ELOGIO DA DIFERENÇA
Julho 05, 2008
Tarcísio Pacheco
IMAGEM: http://forummarvao.blogspot.pt/2009/06/caricatura-de-manuela-ferreira-leite.html
A Dr.ª Manuela Ferreira Leite nunca me enganou, com o seu carão severo, sisudo e asceta e a sua lamentável falta de humor. Faz parte de uma linha de políticos, bem representada pela própria e pelo Dr. Cavaco Silva, por exemplo, políticos especializadíssimos em qualquer coisa, economia e finanças neste caso, formalistas e limitados, cinzentos, sem imaginação, que pretendem aplicar a todos os sectores da vida, o rigor aritmético e a frieza dos números com que sempre lidaram. Estes políticos podem até ser mais ou menos inofensivos, se não lhes derem cargos de muito poder, se os cingirem aos seus gabinetes técnicos ou se os colocarem em cargos pouco mais que decorativos, como no caso do actual Presidente da República.
Mas acontece que Ferreira Leite é a recém eleita líder do maior partido da oposição e candidata natural ao cargo todo-poderoso de Primeiro-Ministro, que é na realidade, O CHEFE de todos os portugueses. Devo esclarecer aqui que não me interessa que partido político está onde, uma vez que não aprecio o sistema partidário nem tenho apreço por políticos, com uma ou outra notável excepção. Contudo, se tenho que os aturar, no cenário da actual democracia partidária portuguesa, então prefiro que os titulares de cargos políticos sejam, ao menos, inteligentes, cultos e de espírito aberto.
Não fiquei surpreendido com as recentes declarações de Ferreira Leite, em que defende uma organização social com base na família procriadora ou produtora de bebés. Mas se ela chega ao poder um dia, agora é que eu emigro mesmo, para o Brasil, como um “amigo” me aconselhou recentemente em corajoso mail anónimo. Há muito tempo que eu não via este conceito defendido fora das esferas ultra conservadoras, de extrema-direita ou das hostes católicas mais ortodoxas. Que essa defesa venha de uma mulher que pretende governar os portugueses e apregoa renovação, é deveras lamentável. Que se tenha a este nível um discurso politicamente correcto, eu ainda entendo, pois os políticos são mestres consagrados na arte de agradar a gregos e troianos e em falar muito sem dizer coisa nenhuma nem se comprometer com nada. Mas exibir publicamente este radicalismo serôdio e atávico, é intolerável..
Começa logo por ser uma posição claramente anticonstitucional, uma vez que a lei fundamental português determina que ninguém pode ser descriminado pelas suas opções sexuais. Mas, na verdade, as pessoas são profundamente descriminadas, na forma e no facto.
Sendo eu um heterossexual por nascimento e vocação, tenho toda a simpatia e compreensão por aqueles que nasceram diferentes ou se tornaram diferentes ao longo do seu percurso de vida. Defendo que o homossexualismo, feminino ou masculino, não é nenhuma doença nem deve ser encarado como tal, é tão-somente um aspecto diferente das características fundamentais da raça humana. Nem sequer é um fenómeno raro, é muitíssimo frequente e acompanha a raça humana desde sempre no planeta Terra. E não é antinatural, uma vez que até entre os animais, há inúmeros casos de comportamentos homossexuais, mesmo em espécies que acasalam para toda a vida. Antinatural é preconceitos homofóbicos como o de Ferreira Leite. Para mim, o rótulo de identificação sexual (hetero ou homo) nas pessoas, é totalmente irrelevante. Julgo as pessoas pelo seu carácter e pelas suas acções. O que elas fazem na sua intimidade sexual é-me totalmente indiferente, desde que seja entre adultos e com mútuo consentimento. E orgulho-me de transmitir esses valores aos meus filhos (sim, eu fiz três bebés, aguardo a minha medalha).
Defendo e imagino uma sociedade livre, aberta e tolerante, com respeito pela diferença. Nessa minha utopia, as pessoas formam famílias com base unicamente no amor e no afecto. Que devem ser naturalmente complementados por outros valores e atitudes fundamentais, como o respeito, o carinho, a tolerância e a solidariedade. As famílias nucleares são grupos de pessoas que escolhem passar a sua vida juntas. Que interessa se fazem ou não bebés? Que interessa se são dois homens ou duas mulheres? E os heterossexuais que não podem ter filhos por motivos orgânicos? Formam famílias “anormais”, de segunda categoria? E os homossexuais estão condenados a viver sozinhos, sem qualquer apoio ou reconhecimento social, vagueando pelas ruas ou pelos bares especializados, exibindo essa conduta de “engate” ocasional que depois e de forma paradoxal, é tão reprovada socialmente?
Preconceitos como o de Ferreira Leite são muito antigos e são directamente responsáveis por tantos dramas pessoais, de que todos nós conhecemos exemplos, de gente diferente que se sentiu coagida a casar com alguém do sexo oposto para esconder a sua diferença e tentar parecer “normal”. Ou de gente que se fechou “no armário” durante a maior e melhor parte da sua vida, com medo da reacção da família, dos amigos, da sociedade, do olho gótico de cristão legítimo da Ferreira Leite… E os corajosos que assumiam a sua diferença, eram, o mais das vezes, insultados, descriminados, apontados a dedo na rua, rotulados de “maricões” e “sapatonas”.
Que cada vez mais gente escolha não fazer bebés., esse é um problema real e assustador, que já começou a acabar com a raça portuguesa, uma vez que acabámos de atingir recentemente o ponto da não renovação das gerações. Isso está directamente relacionado com as políticas governamentais, com a vida difícil e muitas vezes quase impossível, despida de esperança, a vida de mera sobrevivência, que está a ser imposta aos portugueses. E com os ridículos apoios que são atribuídos a quem decide ter filhos e ficar a cuidar deles. E com a vergonhosa descriminação que pratica a maioria das entidades empregadoras, públicas ou privadas, no emprego de mulheres férteis. É com isto que Ferreira Leite se devia preocupar, se quer ver mais bebés a nascer e não com a multiplicação de famílias homossexuais, um fenómeno que vai continuar a crescer, á medida que a sociedade evolui (não a sociedade de Ferreira Leite, evidentemente…).
Vejo nítidas semelhanças entre os preconceitos de Ferreira Leite e o puritanismo bacoco mas malicioso de George Bush. Ainda bem que um se vai embora de vez e a outra nunca vai chegar ao poder. A gente diferente agradece. Os Deuses nos livrem de semelhantes trambolhos. Uma coisa é uma pessoa inteligente, outra coisa é outra coisa qualquer, parafraseando um raro dito feliz da sisuda senhora. Popeye9700@yahoo.com