O ACIDENTE DA GOL - ALGUMAS REFLEXÕES
Outubro 03, 2006
Tarcísio Pacheco
IMAGEM: http://www.blogdajoice.com/tag/gol/
É provável que a recente tragédia ocorrida com o avião da companhia brasileira GOL sobre a Amazónia, no passado dia 29 de Setembro, em resultado, ao que tudo indica, da colisão no ar com um pequeno jacto privado Legacy, não tenha passado ao lado de muitos portugueses; pelas circunstâncias de se tratar do povo irmão, que fala a mesma língua, por haver um cidadão português entre as vítimas e pelas relações privilegiadas que nós, portugueses e portugueses açorianos em particular , temos com o Brasil, através da emigração, dos negócios ou simples turismo. Pessoalmente fiquei muito chocado e entristecido porque, por motivos familiares, viajo com frequência para o Brasil, especificamente para a Amazónia e tinha mesmo regressado de uma viagem a esse país, três dias antes do acidente e porque costumo voar na GOL, que é, aliás, uma excelente companhia.
Duas companhias de transporte aéreo, a GOL e a TAM, dominam actualmente o mercado interno brasileiro, com algumas incursões nas ligações internacionais, em consequência da falência da VARIG. A GOL é uma companhia muito recente, que iniciou as suas operações em 2001 e possui a frota mais jovem do Brasil, formada por Boeings 737 de última geração, como o que agora se despenhou. Possui uma ótima reputação, um excelente serviço e não tinha registo de acidentes até agora. A TAM é também uma empresa de boa reputação e está há bastante mais tempo em actividade, opera basicamente com Airbus 319 e 320 novos mas a qualidade e juventude da sua frota são afectadas pela utilização, ainda bastante intensiva de aparelhos Fokker 100, semelhantes aos que utiliza a PORTUGÁLIA, um modelo já antigo, com uma idade média à volta dos 20 anos; aliás, os dois acidentes fatais da história da TAM ocorreram na década de 90, quase seguidos, envolvendo, precisamente, dois Fokker 100, com larga perda de vidas. Notícias recentes apontam para um rejuvenescimento da frota da TAM a curto prazo que, acreditamos, deverá substituir as referidas aeronaves obsoletas. Viajei também várias vezes com a VARIG e convém dizer que voei quase sempre em Boeings 737 já com uma respeitável idade; aguardemos para ver o que resulta da reestruturação da empresa actualmente em curso.
O transporte aéreo é um hoje em dia uma realidade marcante na vida da maioria dos cidadãos. Nós, açorianos, dependemos mesmo dele em exclusivo para nos ligarmos ao resto do mundo e até, infelizmente, para viajarmos entre as nossas ilhas fora do período de Verão. Entendo que, por isso mesmo, é um assunto de extrema importância para todos nós e que apreocupação principal é, obviamente, a segurança. É basicamente a esse nível que decidi partilhar algumas reflexões com a comunidade.
Acredito que a maioria dos passageiros não morre de amores pela forma como a nossa civilização voa actualmente; viajamos dentro de gigantescos pássaros de metal, pesando milhares de toneladas, a velocidades estonteantes, propulsionados por motores que ainda são de explosão, alimentados a gasolina de alta octanagem, sujeitos à violência das forças da natureza, ao desempenho de máquinas e … aos erros e falhas próprios dos seres humanos. Todos nós conhecemos algumas pessoas que pura e simplesmente não voam e por isso quase não viajam e outras, bastantes, que o fazem quando é preciso mas com muito receio. Serão relativamente raros os casos em que as pessoas viajam totalmente descontraídas. É perfeitamente perceptível a atmosfera geral de alívio quando acabamos de aterrar num aeroporto. No entanto, dada a nossa dependência do avião, não temos outro remédio senão ir voando. Penso que devemos concentrar-nos nos aspectos positivos - acima de tudo a incrível evolução tecnológica das últimas duas décadas que acrescentou muita confiança a todos ao factores envolvidos num voo comercial com influência a nível da segurança – aparelhos muito melhores, cada vez mais sofisticados, motores e equipamentos electrónicos de excelente desempenho, diversos dispositivos que reforçam a segurança, tripulações melhor formadas, melhor organização e gestão do controle do espaço aéreo e grande investimento nos equipamentos de terra.
Apesar de tudo isto… voar, como acto profundamente anti-natural no ser humano, implicará sempre algum risco, consideravelmente diminuído nos dias de hoje. Tenho a sensação que muitos passageiros embarcam num avião de forma algo inocente, esperando simplesmente que tudo corra bem, uns por ignorância, outros por simples inconsciência. E, naturalmente, quase sempre corre tudo bem.
