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popeye9700

Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

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Crónicas e artigos de opinião, a maior parte publicada no Diário Insular, de Angra do Heroísmo.

CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS - CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte III)

Dezembro 29, 2009

Tarcísio Pacheco

 

imagem: http://colunas.gospelmais.com.br/casamento-gay-e-a-liberdade-religiosa_511.html

 

 

Este texto é o contraditório do artigo de Rodrigo Bento (RB) publicado no D.I. de 16 de Dezembro sobre os casamentos homossexuais, Parte II.

Sou heterossexual e os homossexuais da Terceira não me passaram procuração alguma. Todavia, tenho-me envolvido na discussão pública do casamento homossexual por considerar que, embora possa parecer marginal (o que é o casamento do Manel com o Xico à vista da recente calamidade na Agualva…), este é na realidade um assunto com uma enorme carga simbólica. O nosso país gosta de se arvorar em farol do mundo mas, com algumas notáveis excepções, de que é exemplo a abolição da escravatura em 1836, a sociedade portuguesa classificou-se sempre como pouco educada, inculta, ignorante, preconceituosa e avessa a novas ideias. Essa realidade só bem recentemente começou a mudar e de forma assaz lenta. Daí a importância das iniciativas legislativas agora implementadas, que podem contribuir para que o nosso país progrida, não apenas no plano material mas também ao nível intelectual e moral e deixe de se destacar no mundo apenas pelo deficit público, desemprego, falta de qualificação profissional, analfabetismo funcional, iliteracia, intolerância racial, conservadorismo, preguiça, desorganização, 100 soldados no Afeganistão, uma fragata na Somália e a participação nas fases finais dos europeus e mundiais de futebol.

Infelizmente, e lamento muito o que escrevo a seguir, o texto de RB inscreve-se nitidamente na área do fundamentalismo cristão. Num completamente improvável cenário de ficção “orwelliana”, se gente desta mandasse alguma coisa, poderíamos vir a ser algo como a República Cristã de Portugal. Se há dúvidas, basta fazer um pequeno exercício, substituindo duas simples palavras no texto de RB, “Deus” e “Bíblia” por “Alá” e “Corão”. “(…) Temos  que descobrir o que Alá pensa sobre o assunto [ homossexualismo]. Como fazê-lo ? Lendo o Corão. Ele é um livro actual que trata temas actuais (…)”. Isto soa a “dejá entendu” ? Pois claro, a mim também.

Todas as religiões têm os seus textos sagrados, de origem divina e transmissão mais ou menos nebulosa, todos igualmente respeitáveis. Confesso que não sou um estudioso da Bíblia mas tenho por esta obra o mesmo respeito que tenho por outros textos semelhantes. Contudo, respeito não significa cretinismo intelectual.  No tempo de razão iluminada que ora vivemos, não me parece possível uma pessoa inteligente e com um espírito crítico desenvolvido e independente, interpretar a Bíblia literalmente e menos ainda considerá-la “a palavra de Deus”. Hoje em dia, sabemos que a Bíblia é uma colecção  heterogénea de textos escritos ao longo de muitas centenas de anos por largas dezenas de pessoas diferentes. Esses textos, compreensivelmente, reflectem de forma clara, as condições sociais, morais e culturais das épocas e lugares em que foram produzidos.  Como se isto não fosse suficiente, por si só, os textos bíblicos são os seleccionados por uma organização de dominação universal como a Igreja Católica, que os proclamou os únicos verdadeiros, em detrimento de outros, que sabemos existirem ou terem existido mas cujo conteúdo poderia ser menos favorável aos desígnios daquela instituição, quiçá, contrariando dogmas fundamentais. Só mentes limitadas e fanatizadas, podem pensar em interpretar radicalmente a Bíblia e especialmente encará-la como a fonte legislativa principal de uma nação. Hoje em dia, isso só acontece nos regimes islâmicos, em comunidades de fundamentalistas bíblicos americanos e, claro, na cabeça de RB.

O que é realmente importante na Bíblia, como código universal de conduta moral, é os Dez Mandamentos e mesmo assim, o texto bíblico original carece de reflexão e adaptação à actualidade, porque, seja qual for a sua proveniência e pese embora a sua universalidade e intemporalidade, percebe-se perfeitamente que foi escrito para a humanidade do tempo de Moisés. Contudo, dificilmente se poderá negar que, se a maior parte das pessoas seguisse os Dez Mandamentos na sua essência mais profunda, o mundo seria bem melhor, com muito menos maldade, orgulho, ambição, inveja, malícia, cobiça e egoísmo.

As pessoas têm de entender e aceitar que o laicismo dos estados modernos é uma conquista fundamental da humanidade e veio para ficar. No mundo civilizado acabaram-se as religiões oficiais. Não acabaram as religiões nem é desejável que acabem, todas elas são importantes e, cada uma a seu modo, prestam o seu contributo na tentativa de explicação da vida, da origem e destino da humanidade e na divulgação e implementação de códigos morais. Católicos, protestantes, evangélicos, muçulmanos, budistas, espíritas, todos nos trazem mensagens importantes e válidas. Mas é fundamental que todas as religiões possam transmitir as suas mensagens num clima de liberdade, abertura e tolerância, atraindo quem tiverem de atrair, sem que nenhuma procure sobrepor-se a outra, clamando ser a única detentora da Verdade. E acima de tudo, devem estar completamente separadas do Estado. Essa é uma das vias mais importantes para acabar com o fanatismo islâmico.

Não era minha intenção escrever um artigo sobre religião mas a verdade é que a maior parte  do texto de RB é sobre religião e procura mostrar que Deus condena o homossexualismo, que isso está na Bíblia e que o país, em vez de rever a sua Constituição, deveria apenas substituí-la pelo códice sagrado dos Cristãos. Para mim, qualquer condenação do homossexualismo na Bíblia, seja em que termos for, tem uma validade relativa porque significa apenas o que alguém pensava sobre o assunto naquela época.

Na verdade, fora do âmbito restrito da fé míope, ninguém sabe sequer se Deus existe, quanto mais o que Ele pensa seja sobre o que for. Humildemente, acredito que, se houver alguma coisa para descobrir sobre Deus e a vida, haveremos de o saber por ocasião da nossa morte, momento em que se nos cerrarão os olhos para a paz do nada ou se abrirão para alguma luz reveladora. Até lá devemos, simplesmente, aproveitar a vida e portarmo-nos o melhor possível para com os nossos semelhantes e para com os animais e a natureza. Já é uma razoável concessão aceitar que os Dez Mandamentos possam ter uma eventual origem divina. Mesmo assim,  nenhum dos mandamentos diz que “ o homem não sodomizará o seu amigo” ou que “a mulher não procurará o êxtase com a sua amiga”. Na falta de qualquer indicação de que Deus se tenha preocupado com detalhes tão insignificantes, ainda vou elegendo como referência o famoso “Amai-vos uns aos outros” e por isso… vale tudo, desde que seja feito com amor. Não sei mesmo se Deus, na sua infinita sabedoria, não estaria precisamente a pensar nos homossexuais quando ditou este mandamento, nas mais improváveis formas de amor, já que, amar no cio, é bastante mais fácil e de somenos valor.

Embora ideias como a de RB possam ser socialmente alarmantes, no fundo podemos ficar descansados. Apesar das  toscas relações que ele estabelece entre  homossexualidade e  homicídio, estupro, abuso infantil, tortura e alcoolismo, na verdade trata-se de uma doença como outra qualquer e pode ser tratada pela medicina. Pode mesmo conseguir-se a cura espontânea através de um sistema de auto-repressão, de preferência desde a infância. É capaz de ser um bom uso para cilícios e disciplinas, à venda em lojas da especialidade. Sosseguemos pois, no fundo RB não condena a homossexualidade. Pode ser gay à vontade, quem teve o grande azar de nascer assim. Não pode é casar, nem ser activo. Ou passivo, já agora. Popeye9700@yahoo.com

 

A VITIMAÇÃO DA IGREJA DE ROMA

Dezembro 22, 2009

Tarcísio Pacheco

 

IMAGEM: http://www.quimsosa.com/caricatura-de-papa-retzinger.html

 

O artigo de opinião de Ramiro Carrola “Querem a Igreja Calada”, publicado no DI de 18 do corrente, encheu-me de azedume, que não cedeu aos anti-ácidos; evitei até agora comentar os artigos do senhor Carrola, por vários motivos; não me apetecer ser objecto da sua ferocidade; ele ser contra tanta coisa que até eu concordei aqui e ali com ele embora vaga e raramente e acreditar na liberdade de expressão, mesmo para veicular posições fascistas; desta vez não resisti, não sei porquê, talvez por saturação, uma vez que este artigo não passa do habitual choradinho deste senhor, de saudosismo pelo ambiente de Estado Novo, em que a Igreja Católica e o Estado davam as mãos para manter o povo subjugado, de espinha caída, trabalhando muito e rezando nas horas vagas, sem fazer ondas. Esse sim, era um mundo perfeitamente amorfo. Por outro lado, nos últimos tempos, outras pessoas, nomeadamente sacerdotes católicos, têm feito publicar na Imprensa local, artigos de opinião que vão no mesmo sentido, a vitimação da Igreja Católica. Irra, digo eu, já basta!

