco a ver com navios de cruzeiro. Os dados de que disponho e que são públicos, permitem-me crer que os benefícios diretos para a ilha Terceira, que podem resultar da visita regular deste tipo de navios, são bastante reduzidos e, por si só, nunca justificariam o pesado investimento de um novo porto, especialmente no atual cenário de contenção de custos.  Os principais benefícios seriam, quando muito, indiretos e relacionam-se com a divulgação dos Açores. Por outro lado, conhecendo os políticos regionais e sabendo como eles conhecem os terceirenses, tenho a certeza que esta ideia do “cais de cruzeiros em Angra” é um osso atirado aos cães.  “Deixem-nos lá entretidos, sabemos que não temos dinheiro para uma obra dessas mas,  enquanto os cães brigam à volta do osso, enquanto eles se babam, se mordem e ladram à toa, como de costume, o tempo passa e só daqui a muitos anos precisaremos de pensar a sério no assunto”.

Do que não tenho a menor dúvida, é que esta é uma oportunidade histórica para devolver alguma importância relativa a Angra do Heroísmo. Talvez seja mesmo a última oportunidade. A presente discussão teve o mérito de deixar bem claro que, ao longo de muitos anos, se encarou regularmente a ideia de construir um bom porto de raiz em Angra ou de alargar o atual. Mas nunca se chegou a fazer... É evidente que critérios de ordem financeira terão estado na origem de alguns bloqueios. Mas a verdade é que, ao mesmo tempo, grandes portos foram feitos na Horta e em Ponta Delgada. E não é menos verdade que a bacia de Angra do Heroísmo, considerada em toda a sua envolvência, desde a ponta do Monte Brasil, até à baia das Águas, também tem boas condições, com um excelente abrigo natural contra os ventos predominantes de Oeste, o Monte Brasil. As razões para nunca se ter feito um porto a sério na baía de Angra e ter-se construído o aborto do atual Porto das Pipas, são, sobretudo, do domínio histórico e de origem política. Angra nunca pôde concorrer com o melhor porto natural dos Açores, na Horta e, depois, deixou de poder rivalizar com a concentração de poder demográfico, financeiro e político na ilha de S. Miguel.

É urgente que as pessoas acordem e os cães deixem de ladrar inutilmente à volta de um osso. Os navios de cruzeiro têm pouco interesse para a ilha mas um porto a sério, de vocação não comercial, especializado em recreio, cultura, lazer, ciência, património e turismo,  trará importantes benefícios no futuro e permitirá a Angra recuperar algum protagonismo no contexto regional. Historicamente, os terceirenses merecem esse porto. Naturalmente, devem realizar-se todos os estudos devidos e avaliar todos os impactos, desde o ambiente até ao património cultural submerso. Convém é que se ouçam, por exemplo, verdadeiros arqueólogos e não se dê ouvidos a oportunistas que, mesmo de longe, continuam a tentar “controlar” e a intimidar-nos com as queixinhas à UNESCO.

Acima de tudo é preciso que as pessoas sejam inteligentes. Lembrem-se que, a Angra do Heroísmo, quase só resta a História e o Bispo. E como, nem eles, podem alterar a História, já começaram a falar em criar um bispo só para eles, o que faria do nosso, um Bispinho…

 

“Limpar Portugal

 

Fui um dos voluntários, alistado há largos meses, que compareceram junto à Recreio dos Artistas, no passado dia 20 de Março, para ajudar a Limpar Portugal, iniciativa mais simbólica do que eficiente, destinada a chamar a atenção para os problemas do ambiente e a consciencializar os cidadãos.

Compareci, formalmente, como voluntário da freguesia de S. Pedro. Tive muita pena de verificar que a equipa das freguesias da Sé e de S. Pedro se resumia ao presidente da junta da Sé (que além disso apoiou a iniciativa com sacos de lixo e luvas), a um senhor de meia idade, a uma escuteira, à mãe da escuteira, a um casalinho, simpático, ecológico e zen, a uma cidadã brasileira residente na ilha há 3 anos, a outra cidadã brasileira residente na ilha há menos de 1 ano e a uma menina de 11 anos, a minha filha, Inês. Esta pequena equipa limpou a orla entre a Prainha e a Silveira e ainda recolheu um monte de plásticos e borracha na orla marítima, a seguir à Silveira.

