MISS SURREAL
Fevereiro 15, 2007
Tarcísio Pacheco
IMAGEM: http://sweeetladies.blogspot.pt/2010_05_01_archive.html
Foi surreal o que se passou na noite de Sábado, 10 de Fevereiro do corrente, na discoteca “ O Celeiro “ na Praia da Vitória. Foi o meu primeiro concurso de misses e há uma elevada probabilidade de ter sido também o último. Não desenvolverei aqui aspectos críticos sobre este tipo de eventos. Fui apoiar pessoas que me merecem consideração, amizade e carinho. E, naturalmente, respeito perspectivas de vida diferentes da minha.
Nessa noite em “O Celeiro” teve lugar a eleição da Miss Terceira 2007. Os meus reparos incidem completamente sobre o bom senso dos organizadores desse espectáculo naquele recinto. Bom senso que me pareceu totalmente ausente nessa noite.
Em primeiro lugar, questiono a escolha do palco do acontecimento, naquele espaço de diversão nocturna. Nada me move contra aquele lugar, por lá passei uma vez ou outra ao longo dos anos, muito embora raramente o tenha feito, por considerar que o espaço é demasiado exíguo, as casas de banho liliputianas e discordar da política de gestão que, nas noites de Sábado, tem optado por encher a casa, muito para além dos seus óbvios limites, provavelmente numa óptica de lucro cego. Estabelecimentos similares que conheço bem, em Lisboa por exemplo, optam por não permitir a entrada quando alguém com juízo e critério, entende que já não há espaço suficiente para as pessoas circularem com o mínimo de conforto e até segurança. As pessoas ordeiras e de bom carácter aceitam esse facto e vão procurar uma alternativa. Se a vontade de entrar é muita podem sempre voltar, de preferência mais cedo, noutro dia.
Mas centremo-nos nos acontecimentos daquela noite. O mais elementar bom senso, para já nem falar de inteligência básica, aconselharia a escolha de um espaço completamente diferente, pelo menos nesta altura do ano. No pior dos casos, até um salão de festas, desses das freguesias, que abundam, serviria perfeitamente. A discoteca “ O Celeiro” não tem quaisquer condições para a realização de um evento desta natureza, mesmo no Verão. O espaço dentro da discoteca é exíguo, pelo que a acção foi planeada para uma espécie de esplanada que agora está coberta por um tecido qualquer. Aí foi montado uma espécie de palco, uma espécie de passerelle, uma mesa para o júri e havia por lá também três ou quatro mesitas com uns magriços e desconfortáveis bancos. Enfim, estavam reunidas as condições para uma espécie de magazine, diriam alguns. Acontece que, muito previsivelmente, nessa noite de Sábado abateu-se sobre a Terceira um violento temporal, aliás meteorologicamente previsto. Afinal estamos em Fevereiro e todos sabemos que é entre Janeiro e Março que se registam habitualmente os piores temporais de Inverno nos Açores. O vento abanava violentamente a estrutura, choveu sem parar quase todo o tempo e nos piores momentos, a água escorria e infiltrava-se por todos os lados. A periclitante instalação eléctrica cedia a cada vinte minutos, ficando tudo às escuras. Apesar da cobertura, é óbvio que estava frio no local, que ainda por cima se situa num plano mais elevado, a caminho do Pico do Seleiro (de seu antigo dono, André Seleiro, que dele fez testamento no passado). As coitadinhas das 13 candidatas a Miss desfilaram em roupinhas leves e em biquini! Quem visitou o “camarim” confidenciou-me que não tinha o mínimo de condições e que as mocinhas estavam geladas e a tiritar. Acrescente-se que o “espectáculo” demorou uma eternidade para começar e desenrolou-se a um ritmo bem vagaroso.
Passando em revista o triste acontecimento, a escolha da data e local é absolutamente deplorável. É difícil entender os motivos mas quem organiza palhaçadas destas (porque havia uns palhacitos tímidos numa espécie de intervalos) só pode ser amadores extremamente limitados ou então profissionais indignos dessa qualificação. Tudo deve ser posto em causa, os óbvios riscos para a segurança das pessoas e acima de tudo a claríssima impossibilidade de êxito que, estou em crer, até George Bush Júnior, seria eventualmente capaz de prever, mas pronto, aí também prefiro não me comprometer e não garanto. As pessoas presentes, muitas delas, familiares, amigos e admiradores das candidatas correram sérios riscos de segurança, a estrutura não é adequada para o nosso Inverno e podia ter desabado, para além do claro risco de curto-circuito naquelas condições com a possibilidade de incêndio de um material como o da cobertura, que deve ser altamente combustível. Estas coisas não acontecem só no III Mundo. Também acontecem no IV. As candidatas correram sérios riscos de uma doença do aparelho respiratório, por exemplo, ao despirem-se e circularem em trajes reduzidos naquelas condições climatéricas.
Acima de tudo, a dignidade das pessoas, sobretudo a das candidatas ficou claramente comprometida. Todos nós já assistimos, num ou noutro momento, a eventos desta natureza, nomeadamente através da televisão. Qualquer semelhança com o que se passou em “O Celeiro” naquela noite é uma ténue e fortuita coincidência. Se alguém toma a iniciativa de enviar um guião destes acontecimentos ao pessoal do Gato Fedorento, isto ainda vai ter repercussão nacional.
Uma mensagem final para os organizadores deste triste evento: se querem armar-se em organizadores destas coisas, por favor usem um mínimo de inteligência e bom senso. Se não são capazes, então tenham a humildade de pedir para sair e deixar isto para quem sabe. Para encontrar outros exemplos desta espécie de magazine, é capaz de ser preciso ir para o Bangladesh, El Salvador, por aí.
As mocinhas candidatas, todas muito novinhas, simpáticas e bonitas, que têm no mínimo, o sonho de ser felizes, não mereciam uma coisa destas. A vencedora deste ano e a sua bonita e gentil antecessora, Ana Grilo, Miss Terceira 2006, não o mereciam também, com toda a certeza.