Esta gente clama que “querem calar a Igreja”, “confiná-la ao silêncio da sacristia” e “impedi-la objectivamente de erguer a voz”, entre outros crimes.

Ora, creio firmemente que nunca houve tanta liberdade de expressão religiosa como agora. A Igreja Católica tem basicamente ao seu dispor os meios que sempre teve, toda a capacidade, de matéria e de facto, do poderoso estado do Vaticano e continua presente no seio das sociedades ditas “católicas”, através do culto regular, das igrejas e demais estruturas físicas, das escolas e colégios de raiz católica, das universidades católicas, dos seminários, das mais diversas instituições de beneficência e apoio social, da catequese, do 

escutismo católico, dos “grupos de jovens” das paróquias, dos movimentos de leigos, das associações de “trabalhadores católicos” disto e daquilo, etc. Para além dessa presença sócio-cultural, que ainda é muito significativa, a Igreja tem à sua disposição todos os actuais e sofisticados meios de comunicação e informação, a imprensa escrita, a televisão, a rádio e claro, a Internet.

No entanto, apesar de toda essa influência, que ainda é substancial, é inegável que a Igreja Católica está em profunda crise por todo o lado, Portugal incluído; as igrejas desertificam, o culto dominical está ás moscas, entregue á 3.ª Idade, as procissões são cada vez mais um acto cultural e folclórico e menos uma manifestação de fé, a parte profana das festas populares é a que ganha cada vez maior destaque e os jovens, aos Domingos, preferem namorar, fazer surf e passear nas novas catedrais do sistema, os shoppings comerciais. Um Papa como João Paulo II, conservador e retrógrado mas com auréola de “bonzinho”, viajante e com uma história de vida romântica, que incluía resistência aos nazis e até uma namorada, ainda disfarçou a crise mas Bento XVI, um campeão da ortodoxia, um cardeal manipulador que, como qualquer político, preparou diligentemente na sombra a sua eleição, tem o perfil ideal para acabar de cavar a sepultura da Igreja Católica.

É com este estado de coisas que Ramiro Carrola e os seus correligionários não se conformam; vivem suspirando de saudade pelo tempo em que a Igreja Católica Apostólica Romana era a religião “oficial” do Estado, cooperando activamente com o poder político-militar no controle e dominação da sociedade, manipulando descaradamente a consciência social e a vida íntima e pessoal, por vezes através de processos grosseiros e abjectos. Convivem também muito mal com toda a “concorrência” que existe hoje em dia, com o sucesso relativo do protestantismo, com a multiplicação de novas igrejas evangélicas, com o interesse por outras religiões de matriz completamente diferente, como o budismo, por exemplo, com os movimentos de neo-paganismo, cada vez mais divulgados e com o próprio ateísmo, que tem de ser respeitado, enquanto abordagem filosófica da vida, tudo isto apesar do discurso oficial de 

ecumenismo. A este nível, a Igreja Católica tem o discurso intolerável de qualquer seita – ah, claro, todas as crenças têm o seu lugar e devem ser respeitadas mas nenhuma se pode comparar com a nossa, a “verdadeira fé”. Por acaso, este é também o discurso dos clérigos muçulmanos.

Na sua verborreia pungente e queixosa, no seu estertor moribundo, a Igreja Católica dispara fogo de metralhadora em todas as direcções; são os políticos que são muito maus e já não os deixam pendurar o crucifixo nas escolas, com excepção dos partidos da área de democracia cristã, evidentemente, é a sociedade em geral que se torna cada vez mais materialista e ateia, são os jovens que só querem sexo, drogas e rock, é o mundo da economia que só faz apelo aos valores do consumismo, são os media que informam, divertem e cultivam as pessoas mas não os fazem ajoelhar, etc.

Na verdade há muitos factores identificáveis no declínio cada vez mais acentuado da Igreja Católica mas, talvez pela minha formação em História, faço uma análise que reconhece e avalia todo um processo. Os seres humanos que, coitadinhos, vivem em média a miséria de 70 anos, têm tendência para compartimentar e ver as coisas de forma absoluta; para quem nasceu no séc. XX, parece que a Religião Cristã é algo que esteve sempre por aqui, tão antiga como o próprio planeta e que perdurará para todo o sempre, depois da nossa própria morte; na verdade, as coisas não são bem assim; a Religião Cristã tem apenas uns meros 2.000 anos, uma gotinha de água no oceano da História e uma partícula microscópica na vida do planeta Terra; nem sequer é a única grande religião, é apenas uma das grandes religiões da nossa civilização, a dominante no mundo dito “ocidental”, enquanto outras duas grandes religiões, muçulmana e o budismo, dominam outras áreas. No passado, num mundo dominado pela ignorância e pelo fanatismo, a religião católica tinha um peso esmagador na sociedade, que dominava, de forma extremamente limitadora, dura e repressiva, a maior parte das vezes em estreita aliança com o poder político. É precisamente o que acontece nos países muçulmanos, onde, apesar das bolsas de riqueza material e dos avanços tecnológicos, do ponto de vista das 

mentalidades e da organização social, ainda se vive em plena idade medieval. A chave para o controle do fanatismo muçulmano é precisamente o investimento na laicização das sociedades árabes, na absoluta separação entre Estado e Igreja, na instituição de um ensino plural, independente e aberto, sem as obscuras escolas islâmicas e na democratização da sociedade, com o fim da repressão das mulheres, por exemplo. Eu escrevi “investimento”, não escrevi invasão bélica, nem vou sequer referir-me ao fantoche Bush, títere dos lobbies políticos e financeiros que dominam o país dele, tudo isso me causa asco e me faz entender os árabes, embora condenando qualquer forma de violência.

Temos, portanto, na minha opinião, que a actual decadência da Igreja Católica é uma etapa de um processo dinâmico de civilização, provavelmente irreversível; no contexto de um mundo em constante e acelerada mudança, as explicações (refuto o conceito de “culpa”) devem encontrar-se no seio da própria Igreja Católica; teimosamente, o Vaticano mantém uma posição de antes “quebrar que torcer” relativamente a uma série de questões fundamentais; custa a acreditar que não haja pelo menos um cardeal inteligente que perceba que vai quebrar, não vai torcer; as posições da Igreja Católica em assuntos como o celibato dos padres, a ordenação feminina, a contracepção, o aborto, o divórcio, o sexo fora do casamento, o homossexualismo, para referir apenas os mais importantes, estão a conduzi-la rápida e inexoravelmente ao desencontro total com a sociedade em constante mutação, nomeadamente em relação aos jovens.

Pessoalmente, não escondo que não aprecio a Religião Católica, que distingo perfeitamente do Cristianismo. Pouco há de comum entre o movimento do Nazareno de há 2000 anos e a Igreja de Roma. Porém, como já escrevi muito, deixo essa explicação para outra oportunidade. Antecipando já adjectivações virulentas, dispenso quaisquer rótulos, sou apenas um livre-pensador, sem tabus nem filiações políticas. Desconfio sempre de todas as formas de unanimidade, dogmatismo e massificação. Mas confesso que gosto de rock e de futebol, afinal ninguém é perfeito. Quanto ao senhor Carrola, que estrebuche à vontade mas o reino dele já não é deste mundo.

 

TODA A VIDA PODE SER TEMPO DEMAIS...

Dezembro 21, 2009

Tarcísio Pacheco

 

IMAGEM: http://papagaio.bloguepessoal.com/318697/Peca-o-divorcio/

 

 

Recentemente, um habitual articulista do jornal “A União” mostrou-se muito incomodado com o projecto de lei do Governo,  n.º 509/X, sobre “ as alterações ao regime jurídico do divórcio”. Identificando-se com as bem conhecidas posições da Igreja Católica, de que será com certeza um apaniguado, sobre esta matéria, encontra hostilidade e menosprezo pela fé católica no Portugal de hoje. E acima de tudo, afirma que “análises científicas sérias” mostram que “o divórcio e a degradação da família (…) estão entre as principais causas do aumento da droga, solidão e crime”.