Confesso algum desapontamento porque, depois de muitos meses de preparação e divulgação, esperara ver uma massa enorme de gente, devidamente orientada e enquadrada, a limpar o muito plástico pela orla marítima e as muitas lixeiras clandestinas pelas canadas da ilha. Contudo, foi um dia agradável, com algum sol e a sensação de frustração foi atenuada pela boa companhia, pela satisfação do dever cumprido, pela oportunidade de educar a minha filha e pelas novas amizades que se fizeram, entre pessoas em sintonia. No mesmo dia, na rua da Rosa, quase em frente à junta de freguesia da Sé, uma menina com uns 9 anos, saiu de casa com o pai e, no mesmo momento, atirou lixo para o chão; ao ver-nos ali, a olhar para ela, com os sacos de lixo na mão, olhou para o pai, meio “apanhada”: este encolheu os ombros e mandou-a seguir em frente. Se precisamos de mais iniciativas deste género? Precisamos muito, como do pão para a boca, nos Açores ainda há muita gente ignorante, com péssimos hábitos de higiene e sem a menor percepção do seu dever para com a comunidade e para com o planeta. 

INGLORIOUS BASTERDS - UM FELIZ RECONTO DA HISTÓRIA

Março 11, 2010

Tarcísio Pacheco

 

IMAGEM: http://en.wikipedia.org/wiki/Inglourious_Basterds

 

 

Nota do autor: Este texto foi escrito antes da Noite dos Óscares de Hollywood. Impõe-se este esclarecimento porque, desde essa noite, Cristoph Waltz, oscarizado como Melhor Actor Secundário,  deixou de ser um ilustre desconhecido

 

Cinéfilo desde sempre, quando era criança, poupava os tostões toda a semana para, no fim de semana, poder assistir a várias sessões duplas (2 pelo preço de 1), no Teatro Angrense, Recreio dos Artistas ou Fanfarra Operária. Era meu companheiro dessas andanças um amigo de infância, ainda residente em Angra mas ele agora é uma pessoa importante e acredito que já não se lembre destas coisas…Lembranças do passado, o Teatro Angrense vestiu-se de um suave cor de rosa mas vive de portas fechadas, a Fanfarra Operária vive de cerveja importada e DJ’s de agulha na ponta do dedo e a Recreio, não sei de que vive nem se vive.

Nesta era de videoclubes e descarregamentos da Internet, mantenho o saudável hábito de ir ao cinema quase todas as semanas, normalmente à segunda-feira. É diferente de ficar em casa, há um je ne quois nas casas de cinema, o grande écran, o leão que ainda ruge como dantes nas fitas da Castelo Lopes e a gente fica ali, juntinhos no escuro, irmanados na mesma devoção, vivendo as mesmas emoções, sem poder atender o telemóvel, com a vista configurada para Technicolor e regulada para Cinemascope.

Recentemente, dirigi-me para a bilheteira do Centro Cultural de Angra (e de Congressos também) para tentar ver o afamado “Avatar” no seu último dia de exibição. Foi semana de mudança de casa para mim e distraí-me. Além disso, costumo fugir dos filmes que toda a gente vê porque me incomoda todo aquele frenesim de quem raramente vai ao cinema e depois manda um amigo da malta comprar 10 bilhetes para a malta ver um certo filme porque “diz que é muito giro”, “é de mijar a rir” (ou a tremer de medo) e “um amigo meu baixou da Internet e diz que vale a pena”. Para mim, que vejo tudo o que se mexe, desde  “Lara Croft”, até a um filme russo, a preto e branco, da década de 30, no fundo, tudo vale a pena. Na verdade, apresentei dois exemplos com um traço em comum e raríssimo num bom maníaco de cinema: saí em ambos ao intervalo, em “Lara Croft” porque não passava de um jogo de computador e disso não gosto e, no caso do filme russo, porque não aguentei mais de 45 minutos a ver a o vento a uivar nas estepes siberianas e pouco mais; fiquei com frio e vim-me embora. Só tomei essa atitude uma outra vez, durante a exibição de uma das sequelas de “Batman”. Toda a gente sabe como é difícil seguir o voo de um morcego e o meu cérebro simplesmente colapsou…

