DEIXEM OS GOLFINHOS EM PAZ!
Setembro 28, 2009
Tarcísio Pacheco
imagem: http://www.totalgifs.com/gifs-gratis/golfinhos/pagina-0.html
Ao ler a reportagem sobre as declarações de Adolfo Lima (AL) na edição do passado dia 26 de Setembro do Diário Insular, defendendo a “caça controlada de golfinhos”, a minha primeira reacção foi a de estarrecimento por tal criatura ter sido um poderoso e influente governante açoriano, por tantos anos seguidos, precisamente na área da agricultura e pescas. A quem andámos nós entregues….
Essa intensa emoção negativa já vinha de há algum tempo atrás, quando, recentemente, declarações do mesmo teor vieram a público, da parte deste mesmo senhor, secundado pelo vulcanólogo Victor Hugo Forjaz . Nessa altura foi-nos revelado algo que eu desconhecia, o facto de que na década de 80, coube inteiramente ao Governo da República, o mérito de Portugal ter sido incluído na lista de países que aderiram à proibição de abate de baleias e golfinhos. Se fosse por AL ainda andaríamos pelos mares açorianos de arpão em riste, derramando sangue.
A minha reacção de segundo nível foi de grande alívio por AL ser um político reformado arrumado na prateleira, já sem influência directa nos centros de decisão, embora, porventura, saudosista dos seus tempos de liderança e agora arvorado em “opinion maker”.
Reconheço que toda a gente, independentemente do seu estatuto, tem o direito de exprimir publicamente as suas opiniões e isso é louvável e é um dos alicerces das sociedades democráticas. Do mesmo modo, assiste a qualquer um, o direito de refutar ou criticar as posições públicas e é isso precisamente que estou a fazer agora.
AL não reconhece direitos aos animais; tal posição radical pode ser compreensível, por exemplo, num jovem pescador terceirense, na casa dos 20 anos, com quem tive um contacto profissional recentemente e que tem o diploma da escolaridade obrigatória para a sua idade mas, pura e simplesmente, não sabe ler nem escrever. De AL seria de esperar um pouco mais. Seria de esperar que conhecesse e aceitasse a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, proclamada pela UNESCO, em sessão realizada precisamente no coração da actual Comunidade Europeia, em Bruxelas, em 27 de Janeiro de 1978. Tal declaração constituiu o clímax de uma longa luta pela defesa dos direitos dos animais e é uma importante marca da nossa humanidade. Constitui, afinal, um símbolo, do que nos separa dos outros animais: uma inteligência muito desenvolvida, a capacidade de sentir emoções superiores, a capacidade de distinguir perfeitamente entre o bem e o mal na sua acepção mais universal e o conhecimento da própria morte.
Para não aborrecer os leitores e porque é mais que suficiente, citarei apenas os dois primeiros artigos da Declaração Universal dos Direitos dos Animais:
Art. 1 - Todos os animais nascem iguais perante a vida e têm os mesmos direitos à existência.
Art.2
1.Todo o animal tem o direito a ser respeitado.
2.O homem, como espécie animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito; tem o dever de pôr os seus conhecimentos ao serviço dos animais.
3.Todo o animal tem o direito à atenção, aos cuidados e à protecção do homem.
As teses de AL violam praticamente todos os artigos da Declaração e seria interessante analisá-las à luz desse facto mas isso fica para outra altura. Basta realçar que AL arrasa logo o artigo n.º 1, ao negar, periodicamente, o direito à existência de um determinado número de golfinhos, porque competem com os pescadores. Como se eles, golfinhos, tivessem qualquer outra escolha…
AL não exibe apenas frieza, desumanidade e desrespeito por níveis superiores da consciência humana; ele envolve-se também em contradições básicas que, realmente, contradizem a pretensa superioridade da espécie humana, pelo menos em alguns dos seus exemplares. Para AL o golfinho ganhou características de intocável e parece ter consciência disso, através dão seu comportamento junto dos pescadores ; por outro lado, beneficia, injustamente, do efeito “Walt Disney” (humanização dos animais em livros e filmes). Então se para AL o golfinho não tem emoções nem comportamentos que são próprios apenas dos humanos, porque lhes atribui “atitudes” de descaramento e “sentido de impunidade” ?
Há várias verdades incontornáveis e cientificamente comprovadas que nem mil políticos infinitamente melhores que AL ou qualquer tribo de pescadores analfabetos têm capacidade para desmentir.
A família dos cetáceos em geral (e não apenas os golfinhos) destaca-se na natureza por possuir capacidades intelectuais muito superiores, provavelmente as mais desenvolvidas no reino animal, cujos limites estão ainda em estudo até porque, sabemos que eles usam formas complexas de linguagem e comunicação que nós ainda não fomos capazes de descodificar. Sabemos que são capazes, por exemplo, de manter dois níveis de conversação em simultâneo, coisa que se calhar AL terá grandes dificuldades em fazer. Além disso, sabemos também que sentem formas superiores de emoção como amor, carinho, compaixão, saudade e solidariedade. Emoções que muitas bestas humanas não sentem… Isto não tem nada a ver com o mundo de Walt Disney porque se tivesse, não trataríamos com toda a crueldade com que tratamos, o bezerro Horácio, a vaca Clarabela, o rato Mickey, o pato Donald ou o cão Pateta. Por exemplo, para a equipa do Zoológico de Lisboa, os golfinhos são tratados com todo o carinho, é como se fossem uma família. Para eles, estes animais apreciam o contacto humano e alguns dos seus comportamentos demonstram uma enorme sensibilidade, doçura e inteligência.