Não concordei com nada do que é dito neste artigo, que está nos antípodas das minhas próprias convicções mas foi sobretudo esta citada parte que suscitou a presente reflexão. Logo á partida pareceu-me assente numa falácia pois não há “análises científicas sérias”. As análises científicas são sempre sérias ou não seriam científicas, seriam outra coisa qualquer. O que há é uma tendência, humanamente compreensível mas errada, para considerarmos sérias as análises científicas que estão de acordo com as nossas ideias e desvalorizar as que nos contrariam.


Como livre-pensador, rigorosamente apolítico, não simpatizo com partidos políticos (que estão a apodrecer a democracia por dentro) e acho os políticos todos muito parecidos, a tender para o cinzento, salvo raras e honrosas excepções. Por isso é-me indiferente que partido político está no poder. Subscrevo ou critico projectos e ideias. E aplaudo sem dúvida o actual projecto de lei tendente a facilitar o divórcio.

O mal aqui está na mistura de conceitos e questões que é feita no referido artigo, prática muito usual nos defensores dos dogmas católicos. E essa atitude raramente é inocente. Enuncia-se uma listagem de problemas, pretensamente associados e uma leitura apressada, pouco inteligente ou pouco reflectida, até faz pensar que é assim mesmo. Mas não é, pelo menos para quem é capaz de pensar livremente, um exercício difícil no seio da Igreja Católica, habituada a afirmar que é assim porque está na Bíblia ou porque Deus quer e pronto. Mas eu, humildemente, reconheço que não sei quem é Deus e acho que ninguém sabe também. E rigorosamente tudo o que se afirma que Deus quer, é na verdade, uma interpretação que uma pessoa qualquer fez da vontade de Deus. Inspiração divina? Pois, tem havido muitas dessas ao longo da História, de todos os tipos….


Para começar e indo à raiz do problema, não me parece que o casamento, sobretudo o tipo de casamento da Igreja Católica, eterno e indissolúvel (até dá arrepios…um casamento condenado à eternidade…) seja natural no ser humano. O que me parece natural é o amor entre as pessoas, de qualquer sexo, o amor romântico radicado na emoção e sentimentos, o desejo e o relacionamento sexual e o instinto e vontade de procriação. O casamento não passa de um artifício, uma forma de organização social, que não tem necessariamente de ser a melhor. Aliás, o tipo de organização social era bastante diferente e variável no mundo, o que acontece é que a civilização de raiz europeia, muito ligada à estreita moral judaico-cristã e a conceitos puritanos e restritivos, a exportou à força para todo o mundo a partir do século XV. Isso inclui, obviamente, a Expansão Portuguesa, embora, felizmente, os Portugueses estejam longe de se contar entre os povos mais puritanos. Nós não resistimos aos encantos das nativas exóticas e fomos dos povos que mais praticaram a miscigenação. Eu gosto de seguir a linha dos meus maiores, por isso ainda a pratico.

Como se vê, acho que o casamento não é uma fatalidade. Mas é uma tentação, dá até jeito e por isso muita gente se casa. Sei lá, o IRS é mais favorável, o crédito à habitação também, passa-se a contar com dois ordenados e a ter sexo garantido todos os dias, de qualidade ou não. E com isso se diz que se constitui família.


Ora, o nosso acólito de serviço, prega lá do seu púlpito que o divórcio e a degradação da família estão associados. Isso parece-me também uma afirmação falaciosa. Há gente radical que prefere matar ou mandar matar os respectivos conjugues. Mas as pessoas mais razoáveis divorciam-se. O divórcio é normalmente encarado como o último recurso. É uma solução, não um problema. Se há um divórcio é porque a família já estava degradada. Não culpem o divórcio, coitadinho. A questão deve centrar-se no que degrada a família e isso já é uma questão complexa. Provavelmente as questões básicas devem estar associadas ás falhas internas da instituição do casamento, às políticas neo liberais, à selvajaria da sociedade de consumo e á ausência de um sistema moral de referência. Viver “toda a vida” com a mesma pessoa, sendo fiel, carinhoso, tolerante, compreensivo e competente na cama, não é nada fácil. É bastante comum as pessoas simplesmente fartarem-se umas das outras ao fim de poucos anos. Lembro-me de notícia recente sobre um velhinho português de 80 e tal anos que matou a mulher da mesma idade e se suicidouem seguida. Naturalmente, a este velhinho já faltavam alguns parafusos, porcas e anilhas. Mas o farto que este homem não devia estar… E depois, as pessoas casam quase sempre em fases jovens e imaturas da vida. Se querem falar de rigor, devia até ser proibido casar antes dos 30 anos para as mulheres e dos 35 para os homens. Até lá devia-se era namorar muito, viajar, estudar, etc. Aposto que haveria muito menos divórcios. Não é por acaso que as segundas relações depois de um divórcio costumam ser bastante mais estáveis. É capaz até de haver “estudos científicos sérios” sobre o assunto.

Há uma questão importante ligada ao casamento e ao divórcio a que eu, como pai de três, sou bastante sensível. Em condições normais e não havendo nada pelo contrário, costumam nascer crianças, embora, estranhamente, isso seja cada vez mais raro no próspero país de Sócrates. Vamos acabar por ter um dia um Portugal finalmente estável, feliz, funcional e organizado, sem Portugueses. Provavelmente por isso mesmo. E as crianças costumam ser uma das razões mais invocadas para se “aguentar” um casamento medíocre. Naturalmente esta é uma questão muito delicada pois estamos a falar de sentimentos, emoções, laços de sangue e acima de tudo, deveres, responsabilidades e respeito pelos direitos elementares das crianças, que estão até consignados em declaração universal. Porém, creio que as crianças não têm necessariamente que sofrer com os divórcios. Elas sofrem sim quando vivem no seio de famílias degradadas, em que não há amor, carinho nem o mais elementar respeito e em que tantas vezes se verificam situações de abuso e violência. E nessa degradação que acredito residir muitas vezes a causa para comportamentos de toxicodependência e marginalidade. E quando as pessoas se separam ou divorciam, se tiverem um carácter bem formado, não forem egoístas e realmente amarem os seus filhos, vão fazer o melhor que estiver ao seu alcance para que eles não sejam prejudicados. O casamento é um contrato jurídico e um compromisso a prazo. Mas os pais e os filhos são eternos. É-se esposa ou marido enquanto se quer. É-se pai, mãe ou filho para sempre. Quem ama os seus filhos pensa sempre no melhor para eles. O mal é que em Portugal, que não é propriamente um país de gente muito culta e educada, os filhos são frequentemente usados como arma em processos de separação e divórcio. Isso é mais notório da parte das mães que, graças a um sistema jurídico lamentável, ficam quase sempre com as crianças e muitas vezes complicam o máximo que podem a relação dos filhos com os pais, sobretudo quando o ex marido tem uma nova companheira. Isso é tão notório que até se achou necessidade de constituir uma associação de pais divorciados, fundada por infelizes pais que, nalguns casos, não conseguem ver os seus filhos há muitos anos.


Em recta final e para não me afastar do tema central, penso que tanto o casamento como o divórcio devem ser actos fáceis, rápidos e baratos porque se o Governo quiser ganhar dinheiro com isso, estraga qualquer boa intenção. A Igreja Católica acha que o divórcio deve ser complicado e difícil. Ela acha que depois de um casal de jovens ter tomado uma decisão, usualmente na casa dos seus verdes 20 anos, deve amargar o resto da vida, se as coisas derem para o torto... Porquê? Sei lá, talvez porque Deus é quem casa as pessoas e Ele não é para brincadeiras e porque a Igreja Católica sempre gostou destas coisas de sofrer neste vale de lágrimas com resignação cristã enquanto esperamos pela tal ressurreição final, embora ainda tenhamos de passar por um temível julgamento primeiro. E acima de tudo, porque a Igreja Católica se desespera e estrebucha ao ver perder-se dia a dia a sua influência histórica na sociedade. Os crimes da Igreja Católica são vastos. Entre muitos outros, ao exercer de forma opressiva e autoritária, a tutela ética e religiosa que até há pouco tempo detinha sobre a sociedade, a Igreja contribuiu activa e decisivamente, para perpetuar tantos casos de infelicidade doméstica e até mesmo de violência e agressividade, ao proibir, desencorajar e impedir na prática soluções de divórcio que teriam sido a única saída. Quantas mulheres e crianças sofreram horrores porque a Igreja não aceitava (nem aceita) o divórcio. Quantas infelizes pessoas sofreram toda a vida porque não puderam divorciar-se e procurar outro companheiro. E hoje em dia ainda há quem tenha o descaramento de vir criticar a simplificação do divórcio… Queriam mais do que tivemos durante séculos, não era? Pois não há mais, acabou-se.