No tal dia, esperei meia hora naquela que deve ser uma das piores filas do mundo, lá no Centro Cultural, pelo menos no Inverno. O local é frio, ventoso e a bilheteira do CC é terrivelmente lenta. Que saudades do tempo dos maços de bilhetes pré-impressos.  Não vejo necessidade nenhuma de imprimir bilhetes mas isso fica para outra vez. Fui para lá meia hora antes de abrir a bilheteira e era o 6.º da fila. A espera foi em vão porque só restavam 3 ou 4 bilhetes, os outros tinham sido vendidos na véspera. Traição, os lugares tinham sido todos ocupados pelo tal pessoal “dos filmes que toda a gente vê”. A minha história com o “Avatar” fica por agora em banho-maria. Hei-de vê-lo quando aparecer nos videoclubes e ponto final.

Frustrado e enregelado, lembrei-me que há alternativa para tudo, menos para a morte. E lá fui até ao “Charlot” de que também sou cliente antigo (n.º 2000). Em boa hora o fiz. Deparei lá com um filme que passou imediatamente para o meu Top Ten pessoal. Trata-se de uma obra de 2009, “Inglorious Bastards”, de Quentin Tarantino, cujo título em Portugal, numa tradução bastante livre, é “Sacanas Sem Lei”. A propósito, nunca descobri quem titula os filmes em Portugal , esse é um segredo bem guardado, talvez por vergonha dos responsáveis. Bom, voltando ao filme, a história passa-se na II Grande Guerra, na França ocupada pelos nazis e anda à volta de uma mocinha judia que escapa ao massacre de toda a família, sumariamente ordenado por um coronel das SS e que, sob falsa identidade, vem a herdar pouco depois um cinema parisiense. O destino coloca-lhe nas mãos uma oportunidade de vingança, que ela não enjeita mas que cujo desfecho está cheio de imprevistos.

Os papeis principais estão entregues a Brad Pitt,  muito bem no papel de um tenente americano, a uma desconhecida Mélanie Laurent (a mocinha judia) e a outro desconhecido, Cristoph Waltz que, no papel do coronel nazi tem um desempenho brilhante e a todos os títulos notável.

O filme foge às classificações padronizadas. Não é um filme de guerra, o sistema chamou-lhe drama. Não me parece que seja exatamente uma coisa ou outra, apesar de conter bastante violência e momentos intensamente dramáticos. É sobretudo uma obra de ficção, com uma alternativa histórica, contada a maior parte do tempo num registo de comédia negra, para o qual contribuem a pronúncia sulista carregadíssima e o permanente sorrisinho idiota do tenente Aldo Reine, a aura de vilão demasiado perfeito e autenticamente refinado do coronel Hans Landa, a virginal candura de Shoshanna, a novidade dos infiltrados judeus (os tais sacanas sem lei – cuja realidade histórica desconheço), a personalidade quase histriónica da figura de Hitler e o clima quase burlesco de algumas das cenas mais violentas (assassinato do sargento nazi com um taco de basebol e a o massacre final no cinema, por exemplo).

Bom, quase chorei de júbilo e regozijo, em diversos trechos do filme. Cansado de ver filmes em que os nazis massacram judeus aos milhares, foi com imensa alegria que assisti a um filme em que se matam nazis de forma merecidamente violenta, a um ritmo alucinante e com técnicas requintadas. O clímax, como não podia deixar de ser, acontece perto do final, quando o “creme da la creme” do regime nazi, Hitler incluído, assim como Goering, Goebbels, Borman, etc, a cambada toda, se reúne num cinema  da Paris ocupada para assistir a um filme de propaganda do regime, em que um sniper alemão, elevado a herói de guerra, emboscado numa torre de igreja, mata  300 soldados americanos. No âmbito do plano de vingança de Shoshanna, acidentalmente misturado com uma acção dos tais indómitos sacanas, as portas do cinema são trancadas e o amante de Shoshanna incendeia uma enorme pilha de fita de celulóide por detrás do écran. Depois, bom, depois é a apoteose, com os nazis e as suas esposas e meninas a tentar desesperadamente fugir às chamas, enquanto dois sacanas sem lei, do alto de um camarote, lhes despejam balas certeiras em cima. No melhor e mais delicioso momento, Goebbels, a sua petite amie francesa e o próprio Hitler, surpreendidos no camarote de honra, levam vários balázios na testa.