Já fui um passageiro bastante tenso. Como adoro viajar, passei até a gostar de aeroportos, sobretudo os grandes, fascina-me todo aquele bulício, o cruzamento apressado de tanta gente com histórias e destinos diferentes. Como acabo por voar bastante, fui-me habituando ao processo e acho que fui entranhando a ideia de que na esmagadora maioria dos voos nada acontece de especial, nem sequer turbulência séria, é apenas e sobretudo, algo de muito aborrecido. No entanto, estou longe de ser inconsciente e a percepção do perigo latente leva-me a tomar certas precauções que reputo de elementares: não voo em companhias de reputação duvidosa, não voo em aviões velhos (certo, algumas vezes não tive outro remédio mas evito ao máximo…) e não voo com perspectivas de muito mau tempo, sobretudo no aeroporto de destino. Esta última atitude parece-me assaz importante porque, ao contrário do que gostam de nos fazer crer, os aviões caem devido às más condições meteorológicas; isso é muito raro nas fases da descolagem e voo em altitude mas está longe de ser invulgar nas fases de aproximação e aterragem, em que os aviões estão próximos do seu limite mínimo de sustentação e estão sujeitos a rajadas de ventos cruzados e a perigosas correntes de ar verticais, que hoje em dia se sabe que se formam em algumas condições. Todos nós já vivemos ou ouvimos relatar, episódios de violentas aterragens da TAP nos Açores em que “quase” aconteceu isto ou aquilo, para já não falar do verdadeiro terror porque se passa em algumas viagens da SATA no Inverno (que ainda por cima está a operar com aviões velhos…). Dir-me-ão que nessas circunstâncias se opera sempre dentro dos parâmetros de segurança… Com certeza, o contrário seria impensável mas quando se aterra com condições meteorológicas muito adversas, é inegável que nos encontramos perigosamente perto dos limites mínimos de segurança… Pessoalmente, não hesito em alterar a minha viagem, se sei que algo de péssimo me espera à chegada e às vezes faço-o com custos pessoais importantes. As companhias não gostam de passageiros como eu, preferem os que fecham os olhos e vão em frente, animados com frases como “há-de ser o que Deus quiser” e “ELES (tripulação) também não querem morrer”. Na realidade, a maioria das pessoas não tem consciência de que os pilotos são soberanos a bordo do avião mas que são também assalariados que cumprem ordens taxativas… E que as companhias aéreas evitam ao máximo desviar ou cancelar voos porque isso é extremamente oneroso e acima de tudo, trata-se de um negócio que deve dar lucro, muito lucro.
Voltando ao tema central deste artigo, o acidente da GOL, a verdade é que os passageiros do fatídico voo 1907, que partiu de Manaus ao início da tarde daquela negra sexta-feira, cumpriram na íntegra os meus preceitos de segurança: escolheram uma empresa de confiança, embarcaram num avião novinho em folha, com 234 horas de voo, entregue no dia 12 de Setembro e não havia condições meteorológicas adversas. Mesmo assim descolaram para a morte. Foram vítimas do factor mais perigoso e mais imprevisível, a tendência que as pessoas têm para cometer erros graves, com alguma facilidade, mesmo tratando-se de profissionais bem preparados e bem pagos. É evidente que não devemos especular num assunto desta natureza, só a conclusão da investigação em curso poderá esclarecer cabalmente o que de facto sucedeu. Mas os indícios recolhidos até agora e largamente noticiados nos media brasileiros, apontam para que alguém tenha cometido um gravíssimo erro, um dos pilotos dos aviões envolvidos ou o controle de terra. Seguramente, um dos aviões estava completamente fora da sua rota em altitude e será preciso também apurar o que efectivamente aconteceu com os sofisticados dispositivos anti-colisão de ambas as aeronaves. Infelizmente, esta é a dura realidade, os erros humanos e especialmente a sua acumulação, são responsáveis pela maioria das tragédias da aviação. Resta-nos concentrarmo-nos nos aspectos positivos do estado actual da aviação civil e continuar a voar com confiança.
Deixo aqui a minha sentida homenagem às vítimas do voo 1907 da GOL aos e seus familiares e amigos.
Nada entendo de Aeronáutica, para além da cultura geral, do bom senso e da experiência de utente. Agradeço por isso qualquer publica correcção a algum eventual erro ou inexactidão da minha parte. Diferentes perspectivas também são bem-vindas.