Pretendo que a minha mensagem final seja positiva mas ela é bem simples na sua essência. A todos os casais, de qualquer sexo, sempre que não forem felizes com o vosso parceiro, separem-se ou divorciem-se. A vida é curta, devemos tentar ser felizes. Enquanto estivermos com alguém, devemos tentar dar o melhor de nós e tratar o nosso conjugue com amor, carinho e respeito. Mas quando isso já não é possível, então cada um deve seguir o seu rumo, amadurecer na solidão ou, mais naturalmente, procurar outro parceiro mais adequado ou que nos possa fazer crescer como pessoas. Se há filhos, amem-nos, respeitem-nos e sobretudo, lembrem-se que eles tem o direito elementar ao amor e á presença regular de ambos os progenitores. Quanto ao casamento, não deve ser uma espécie de condenação para toda a vida. Isso está reservado para os piores criminosos.

 

POPEYE9700@YAHOO.COM

POR UM ESPAÇO PÚBLICO LIVRE DE TABACO

Dezembro 21, 2009

Tarcísio Pacheco

 

IMAGEM: http://www.paulopes.com.br/2008/09/brasileiros-apiam-banimento-do-fumo-de.html#.UhtvQdL0EQg

 

 

 

Foi com profunda satisfação que vi entrar em vigor as novas leis de restrição ao uso do tabaco em recintos públicos fechados. Sempre defendi a implementação desse tipo de leis. Considero que é uma questão de educação, de cultura e mentalidades. E nesse aspecto a sociedade portuguesa é ainda bastante atrasada e pouco receptiva a mudanças. Só somos avançados no que é básico, intuitivo e imediatamente conveniente; se é para comprar telemóveis, nisso somos campeões porque dá muito jeito, os preços são muito competitivos e toda a gente tem, quem não tem sofre uma espécie de exclusão social porque “não está contactável em qualquer lugar a qualquer hora”. Mas se as mudanças têm a ver com boa educação, civismo, respeito pelos outros e ausência de egoísmo, a história é bem diferente.

Embora este assunto envolva situações muito melindrosas, relacionadas com fortes necessidades pessoais e pungentes emoções individuais, as questões de base são relativamente simples.

O hábito de fumar está tão enraizado na sociedade que ficamos com a sensação que é muito antigo. No entanto, no âmbito da História e como hábito social de massas, é até bastante recente. Se encararmos a História da Humanidade como um processo numa escala de 24 horas, que vai desde o aparecimento dos primeiros hominídeos até à actualidade, o hábito generalizado de fumar acabou de se instalar há minutos atrás. O tabaco, como novidade, foi trazido para a Europa, no contexto da expansão marítima iniciada pelos Portugueses no séc. XV. A planta será provavelmente originária de ilhas das Caraíbas e o seu consumo ao natural, estava já enraizado em certas tribos de índios americanos. A sua divulgação pelo resto do mundo, através de navegadores e comerciantes portugueses, holandeses, espanhóis, ingleses, foi bastante lenta e suscitou reacções muito diferentes, desde a aceitação curiosa, inclusivamente para fins medicinais, até à declarada hostilidade com punições radicais, mais por motivos culturais, políticos e religiosos do que por razões do foro científico. Contudo, foi apenas durante o séc. XX que o hábito de fumar se disseminou da forma como o conhecemos agora. Para tal fenómeno, contribuíram muito determinados factores, como o interesse comercial da planta, o elevado potencial de negócio e lucro e o forte investimento publicitário, inclusivamente com recurso ao exemplo de estrelas do mundo do desporto, da moda, do cinema e do show business, algo que seria impensável agora. Houve um tempo em que fumar foi moda, foi bem visto, quase indispensável mesmo, sinal exterior de sucesso material e pessoal, bom gosto e glamour; foi o tempo das cigarrilhas, das boquilhas de marfim ou de prata, dos charutos cubanos, do whisky “antes” e o cigarro “depois, do cowboy da Marborlo. Tenho uma parente que é desse tempo e que ainda diz que “adora ver um homem a fumar”. E depois foi a divulgação maciça, entre todos os sectores da população, com o lançamento de cigarros para todos os gostos e bolsas, com gerações inteiras de fumadores a sucederem-se porque as pessoas começavam a fumar muito cedo, seguindo o exemplo dos pais, dos tios, dos irmãos mais velhos. As mulheres ficaram durante muito tempo fora desse circuito, com excepção de algumas damas do jet-set. Essa situação só viria a alterar-se profundamente para o fim da 2.ª metade do séc. XX, seguindo o ritmo dos processos de emancipação feminina e hoje em dia são inúmeras as mulheres que fumam, o que tem contribuído substancialmente para alterar as relações de mortalidade entre sexos, começando a reduzir  a tradicional “vantagem” feminina. É por isso que hoje cada vez mais mulheres são atingidas mais precocemente por problemas agudos que antes eram bem mais comuns no sexo masculino, como enfartes repentinos, tromboses e acidentes cardiovasculares.

Evidentemente, foi preciso passar muito tempo e o sacrifício de muitos milhões de fumadores para que a ciência em geral e a medicina em particular se fossem apercebendo dos malefícios do tabaco. Gerações inteiras de fumadores foram seguidas, rastreadas, de forma directa ou indirecta e os efeitos perniciosos do vício tabágico começaram a transparecer nos gráficos e relatórios de médicos e hospitais, nas estatísticas locais, regionais e nacionais e foram apercebidos nas relações formais entre profissionais de saúde e seus pacientes. Depressa se tornou evidente a correlação entre diversos problemas agudos e crónicos de saúde e o hábito de fumar, especialmente no que respeita a moléstias do sistema cardio-respiratório. Tendo-se definitivamente instalado essa certeza, toda uma linha de investigação médica e científica se desenvolveu então, tendo ficado estabelecido nos últimos anos, sem margem para quaisquer dúvidas, que o hábito de fumar é extremamente tóxico para o organismo humano, funcionando por acumulação. Infelizmente, seria preciso ainda mais tempo e mais uns milhões de vítimas para se chegar ao conceito de “fumo passivo” e se entender e comprovar que o fumo simplesmente inalado em ambientes fechados é praticamente tão pernicioso como o fumado directamente.

Neste momento, quero estabelecer aqui duas conclusões que me parecem irrefutáveis: o hábito de fumar é muito tóxico para o organismo humano e está directamente associado a diversas doenças graves, mortais ou altamente incapacitantes, estando ainda em estudo o seu papel noutras doenças, patologias e processos degenerativos diversos; o fumo passivo em ambientes fechados tem efeitos cumulativos praticamente tão graves quanto os do fumo activo.

Estas conclusões, sustentadas por estudos científicos e médicos de total credibilidade, levaram a que os legisladores e autoridades, eleitos por todos nós e responsáveis directos pela saúde e bem-estar das populações, não pudessem ficar indiferentes e tivessem de agir. É nesse contexto, de saúde pública, que se deve entender as medidas agora implementadas. Até recentemente, toda a gente, desde que maior de idade, podia fumar em qualquer recinto fechado, com pouquíssimas excepções. O que não existia e era tremendamente injusto, era a possibilidade de opção. O fumador podia fumar em todos os restaurantes, bares e recintos de diversão nocturna, por exemplo. O não fumador tinha de ficar em casa ou… fumar também. Aqui na nossa ilha Terceira, em toda a minha vida, só conheci dois espaços públicos onde não era permitido fumar: um que já não existe nesses moldes, o bar do Negrito, enquanto foi gerido pelo Dr. Fernando Monteiro Paes e um que se mantém, o restaurante vegetariano “Shiila’s Place” no Jardim Publico de Angra.

O que agora está legalmente determinado, parece-me bastante bem, justo e correcto. Agora os comerciantes têm a opção de classificar o seu estabelecimento relativamente ao acto de fumar: declaram-no simplesmente como espaço livre de fumo ou, tendo dimensão para isso, reservam um espaço para fumantes, equipado com extractores de fumo e purificadores de ar. Passamos a ter bares, restaurantes, pubs e discotecas, com ou sem espaços para fumar, devidamente identificados e assinalados. As pessoas podem exercer o seu livre direito de opção e têm alternativas. Nem refiro já outros tipos de espaços, nomeadamente espaços comunitários ou estruturas estatais. As notícias dos últimos dias fazem-me crer que a tendência geral dos comerciantes é para tornar os seus espaços livres de fumo mas eles também são livres de optar e a sua decisão deve ser respeitada.