Nunca uma falsidade foi tão sublime. A felicidade que sentimos no fim deste filme só diminui quando, passada a excitação, caímos em nós e nos lembramos que a História não aconteceu assim. Que pena sinto. Mas, tendo em conta que o único nazi bom é o nazi morto, a ideia não deixa de poder ser retomada, com proveito, para resolver a “questão neonazi”… Lembrei-me até do Teatro Angrense que está ali ás moscas… Só seria pena o belo revestimento rosa mas, enfim, não nos dizem que vivemos numa época de sacrifícios…?

POPEYE9700@YAHOO.COM

 

AVALIAÇÃO E SISTEMA DE QUOTAS NA FUNÇÃO PÚBLICA - A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA MEDIOCRIDADE

Março 03, 2010

Tarcísio Pacheco

 

IMAGEM: http://www.browserd.com/2009/06/18/avaliacao-de-desempenho/

 

 

Toda a gente minimamente informada está a par da gravíssima e profunda crise económica do nosso país. E quanto aos outros, que são tantos, entendam ou não, sentem na pele a nossa desgraça actual. Subsistem profundos mistérios; como é possível andarmos há tanto tempo nesta vida miserável (pelo menos para a maioria) apenas disfarçada pelo recurso fácil ao crédito, finalmente em retracção, e nunca termos conseguido evoluir nada ?! Onde é que falhámos, nós todos ? Andamos há tanto tempo cabisbaixos, na cauda da Europa, com vencimentos miseráveis, em regime de sobrevivência, constantemente bombardeados com apelos à poupança, à contenção, à paciência e não melhorámos nem um pouquinho ? E como é possível que um ministro das Finanças, tão competente quanto sisudo, que é o rosto da situação, se tenha enganado tão espetacularmente quanto ao nível do déficit das contas públicas? Temos pena mas para mim não basta um encolher de ombros e um “ó pá, eu estava a contar com menos…”. Não, aqui anda gato e ninguém nos explica as coisas como deve ser.

Apesar de tudo, da tristeza, da revolta, da mágoa, no fundo sabemos que o país é o reflexo de nós todos. Não criamos riqueza porque trabalhamos pouco e mal, porque há uma imensa e tentacular corrupção e porque há muitos políticos medíocres. No entanto, somos nós quem os elege, apesar de sermos cada vez menos a fazê-lo. E esse alheamento, fruto da ignorância, do desencanto, da preguiça ou do autismo social, também é um indicador muitíssimo alarmante.

Ainda assim, apesar de toda a miséria nacional, conseguimos entender que, pura e simplesmente não há dinheiro suficiente. Seja porque não o geramos, porque o administramos mal ou porque o roubam, isso não invalida a constatação do facto. Talvez seja por isso que, apesar das constantes más notícias, o país não está ainda a ferro e fogo, não houve grandes revoltas, manifestações de rua, estradas cortadas, pneus a arder e pancadaria com a  polícia. Talvez cheguemos a esse ponto mas ainda não. Tudo também por conta do reconhecido alheamento bovino da maioria dos portugueses. É por tudo isto que ficamos tristes e nos sentimos pessimamente quando sabemos que não vamos ter qualquer aumento, provavelmente durante 4 anos e que vamos ficar cada vez mais pobres e com menos qualidade de vida. Mas não reagimos com violência nem agressividade. Provavelmente, entendemos que se cada vez há menos dinheiro, somos todos um pouco culpados disso e que se calhar as coisas só mudarão daqui a muitos anos, num país muito diferente do actual, que talvez os nossos filhos e netos saibam construir, se o mundo não acabar em 2012 ou um pouco mais tarde.