Os relatos da intervenção VOLUNTÁRIA de cetáceos na ajuda e salvamento de humanos em dificuldades na água, não são do domínio do fantástico. Há muitos casos testemunhados e documentados. Poderia encher este jornal com relatos desses mas deixo aqui apenas um exemplo recente: no nordeste da China, uma beluga (pequeno cetáceo branco), salvou uma jovem mergulhadora de 26 anos de morrer afogada; esta participava numa prova de mergulho livre numa piscina de 7 metros de profundidade, em que os mergulhadores deviam permanecer no fundo em apneia o máximo de tempo possível; como a temperatura naquela zona era glacial, a jovem não conseguiu voltar à superfície quando o quis fazer porque ficou completamente paralisada no fundo da água gelada; estava já em vias de afogamento sem que ninguém se apercebesse disso quando uma das belugas que vivem naquela piscina se apercebeu da situação e, agarrando nas pernas da jovem com a boca, a levou rapidamente até à superfície. Há testemunhas e fotos porque havia mergulhadores a filmar a competição (que no entanto não se aperceberam antes da tragédia iminente…).
Os golfinhos destacam-se pelo seu psiquismo muito desenvolvido e demonstram uma profunda empatia com o ser humano. Hoje em dia há toda uma extensa e prometedora linha terapêutica que recorre aos golfinhos como parceiros fundamentais no tratamento de uma série de problemas de saúde, em diversos campos, como, para dar um precioso exemplo, na recuperação de atrasos de desenvolvimento em crianças.
AL revela também também um desconhecimento primário e grosseiro, para um ex-dirigente político, dos problemas dos golfinhos em todo o mundo. Na realidade, o problema geral é precisamente ao contrário da forma como AL o coloca. Ao invés de colocarem os stocks de peixe em risco, são os golfinhos que morrem aos milhares todos os anos, por questões de poluição, alteração radical de habitats, devastação das suas presas naturais e captura acidental em artes de pesca cegas ou desadequadas. Sabemos que são milhares de baixas todos anos, é difícil saber quantos ao certo porque os governantes evitam divulgar esses números. Nem é preciso ir muito longe, dos 40 indivíduos que constituíam a única população residente de golfinhos em Portugal Continental, no estuário do Sado, restam cerca de 25. Será que AL também defende o abate controlado de exemplares deste grupo porque roubam peixe aos coitadinhos dos pescadores de Setúbal ?
O que AL, como tecnocrata da área, sabe mas não diz, é quais são as verdadeiras razões para o desaparecimento gradual do peixe dos mares. Isso tem pouco a ver com golfinhos, que sempre existiram nos mares dos Açores e nunca foram encarados como um recurso alimentar. As verdadeiras razões têm a ver com fenómenos de poluição geral e marítima em particular, com a alteração radical e profunda dos habitats marinhos, com a destruição da cadeia alimentar na sua base e com comportamentos humanos tais como a sobrepesca, o uso de arrastões, a pesca cega e o uso de artes proibidas ou simplesmente selvagens. Tudo isto acontece devido aos nossos próprios comportamentos individuais, egoístas, ignorantes e materialistas e á mediocridade dos nossos políticos e governantes que, ou não sabem o que fazem ou são reféns de interesses políticos, mesquinhos, corporativos, com origem em “lobbies” e, quantas vezes, corruptos. Tentar demonizar os golfinhos é de uma pobreza mental atroz e chocante.
Por todos os motivos que referi, parece-me de vital importância criar santuários de golfinhos (e cetáceos em geral) como tem vindo a acontecer nos Açores. Acredito que nada poderá mudar a actual perspectiva de encarar os golfinhos como amigos e parceiros. Basta atentar no franco crescimento em todas as ilhas das actividades de whale watching. AL não precisará lembrar-me que algumas comunidades praticam simultaneamente whale watching e abate de cetáceos, com alvos diferentes, sou uma pessoa informada. Mas essa parece-me ser uma prática que é o cúmulo da hipocrisia e eticamente insustentável. Num dia levar a máquina fotográfica e fazer festinhas aos amigos golfinhos, no outro dia deixar a máquina em casa, levar o arpão e trazer o amigo, ou o primo do amigo, em bifes.
AL não consegue ver nos golfinhos mais do que rivais na pesca comercial. Eu vejo muito mais que isso e defendo o controle de stocks apenas para os peixes, para o bacalhau ou o atum. Nem eu, nem AL sabemos para que estamos neste mundo. Os golfinhos também não sabem, esse é um dos maiores mistérios da vida, a sua finalidade. Para quem é capaz de reflectir, claro.
A minha mensagem para AL é que vá jogar golfe e deixe os golfinhos em paz. AL também ocupa espaço neste mundo, consome recursos naturais e , para ser moderno, vai deixando a sua pegada ecológica. Mas eu acredito que ele deve andar por aí até ao seu fim natural. Defendo o mesmo para os golfinhos. POPEYE9700@YAHOO.COM