Lembro-me sempre de uma experiência que tive em 2003, numa breve passagem pelo aeroporto de Singapura; estava em escala, não tinha nada para fazer e vagueei um bocado pelo aeroporto; imenso e imaculadamente limpo; totalmente livre de fumo, com excepção de um pequeno espaço, reservado para fumar; o aeroporto era enorme e tive dificuldade em encontrar esse espaço mas procurei-o por curiosidade (eu não fumo); era uma minúscula sala que mesmo equipada com exaustores, tinha um bocado de fumo no ar; cheirava muito mal e o ambiente geral e a aparência pouco saudável dos seus poucos utentes, fez-me lembrar uma câmara de gás dos nazis. Foi essa emoção negativa que guardei.

Fiquei triste, embora nada surpreso, com as declarações de Miguel Sousa Tavares  (MST) em recente noticiário da TVI. Devo esclarecer que MST é talvez a única figura publica que realmente admiroem Portugal. Pelainteligência, perspicácia, cultura, espírito crítico e, sobretudo independência, embora esteja longe de primar pela simpatia. E como escritor, já me fascinou também, com a sua obra “Equador” (ainda não tive oportunidade de ler a última). Mas o seu ponto fraco é exactamente a sua atitude perante a questão do tabaco. Fumador inveterado, MST defende com unhas e dentes o seu direito de fumar onde e quando muito bem entender e apelida de fundamentalistas quaisquer iniciativas no sentido oposto. Eu também acho que MST deve fumar quando e onde lhe apetecer. Desde que não obrigue outras pessoas a respirar o fumo dele ou as pressione para não frequentar espaços públicos. É ele quem tem de procurar espaços que permitam o fumo ou fumar ao ar livre. Foi patética a forma quase infantil e mesquinha como criticou a opção de um restaurante de que era cliente, declarando que ia mudar de restaurante e vaticinando que o outro ia perder clientes. Não creio Sr. MST, creio até que vai ganhar. Veremos se o futuro me dá razão.

Para terminar, acredito que fumar se vá tornando cada vez mais um acto absolutamente individual que se pratica em casa de cada um ou ao ar livre. Essa parece-me a situação socialmente mais correcta. Então, ficaremos “apenas” sujeitos à imensa poluição ambiental e atmosférica, provocada pelos gases de escape dos automóveis, dos aviões e das indústrias. Mas isso é outra guerra.

 

Popeye9700@yahoo.com

EM DEFESA DA INTELIGÊNCIA, TOLERÂNCIA E ABERTURA DE ESPÍRITO

Dezembro 21, 2009

Tarcísio Pacheco

 

IMAGEM: http://cinabrio.over-blog.es/article-mensajes-de-humo-del-vaticano-cartoons-116168791.html

 

 

Recentemente, fiz publicar na coluna de Opinião do DI um artigo em que me referia em 90% à Igreja Católica Romana e em 10% ou menos à pessoa do senhor Ramiro Carrola, habitual colunista deste jornal na rara e curiosa vertente do saudosismo nacional-socialista. Realmente foi um artigo desse inspirado pensador que provocou as minhas observações. Por isso mesmo, o meu artigo, a seis colunas, referia quatro vezes o seu nome, a primeira das quais por imperiosa necessidade de contextualização e as restantes a propósito, no desenvolvimento do artigo. No último período do meu texto, realmente sugeri-lhe que “estrebuchasse” mas creio ter sido a única referência eventualmente menos delicada à sua pessoa. Em resposta, o senhor Carrola fez publicar um artigo de opinião no DI, em que o meu nome é directamente referido por dezasseis vezes, abundando ainda as referências indirectas em que sou pitorescamente comparado a diversos animais, por entre outros insultos. Entendo por que razão DI publica este tipo de artigos; além da questão da liberdade de expressão (inexistente no mundo ideal de certas pessoas), acabam por ser verdadeiros textos cómicos que contribuem para quebrar a aridez e monotonia das habituais críticas políticas, económicas e sociais e das notícias sobre novos impostos e acidentes de viação.

Devo dizer que estava à espera precisamente deste tipo de reacção, rasteira e venenosa, que não me surpreendeu. A minha atitude também já estava definida, inscreve-se num plano superior. Não alimentarei polémicas estéreis a este baixo nível. Já o fiz no passado mas com oponentes bem-educados, inteligentes e com ideias interessantes. Neste caso, não vale mesmo a pena. Para os leitores interessados, sugiro a consulta às edições em questão, (Heliodoro Tarcísio, “A Vitimação da Igreja de Roma” in DI de 25/10/2007 e Ramiro Carrola, “A gosma de uma malquerença vesga à Igreja” in DI de 03/11/2007). Uma leitura atenta dos dois artigos permitirá comparar a qualidade de ambos e fazer entender as minhas posições.

Por outro lado, se não cedo ao instinto básico de insultar as pessoas que perfilham ideias das quais discordo fortemente, o mesmo já não se aplica à crítica a essas mesmas ideias. Para mim, o proveito está precisamente nisso, na discussão pública de diferentes perspectivas da vida. Todos podemos ganhar com isso, já que entendo que na vida se aprende até ao fim, pelo menos para quem tem a mente aberta. Vamos lá então à crítica das ideias e deixemos os ataques pessoais para os pobres de espírito.

Parece que na raiz de tudo estão as declarações do príncipe da Igreja e meu prezado homónimo, Tarcísio Bertone, nas comemorações do 80.º aniversário das Aparições de Fátima. Ora, esse é, precisamente, um excelente mote para mim. Uma parte importante do nosso bom povo português, o mesmo que todas as estatísticas declaram, inculto, mal informado, meio analfabeto e inqualificado para quase tudo, acredita piamente que a mãe da personagem histórica Jesus de Nazaré, falecida há 2.000 anos, mais coisa menos coisa, apareceu por aqueles lados no início do séc. XX e transmitiu uns grandes segredos universais a três humildes crianças. Ora, eu tenho fé em algumas coisas invisíveis e até acredito piamente que alguma coisa estranha aconteceu por ali. Mas não sei o quê ao certo e desconfio que ninguém sabe. Contudo, conhecendo eu a ânsia de domínio e poder da Igreja de Roma e a sua capacidade de manipulação das massas ignorantes, estou convicto que a história de Fátima é uma efabulação habilmente aproveitada e alimentada pela igreja católica. E não estou só nas minhas convicções, pois até dentro do universo católico há diversas vozes nesse sentido. Vem um grande mal ao mundo por isso? Se calhar até não, para quem vai a Fátima de alma limpa. Muita coisa positiva já aconteceu porque há almas boas e simples que acreditamem Fátima. Euparticipo todos os anos na romaria da Serreta, por prazer e tradição e, apesar de não ser católico, quando chego à igreja, recolho-me uns momentos em meditação, agradecendo (a ninguém em particular) o facto de estar vivo e de saúde, assim como os meus. Faço isso porque entendo que se trata de um momento positivo e, na generalidade, de um espaço e ocasião repletos de energias benignas. E não vale a pena vir dizer que na hora da morte muitos ateus chamam por Nossa Senhora. Isso é um fenómeno natural. Quando chegar a minha hora, se tiver tempo, até posso chamar por cada um dos 400 novos Beatos espanhóis. É que o momento da nossa morte é aborrecido e muito desagradável de passar. Eu adiava, mas tem de ser.

Convém esclarecer que não “babo um ódio mesquinho” pela Igreja Católica. Babo-me por outras coisas bem mais interessantes. Chocolate, mulheres bonitas, uma boa conversa com amigos, um copo de Mateus Rosê, uma velejada no meu barco, um bom filme, um pôr-do-sol, não necessariamente por esta ordem. Até agora ainda não odiei nada nem ninguém na vida. Só não gosto da Igreja Católica Romana, enquanto instituição. Não odeio nenhum dos seus membros em particular, bispo paramentado, padre pregador, humilde sacristão ou simples crente. A maior parte dos meus familiares e amigos é católica e sou até amigo de um padre, que já velejou comigo até à Graciosa e se ele não for para o Céu, garanto que não é por culpa minha. Não sou pessoa de ódios, sou mais de amores, bastantes.