Agora, o caso muda um pouco de figura quando um grupo de burocratas ou de políticos, provavelmente muito bem pagos, se entretêm a brincar aos países evoluídos. Nos últimos tempos, os serviços têm estado assoberbados com o novo sistema de avaliação dos funcionários públicos. Sobretudo os dirigentes, que têm de avaliar toda a gente. Não se discute que todos os trabalhadores por conta de outrem devam ser avaliados, em todos os sectores, funcionários públicos, operários, gestores, políticos, médicos, juízes, etc. Essa é a única maneira de promover a eficiência, de combater a mediocridade, a inércia e a abstenção e de premiar os bons desempenhos, enfim de trazer equilíbrio, racionalidade e justiça a todo o sistema. Mas não é o momento oportuno para tanto rigor e exigência, numa época de crise profunda em que o país nem consegue pagar aos seus funcionários e os torna mais pobres a cada dia que passa. Como é que alguém consegue pensar que um funcionário trabalhará mais e melhor, com regras muito diferentes e cada vez mais exigentes, ganhando cada vez menos ? Aliás, já há vários anos que somos bombardeados com normas e regras muito mais exigentes, que muitas vezes se traduzem em mais gastos, sem qualquer compensação ao nível dos salários. Um dia destes, temos de pensar seriamente em deixar de tentar ser alemães com salários portugueses. Isso não vai acabar bem.

Mas o pior não é isto. A cereja no cimo do bolo vem com a aplicação do sistema de quotas à avaliação dos funcionários públicos. Trata-se de um sistema pura e simplesmente aberrante que artificializa de forma totalmente irracional a avaliação dos funcionários. O sistema, que é de uma perversidade atroz, faz depender totalmente a progressão na carreira dos funcionários (com o consequente aumento salarial) da disponibilidade orçamental. Ou seja, de nada serve o esforço de cada um pois, em princípio, o mérito, a eficiência e a competência, que se pensaria querer-se promover por todo o país, não trarão qualquer benefício para o funcionário com qualidade. A maior parte dos bons funcionários, mesmo que se destaque naturalmente, será submersa numa imensa massa cinzenta de desempenho meramente “adequado”, que é onde o Governo pretende manter a maioria dos seus trabalhadores. Um funcionário de grande qualidade, que se destaque nitidamente pela sua excelência, poderá ser colocado exatamente ao mesmo nível do colega, de desempenho perfeitamente vulgar, porque a quota de “excelentes” do seu serviço não é suficiente. O mesmo se aplica ao nível da classificação de “relevante”, onde acontecerão provavelmente as piores injustiças. Isto é totalmente kafkiano mas é o que estão a tentar implementar por todo o lado, com pezinhos de lã e, aparentemente, com o silêncio dos sindicatos, o que me deixa perplexo. E então, a motivação, de que os portugueses tanto precisam, perguntarão alguns ? É cinicamente simples, não precisamos, nem vale a pena, ser classificados com mais do que um “adequado” mas, se nem isso conseguirmos, vamos para o olho da rua. Isto tem um nome em psicologia, motivação negativa. Não há dinheiro, pois que não nos paguem mas também não nos façam de palhaços, com todo o respeito pelas gentes do circo. Não exijam se nada têm para dar, nem sequer o óbvio. Não há dinheiro para promoções, então, pelo menos, não venham fingir que avaliam as pessoas. Acabem lá com o complexo sistema de definição de competências e objectivos, dificilmente mensuráveis.

Só há uma maneira de lutar contra esta aberração. É a união dos trabalhadores, dando força aos sindicatos, tão apagados nos dias de hoje, por comparação com o passado. É a filiação de todos os trabalhadores nos seus sindicatos. E é deixar de ignorar as greves decretadas por eles. Está na altura de sermos mais espertos, mais activos, menos ignorantes e menos desinteressados. O tempo de ficar em casa a arrotar o jantar e a assistir a idiotices tipo Preço Certo enquanto outros lutam por nós chegou ao fim. Na verdade, a única coisa que não está a chegar ao fim é as chatices.

Face a esta vil tristeza, acabo por concordar com o meu caríssimo colega Maduro-Dias, que ele me perdoe por o citar. Se é assim, então antes o sistema antigo, serei promovido quando o tipo acima de mim morrer ou se reformar. Pelo menos este sistema assentava numa base natural e fazia sentido.

De forma totalmente neutral, pois sou um feliz não alinhado, este sistema aberrante, que desmotiva por completo a iniciativa e o mérito pessoal e que institucionaliza a mediocridade e  promove  a injustiça, ter-me-á sempre como um modesto inimigo. Este artigo é algo subversivo ? Pois, parece-me que sim, afinal não há motivo para ter medo, de uma forma ou de outra, o meu “adequado” deverá estar garantido. POPEYE9700@YAHOO.COM

 

 

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