MEUS QUERIDOS INIMIGOS
Abril 20, 2010
Tarcísio Pacheco
IMAGEM: http://valruas.wordpress.com/2012/09/26/inimigos-queridos/
Como pessoa excelente que sou, até aos meus queridos inimigos gosto de fazer um mimo. E então, para aqueles que são atacados de ardências estomacais cada vez que têm de ler os meus cáusticos artigos, posso vir a ter boas notícias, a médio prazo. Pode se que esteja para breve a minha partida, o fim do meu longo ciclo açoriano. Talvez vá fazer a trouxa e zarpar, dar de frosques, arejar as ideias, pôr o pé na estrada. “Hit the road, Jack”. Já estou a ver o economista super católico João César das Neves a suspirar de alívio, finalmente livre de um adversário deste calibre, agitador, vagamente esquerdista, totalmente apolítico, livre pensador, relativista, defensor dos casamentos gay, inconversível, com ideias no mínimo esquisitas, um crítico acérrimo da Santa Madre Igreja e um descrente dos Três Pastorinhos, que viajou muito mas nunca pôs os pés em Fátima e só guardou uma imagem do Papa: aquela em que um cartoonista inspirado e com sentido de humor retratou João Paulo II com um preservativo enfiado no narigão.
Já foi bom viver nos Açores e ainda é interessante. A minha família, os meus filhos e a maior parte das minhas memórias são açorianas. Amo os Açores e estou convencido que os cagarros me conhecem e até me viriam bicar a mão se lhes oferecesse peixe ainda a saltitar. Mas os Verões já não são o que eram. Até os meteorologistas estão intratáveis. Há cada vez mais nuvens no horizonte e são muito escuras. Podem mesmo ser de trovoada… Não há peixe no mar e no futuro será cada vez mais peixe de plástico proveniente da aquacultura. As touradas à corda estão cada vez menos interessantes, resumindo-se a um touro que corre para trás e para a frente, num arraial cheio de muros altos, para resguardar as piscinas dos olhares alheios, de taipais cada vez mais elaborados e hostis e de gradeamentos com o aviso “cuidado com as setas”. Na maior parte do tempo, tudo o que se pode ver é os capinhas a andar de roda com o animal, uma cena que se torna rapidamente muito aborrecida, de tão repetida. Cada vez há menos eventos interessantes, algo para o animal marrar e partir, um muro baixo para ele saltar ou assomar o focinho e assustar as senhoras. O “64” do Humberto Filipe confirmou a crença de que os bons morrem mais cedo. O resto da tradição mantém-se, a ida ao mato, o foguetório, a emoção no ar, o colorido e o pitoresco, as tascas, as bifanas, as frescas, os amigos, os homens dos cestos e o pregão do Isbá. Mas para quem pode comparar com o passado… está tudo muito diferente, para pior…
Ninguém pode já com o nosso 1.º Ministro, o Eng.º Pinóquio. Nem ninguém entende como é possível desenvolver a economia de um país em que os seus cidadãos têm cada vez menos dinheiro para gastar. Ou como se pode esperar um bom desempenho de trabalhadores a quem se pede que trabalhem cada vez mais tempo e de forma mais competente por menos dinheiro e menos regalias. Ou como se pretende mão de obra qualificada e empenhada, por baixissimos salários e uma acção de formação de dois em dois anos.
Na cidade de Angra do Heroísmo, cada vez mais entupida de trânsito automóvel, mais feia, barulhenta e poluída, ficámos a saber que as suas autoridades municipais não tencionam tomar qualquer medida nesse campo. Isto porque ainda comungam da cabotina ideia de que muitos automóveis a circular é sinal de progresso e bem-estar. Faz-lhes falta um passeio em Jakarta em hora de ponta. Para alguém como eu, que tem frequentes alucinações em que sonha com uma cidade livre de automóveis, percorrida a toda a hora, desde S. Bento a S. Pedro por um moderno, rápido, silencioso e ecológico comboio, talvez esteja mesmo na hora de ir embora. O mundo é muito grande, há muito para ver. E todos os dias morre gente por aqui, que cada vez é mais da nossa idade, coitada, e isso é muito mau sinal.
Mas a gota de água acho que foi mesmo a história dos aviões de combate americanos e dos seus treinos no mar dos Açores. Fiquei arrepiado com as opiniões de cidadãos praienses, sobre este assunto, que ouvi na rádio. “Que venham os aviões de guerra, se isso for uma mais valia para o nosso concelho”, foi a nota dominante. Mais valia ? Num mundo que se pretende cada vez mais pacífico, ainda se insiste em equilíbrios de terror em que quem tem as melhores máquinas de matar é que mete mais medo e ganha. A única mais valia é para os fabricantes de material militar e de armamento, um dos lobbies mais poderosos dos EUA e do mundo. Se ter aviões de combate a largar bombas no mar à nossa porta fosse bom, então os americanos fariam isso ao largo das suas extensas costas marítimas. Os praienses querem contrapartidas ? Reivindiquem cooperação e parcerias nos domínios científico, cultural e recreativo. Aviões de combate não são bons para ninguém, a não ser para quem os vende….
Ná, isto está a ficar feio. Talvez esteja na hora dos ratos começarem a abandonar o navio. E Rato é o meu signo chinês. Um Rato Sagitário, que gosta de viagens e aventuras.
Meus queridos inimigos, dar-vos-ei boas notícias, tão cedo elas sejam do meu próprio conhecimento. Aguardem sem impaciência. POPEYE9700@YAHOO.COM