Confesso a minha perplexidade perante alguém que pretende intervir na sociedade em que vive, fazendo publicar artigos de opinião nos jornais de maior circulação e candidamente confessa que só lê o editorial, os títulos e a programação da TV. Todos os outros articulistas não alinham três palavras seguidas, são sabujos do poder democrático, repetitivos e monótonos. Isso é estreiteza de vistas. Raquitismo intelectual. Sobranceria injustificada. Ignorância inconsciente. Neste caso, se a pretensão for ler artigos com o mesmo conteúdo ideológico, não vai ser fácil, vai acabar a ler a lista das farmácias de serviço ou o horário do movimento aéreo. É que já não é fácil encontrar saudosistas do regime fascista português, a não ser nas fileiras dos grupos neo-nazis e de extrema-direita. É uma espécie em vias de extinção. Mas ainda estrebucham. Por aqui e por ali, por Santa Comba Dão e pela ilha Terceira.

Não é meu hábito cair em contradições, muito menos primárias. Para me acusar disso, é preciso ter capacidade intelectual para o demonstrar. Isso não aconteceu de modo nenhum. Afirmo e repito que a igreja católica portuguesa tem por detrás de si todo o (ainda) imenso poder do estado do Vaticano, todas as possibilidades de comunicação do mundo actual e uma presença histórica ainda muito profunda na nossa sociedade, a diversos níveis; apesar desses factos (e a palavra-chave aqui é mesmo “apesar”) está em clara e contínua decadência, com graves e crescentes problemas financeiros, com os cultos cada vez mais desertificados, sem novas vocações nos seminários e conventos. O folclore de Fátima vai disfarçando a crise mas não a resolve.  Se alguém tem argumentos que provem o contrario, aqui estou eu para humildemente aceitar quaisquer evidências.

Este percurso descendente tem com certeza várias justificações, como fenómeno complexo que é. Não tenho a pretensão de os entender todos e completamente. Encontro factores de ordem universal e civilizacional: as pessoas, em sentido lato, são agora mais inteligentes, mais cultas, mais informadas e mais abertas. Já não se ficam pelas prédicas do padre lá da paróquia e pelo que decoraram na catequese da infância. Sabem que na vida há muitos mistérios e que ninguém tem a chave deles, muitos perceberam que o Papa tem basicamente as chaves dos cofres do Vaticano. As pessoas questionam-se, duvidam, estudam, pensam, divagam, informam-se, lêem, viajam, são curiosas, apercebem-se do relativismo da “verdade” e os seus interesses diversificam-se. Cada vez há menos livros sagrados. Sagrada é a vida, sagrado é o amor. Esse amor, universal e incondicional, tão afastado da igreja dos purpúreos cardeais. Acusa-se as pessoas de um exagerado materialismo. Não deixa de ser verdade, parece-me que a civilização cristã passou por um período de desnorte, perante a falência da igreja católica, a ausência de explicações credíveis sobre os mistérios da vida e da morte e a incapacidade de encontrar a felicidade terrena perante tantos problemas materiais e tanta miséria e instabilidade. Mas, por outro lado, também me parece que, nesta Era de Aquário, que agora iniciamos, há um leve mas bem perceptível movimento de interesse pela metafísica, pelo sobrenatural, pelo esotérico que, mais que uma moda passageira, se traduz no aparecimento de muitas novas religiões, no retomar de antigas crenças e filosofias que, tantas delas, foram esmagadas e rudemente reprimidas por uma igreja católica, que se julgava detentora da verdade única e universal, tantas vezes imposta a ferro e fogo.

E quanto ao que alguns chamam de “estafados chavões”, acredito que na verdade constituem alguns dos motivos bem específicos para o crescente insucesso da igreja católica. Esta defende-se dizendo que não pode colocar em causa os pilares da sua fé. Mas na verdade, sem querer entrar em questões teológicas profundas, para as quais não me sinto qualificado, uma boa parte desses ditames nem encontra suporte nos livros sagrados dos cristãos; são normas e regras, criadas há muitas centenas de anos por uma igreja de homens, misóginos, fanáticos e sedentos de domínio e poder. Tenho muita vontade de debater publicamente estas questões mas, para não ir mais longe hoje, direi apenas que, no mundo de hoje, teimar em ignorar a inteligência, a força, a sensibilidade, a profundidade a influência e os direitos básicos das mulheres como iguais dos homens é, acima de tudo, um acto de profunda e persistente estupidez. Cuja responsabilidade radica em grande parte em “figuras de elevada craveira moral e intelectual” como os chefes da igreja católica, mais conhecidos por Papas.

Para terminar, o Sr. Carrola diz que recebe uns emails “canalhas e cobardes” (sic…). Talvez ele possa partilhar esses textos connosco. Acontece que eu também recebo uns emails. Hoje vou partilhar aqui excertos de um deles, com a devida autorização do seu autor, alguém que conheço mal e apenas no campo profissional: “(…) permita-me a liberdade de lhe enviar esta mensagem por email, para o felicitar pelo artigo, de uma qualidade e importância excepcionais, publicado ontem no DI, sobre a Igreja de Roma (…) É para mim do melhor e mais importante que tenho lido nos jornais – todos os que leio com regularidade – em muito tempo”.

 

popeye9700@yahoo.com

CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS - CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte II)

Dezembro 20, 2009

Tarcísio Pacheco

imagem: http://blog.jovempan.uol.com.br/entreeles/cartunista-publica-desenho-de-jesus-em-relacao-homossexual-com-freddie-mercury-bapho/

 

 

Este é ainda o contraditório relativamente à Parte I do artigo de Rodrigo Bento (RB) sobre casamentos homossexuais, publicado no D.I. de 28 de Novembro. A sua Parte II, publicada no D.I. de 16 de Dezembro, de carácter essencialmente teológico, suscita-me outro tipo de comentários, a publicar oportunamente.

Pouco interessa saber qual é a percentagem de homossexuais em Portugal e na Terceira. O que é certo é que se trata de uma minoria, cujos direitos sociais devemos proteger. Qualquer tentativa de rotulagem e quantificação esbarrará sempre na extrema dificuldade de definir o próprio conceito de “homossexual”, que é relativamente fluído. E para efeitos legislativos, o que interessa é se as pessoas querem casar com alguém do mesmo sexo. Se querem, serão homossexuais com certeza. Outros são bissexuais, a maioria é heterossexual e continuaremos todos a viver debaixo do mesmo sol. De qualquer modo, é bom que RB refresque os seus conhecimentos de Estatística e se informe sobre o princípio da proporcionalidade.

O que eu espero dos comportamentos amorosos públicos é que eles sejam efusivos e abundantes, obedecendo apenas aos limites do bom senso e do respeito pelos outros. Um povo que se ama e demonstra isso em público,  é com certeza um povo feliz. O amor é lindo e não tem fronteiras, não tem de obedecer a convenções sociais nem à “moral, cultura e tradição” de uma comunidade, até porque tudo isso faz parte de um sistema mutável. Se a minha filha de 11 anos reparar que dois homens ou duas mulheres estão de mãos dadas ou a beijar-se em público, dir-lhe-ei apenas que, com certeza eles se amam e que é provável que Deus, se existe, esteja feliz com o amor deles. Isso porque sempre lhe ensinei que deve ser aberta e tolerante perante a diferença, embora respeitando os valores morais universais em que acredito, porque, evidentemente, acredito em alguma coisa. Do mesmo modo, não teria o menor problema em deixar qualquer dos meus filhos dormir em casa de um amigo adoptado por um casal homossexual. A minha preocupação seria idêntica ao caso mais comum de um casal heterossexual, preocupar-me-ia exclusivamente com o ambiente naquela casa e com a idoneidade daquele casal. Avaliar  os bons sentimentos, a educação, a cultura, o nível moral e o bom senso de um casal apenas pelo prisma da sua preferência sexual, revela um triste e deprimente preconceito e mais nada.

As aulas de educação sexual em Portugal são um assunto anedótico e revelam bem o preconceito, o atraso e a estreiteza intelectual da sociedade portuguesa. Fui professor há mais de 20 anos e já na altura, esse era um tema em discussão. Pois bem, passaram 20 anos e o tema continua em discussão, enquanto gerações inteiras de raparigas engravidam precocemente e gerações inteiras de rapazes desconhecem o essencial sobre o orgasmo feminino. O impulso sexual é fundamental e muito forte, logo a educação sexual devia começar desde o jardim de infância, naturalmente de forma adequada a cada nível etário e acompanhar o estudante até ao fim do seu percurso escolar. As aulas de educação sexual nas escolas, com um programa aberto e tolerante, não farão de ninguém um homossexual, porque isso, em larga medida, nasce com a pessoa. Mas de certeza absoluta, terão dois efeitos muito importantes: permitirão que a criança com tendência homossexual se desenvolva de forma estável e equilibrada, sem se sentir diferente pela negativa e sem ser rotulada, descriminada e reprimida; farão com que a sociedade em geral, nomeadamente a heterossexual, aprenda a conviver naturalmente com a diferença e a valorizar as pessoas pelas suas qualidades intelectuais e morais, em detrimento das suas preferências sexuais. A homossexualidade não é “um estilo de vida”, é apenas a designação de uma orientação sexual. Um “estilo de vida” é definido por múltiplas variáveis: personalidade, carácter, valores, educação, preferências, talentos, profissão, hobbies, vícios, etc.

Se o treinador do meu filho for gay, só espero que ele não misture o trabalho com questões pessoais e sobretudo que não seja pedófilo, já que considero a pedofilia, essa sim, uma hedionda perversão ou uma grave doença. Se o meu filho tiver beneficiado de uma boa educação sexual, na escola e em casa, vai estar apenas sujeito aos riscos inerentes ao facto de estar vivo e de viver em sociedade. Estará preparado para lidar com qualquer proposta de índole sexual. Como pai, estando de consciência tranquila, em termos de educação, só posso desejar que o meu filho tenha experiências sexuais satisfatórias, adequadas à sua idade e nível de desenvolvimento e que o ajudem a crescer e a ser feliz. Isso não terá nunca nada a ver com orientação sexual porque, se tivesse um filho gay, o amaria exactamente do mesmo modo. O problema de RB é misturar no mesmo saco coisas tão díspares como homossexualismo, incesto e pedofilia, o que revela ou malícia ou ignorância.

RB e toda a gente que pensa como ele, necessitam de estudar um pouco, olhar para a história da humanidade e tentar aprender alguma coisa. RB clama que há 25 anos atrás ninguém aprovaria o aborto ou o casamento homossexual. Com certeza que não, as mudanças acontecem quando a sociedade amadureceu o suficiente para ser capaz de olhar criticamente para os seus conceitos, regras e normas e admitir, no mínimo, a sua discussão. Com certeza que, hoje em dia, não passa pela cabeça de RB, defender que as mulheres devem ficar em casa, não trabalhar nem votar. Mas era isso precisamente o que acontecia na Europa há 100 anos atrás e a emancipação feminina não aconteceu de um dia para o outro. Foi preciso muitos anos de luta para que as mulheres tivessem exactamente os mesmos direitos que os homens perante a lei. E isso é um processo em curso, uma vez que ainda assistimos a muitas situações de discriminação das mulheres. Ainda recentemente, um tonto de um almirante qualquer veio dizer em público que as mulheres são demasiado emotivas para entrar em combate… As mentalidades não mudam com as alterações legislativas, mudam com a evolução cultural de um povo, num processo lento. Eu sei que os homossexuais vão mesmo poder casar-se em Portugal, em breve. Mas a intolerância, a discriminação e a repressão vão continuar por muitos anos, pela simples razão de que continuarão a existir pessoas como RB por muito tempo ainda.

Nenhuma sociedade vive sem regras e valores. As sociedades evoluem em todos os planos, material, intelectual, moral e religioso. Não me parece que o que esteja em causa hoje em dia seja os valores básicos do Cristianismo. Na verdade, pouco sabemos sobre Jesus de Nazaré mas quase toda a gente concorda que foi alguém excepcional. E ninguém defende, como filosofia de vida, que se deva “matar pessoas” ou “desrespeitar pai e mãe”. Há valores que são unanimemente aceites no mundo evoluído. Na verdade, o que está em crise profunda e irreversível é a Igreja Católica. Isto devido aos seus inúmeros crimes e porque com o conhecimento que acumulámos e com o actual desenvolvimento intelectual, a maior parte das pessoas já não aceita explicações do tipo dogmático. Também cada vez se torna mais claro que a Igreja de Roma é sobretudo uma organização de poder, concebida e desenvolvida para dominar o mundo, o mais das vezes através da violência e aproveitando-se da ignorância. Talvez a minha crença mais profunda é que, Deus, se existe, não tem nada a ver com a Igreja Católica.

Na actualidade, as sociedades do mundo civilizado estão, nitidamente, em plena evolução. Há imensas coisas que não estão bem, já todos percebemos que o processo evolutivo do Homem é lento e penoso. Mas alguns dos aspectos mais positivos têm a ver precisamente com a alteração de mentalidades, com a abertura de espírito e a aceitação da diferença. Com o facto, por exemplo, de se aceitar a homossexualidade como algo natural e comum na espécie humana, nem bom nem mau, apenas mais uma das nossas características.

Eu sei que RB não me vai entender mas é muito provável que os Portugueses precisem de deixar de considerar a homossexualidade uma doença, para começarem a ter melhores salários, melhor saúde, menos corrupção, etc. Porque isso significaria que teríamos mudado de forma relevante. O país que temos tem a tudo a ver com quem nós somos.

No texto de RB, para além de uma mal disfarçada homofobia, chamou-me a atenção uma citação de Martin Luther King. Este homem superior, activista de direitos humanos, lutou e morreu pela causa da oposição à segregação racial.  Provavelmente, RB não entende que, postas as coisas em perspectiva, se ele tivesse vivido no tempo de MLK, teria pertencido ao grupo de brancos racistas contra quem ele lutava, ao grupo dos “perversos” porque, ser racista no sul dos EUA naquele período, era o que estava de acordo com a “moral, tradição e cultura” da sociedade de brancos.

Para terminar esta “Parte II”, lembro que RB afirma não ter nada contra os homossexuais e que até tem um amigo com essa “doença”. Isso tranquiliza-me bastante, imaginem se tivesse algo contra eles. Podia ser uma coisa muito feia. Mesmo assim, não consigo deixar de ter pena do amigo homossexual dele. Não estará na altura deste rever as suas amizades? É provável que este artigo tenha continuação. POPEYE9700@YAHOO.COM

CASAMENTOS HOMOSSEXUAIS - CONSIDERAÇÕES OUTRAS (Parte I)

Dezembro 10, 2009

Tarcísio Pacheco

 

 

imagem: http://casamentoo.webnode.com.pt/casamento-homossexual/

 

Enquanto aguardo ansiosamente as novas revelações de  Rodrigo Bento (RB) sobre a vontade de Deus e a parte II do sua Carta aos Terceirenses Sobre os Pecados Contra a Natureza, em texto publicado no D.I. de 28 de Novembro, eu que, humildemente,  só falo por mim, também tenho qualquer coisinha para  escrever sobre o assunto.

O texto de RB é cheio de inexactidões, efabulações e falácias, próprias de quem constrói um discurso para justificar preconceitos e perspectivas muito pessoais, apresentados como verdades absolutas. Se RB se limitasse a transmitir-nos a sua opinião sobre o assunto, eu discordaria, naturalmente,  e mais nada. Mas RB remonta a Adão e Eva e coloca do seu lado gente grada como o apóstolo Paulo, psiquiatras brasileiros, a insuspeita  Internet e o próprio Deus. Bom, com gente tão fina, isto vai dar-me trabalho…Aliás, RB será com toda a certeza alguém muito bem relacionado na esfera celeste porque parece ter perfeito conhecimento do que Deus pensa e quer. Eu até acredito em Deus mas a verdade é que, tanto quanto sabemos, Deus nunca assinou qualquer publicação, nem sequer a Bíblia, nunca aceitou ser entrevistado na TV nem tem blog na Internet. Tudo o que sabemos sobre Deus e o seu plano divino é o que Ele terá inspirado em noites de evangélica insónia, soprado ao ouvido ou dito em sonhos a meia dúzia de iluminados há uns milhares de anos atrás. Na verdade todas as revelações evangélicas são do género  “Noutro dia Deus disse-me  que…”. Aparentemente, RB é uma dessas criaturas, por isso devemos aguardar novas revelações, esgotados que estão os famosos segredos de Fátima. Enquanto elas não chegam, vamos então debruçar-nos sobre as presentes.

Não sei que dicionários RB anda a consultar mas parece-me que tem andado a revirar na biblioteca do avô dele. Os dicionários de português são obras que atribuem significados a todas as palavras do léxico nacional. Este imenso trabalho é feito por pessoas, normalmente intelectuais convidados, de todos os quadrantes do saber. Naturalmente, os dicionários reflectem o saber e a mentalidade da época em que foram organizados. É por essa simples razão e porque uma língua é uma entidade viva que nunca cessa de evoluir, que a mais elementar inteligência aconselha a usar sempre dicionários recentes e actualizados. Realmente é possível encontrar definições de “homossexual” como “pessoa que pratica actos contra a natureza” em alguns dicionários, sobretudo em obras antigas ou clássicas em que há sucessivas reedições sem haver, muitas vezes, o cuidado de rever conceitos à luz do desenvolvimento intelectual, cultural, social e moral da sociedade. No entanto, pela sua natureza flexível, os dicionários online (disponíveis na Internet), são as obras deste género mais actualizadas porque esse processo de actualização é permanente e contínuo. Ora, uma simples busca em insuspeitos dicionários de português online dá-nos, por norma, uma definição de “homossexual” como “pessoa que pratica actos sexuais com pessoas do mesmo sexo”. E mais nada, obviamente, hoje em dia, nenhum dicionário sério apresenta significados contendo valorações morais como a que imediatamente se infere da expressão “actos contra a natureza”. Por outro lado, todos os dicionários de português referem “casamento” como “união legítima entre pessoas do sexo oposto” e não poderia ser diferente, já que, por enquanto, essa é a única possibilidade legalmente admitida no nosso país. Referi-lo, por conseguinte, é um exercício de redundância. Acredito que em breve isso vá mudar e, secretamente, espero ser convidado para o primeiro casamento na ilha Terceira entre pessoas do mesmo sexo. Aceitarei com todo o gosto.

Agora o que é aborrecido, senão mesmo revoltante, é esta mania que a sociedade tem de “suavizar as coisas”. Estávamos tão bem, chamando “perverso maricas” ao nosso vizinho do lado, que gosta de flores e “macha fêmea perversa” à moça do café da esquina, que só veste calças com braguilha e agora temos de os chamar de “pessoas com orientação sexual diferente”. Onde é que já se viu, isso não dá jeito nenhum como insulto, a seguir, se calhar, vão querer que os respeitemos, não?!

O que não vale mesmo a pena é entrar aqui na polémica criacionistas versus evolucionistas. O Jardim do Éden, Adão e Eva, tudo isso é uma novela deliciosa, se bem que nitidamente escrita por um homem (mulher é volúpia e sedução, homem é inocência e vítima; homem é obra-prima, mulher é complemento…). Mas é uma questão de fé, visto que nenhuma evidência científica, até agora, traz qualquer credibilidade a essa história. E fé é algo respeitável e que não se discute. Todavia, o mundo nunca mais foi o mesmo depois de Darwin, simplesmente porque a teoria que ele tão brilhantemente enunciou faz sentido, é lógica, racional e é apoiada pela observação científica. Isto, nenhum crente pode negar. De qualquer modo, quer isto tenha começado com Adão e Eva, quer tenha sido com um par de seres unicelulares tão entretidos no caldo primitivo como um par de cowboys na montanha de Brokeback, a verdade é que, em termos de Natureza, o principal propósito do sexo é fazer bebés. Se ficássemos só por aqui, eu já podia ir beber umas cervejas com RB. O problema é que temos a obrigação intelectual de não ficar por aqui. É preciso ter uma perspectiva mais superior da Humanidade em evolução. Já fomos seres peludos e bestiais metidos em cavernas, já fomos seres belicosos envolvidos em guerras por desporto, já matámos cruelmente por questões de fé. Do mesmo modo, já acreditámos que a única finalidade do sexo era a procriação. Manuela Ferreira Leite e RB ainda acreditam nisso e nesse aspecto, ainda vivem na Idade Média. Mas agora somos os seres mais inteligentes do planeta e até já fomos à Lua. A humanidade já está noutra onda. Levou muito tempo e foi à custa de muito sofrimento mas hoje, no mundo intelectualmente evoluído, sexo não é procriação, doa a quem doer. Já ninguém faz sexo para procriar. Sexo pode resumir-se a duas coisas: na sua forma mais sublime, é a expressão física do amor que une duas criaturas, podendo ou não resultar em procriação; na sua forma mais básica e instintiva é prazer somente e satisfação dos sentidos. Neste caso não convém nada que resulte em procriação. O único sentido moral que o sexo deve ter é a garantia de que acontece entre pessoas adultas ou, no mínimo, sexualmente maduras, em total liberdade, sem qualquer tipo de coacção e mentalmente sãs.

Ora, não estando o sexo relacionado com procriação, carece de sentido qualquer restrição moral e legal ao sexo homossexual. Se duas pessoas se amam, porque não hão-de usar o corpo que lhes foi dado para demonstrar e viver esse amor? Ou se duas pessoas sentem atracção física uma pela outra, sendo adultas ou pelo menos sexualmente maduras e mentalmente sãs, porque não hão-de proporcionar-se prazer mutuamente? E se por acaso o amor os impelir a partilhar a vida, estando dispostos a aceitar os deveres morais, sociais e jurídicos inerentes à instituição do casamento, porque não haverão de casar? Isto no fundo é simples, embora não tão simples ao ponto de nos podermos virar para o nosso filho adolescente que só brinca com as bonecas da irmã e dizer-lhe “ ó filho, olha que as uvas não nascem nas macieiras, por isso põe-te fino!”.

Na realidade, por mais que eu pense no assunto, chego sempre à mesma evidente conclusão: Ele quis que fosse assim!  Negá-lo pode ser até heresia e blasfémia…Pois se Ele é quem fez tudo, é que nos fez assim, sujeitos à constante tentação das delícias do sexo. Acredito que se o sexo fosse apenas para procriação, seria muito mais prático e cómodo tê-lo concebido como algo monótono, apenas a primeira e brevíssima etapa do processo de reprodução. Assim, seriam eliminados tantos “pecados”, a luxúria, o adultério, o “swing” e claro, os pecados “contra a natureza” posto que a natureza seria frígida. Seria algo assim: “Querido, vamos lá fazer o maninho do Fábio Miguel, está na hora certa” – “O quê, agora??!! Mas está na hora do futebol!” – “Anda lá filho, é só um instantinho, deixas a TV ligada e já vens ver o Benfica, anda lá filho, é muito aborrecido mas tem de ser …”

Podia ser assim mas é bem diferente… Quem nos concebeu, fez o sexo como ele é, libidinoso, quente, húmido, túrgido, irresistível, à base de uma frenética atracção fatal entre proeminências e reentrâncias, que nos transtorna os sentidos, nos turba a razão, nos deixa loucos e nos transporta às estrelas, lá está, mais perto Dele…E a culpa é nossa?

Numa coisa estou de acordo com RB, a homossexualidade não é uma coisa dos nossos dias. Tão longe até onde chegam os nossos conhecimentos sobre a história dos homens, encontramos comportamentos homossexuais. Nalgumas culturas, eles foram mesmo encarados com bastante naturalidade. Ou seja, a homossexualidade é, de uma forma geral, algo constante e natural na espécie humana. Não é, por conseguinte, nenhuma “perversão” dos tempos modernos. Também não é uma doença nem manifestação de “uma personalidade doente” como pretende o psiquiatra brasileiro de RB. Há muitos milhares de psiquiatras no mundo e o menos que falta é outros que pensam o contrário. Eu podia perfeitamente citar testemunhos opostos mas considero isso um exercício inútil, uma vez que não prova nada, apenas que há opiniões diferentes. Todos nós conhecemos homossexuais que são perfeitamente equilibrados em termos sociais, levando vidas  vulgares, desempenhando com competência as mais diversas profissões. Simplesmente sentem-se fisicamente atraídos por pessoas do mesmo sexo. E neste capítulo há casos muito diversos, a respeito de alguns dos quais me parece poder-se falar, não exactamente de doença mas de um provável erro da natureza. Refiro-me, por exemplo, aos fascinantes casos das pessoas que nascem com a morfologia externa de um sexo e a psique de outro e a todos os casos de hermafroditismo. Todos esses casos podem, hoje, ser corrigidos pela medicina, cabendo sempre a palavra final à vontade da pessoa em questão. Mas dentro da homossexualidade comum, o que é doentio é a negação, a não aceitação, a discriminação  e a repressão por parte da família, dos amigos e da sociedade. Felizmente, o mundo já evoluiu muito e perspectivas como a de RB vão sendo cada vez mais raras. Pois se homossexualismo é doença, no mundo de RB haveria com certeza uma nova especialidade médica, para  tratar a mariquice, com comprimidos, injecções, pesquisa de traumas de infância ou até, quem sabe, choques eléctricos. Este texto terá continuação. POPEYE9700@YAHOO.COM

 

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