HAJA VERGONHA! (JÁ QUE NÃO HÁ ÉTICA E MUITO MENOS PSICOLOGIA)
Maio 31, 2012
Tarcísio Pacheco
IMAGEM: http://ehmarinho.blogspot.pt/2012/03/afinal-o-que-e-pedofilia.html
Nunca comentei qualquer artigo do Padre Caetano Tomás na Imprensa local, apesar da sua produção intensiva. Senti-me tentado, há tempos, quando ele escreveu sobre essa magistral obra, O Código Da Vinci mas, na altura, faltou-me tempo e a oportunidade passou, embora não definitivamente. Nos últimos tempos, os temas que o bom do sacerdote tem abordado, o Ano Paulino, a inspiração divina dos padres e a defesa da ortodoxia católica, não me despertam qualquer interesse nem provocam o meu espírito crítico.
Todavia, isso mudou, desde ontem, 4 de Maio, dia em que o Pe. Tomás publicou um artigo sobre a pedofilia na Igreja. Respeito o homem e sua provecta idade mas o vomitório com que ele nos aspergiu nesse artigo, não ficará sem resposta adequada. Tanto mais que este sacerdote tem especiais responsabilidades, já que, embora “reformado”, sempre se reclamou da condição de “psicólogo” e desempenhou esse papel junto da comunidade, durante imenso tempo, até chegarem os verdadeiros psicólogos. E quase todos os dias nos aparece a escrevinhar em ambos os jornais locais. Não sabemos se o curso de psicologia do Pe. Tomás foi tirado no âmbito de algum retiro pascal num colégio romano. Mas podemos ver o mau uso que faz dele.
Neste incrível artigo o Pe. Tomás faz questão de, bastas vezes, nos afiançar que não aprova a pedofilia nem a desculpa. Talvez por sentir a consciência pesada. Mas, na verdade, todo o seu artigo, do princípio ao fim, é um claríssimo discurso de desculpabilização, da Igreja Católica, dos padres pedófilos e, pasme-se, até dos próprios pedófilos em geral.
Para começar, já é tempo da alguém desmontar a história da “formação reactiva”, com que ele nos brinda amiúde. Não sou psicólogo mas informei-me sobre o assunto. O conceito existe e trata-se de um bem conhecido mecanismo psicológico de defesa. Esse mecanismo substitui comportamentos e sentimentos que são diametralmente opostos ao desejo real. Trata-se de uma inversão clara e, em geral, inconsciente do verdadeiro desejo. Até aqui, tudo certo. O problema é que o Pe. Tomás, pensando que somos todos tolos, lá do alto da sua cátedra de Psicologia, manipula descaradamente este conceito, para justificar os seus preconceitos e as suas ideias feitas. Nesta linha, segundo ele, neste caso exemplificando a respeito de quem luta activamente contra os vícios do fumo e do álcool “(…) passado algum tempo, tais pessoas aparecem a fazer o que combatiam. Por exemplo, fumar desalmadamente (…)”. É claro que com esta esperteza saloia, ninguém escapa, ninguém pode combater seja o que for, porque não passará de um pobre viciado em qualquer coisa, que sublima assim as suas próprias baixezas. Bom, não vejo porque não hei-de, muito cristãmente, dar uma ajudinha ao Pe.Tomás e alargar ao infinito este conceito tão operativo. Hitler, provavelmente, tinha o secreto sonho de ser judeu, usar umas melenas esquisitas, dançar no seu bar mitzvah e ser dono de um banco inteiro; teve azar, só chegou a cabo na tropa, acabou com aquele bigodinho ridículo e recebeu guia de marcha para o Inferno, onde deve encontrar-se ainda. Martin Luther King nunca nos falava dos sonhos que realmente ele tinha, de ser branco, louro, de olhos azuis e de fazer um filho ilegítimo à mocinha negra que lhe engomava a roupa lá em casa. E finalmente, porque não, todos esses padres que arengam pelos templos, condenando o preservativo e a pílula e apelando à castidade, lá bem no fundo, estão loucos por uma orgia sexual, onde possam cevar os baixos instintos que secretamente os torturam. Eu sei que isto é radical, mas que posso fazer ? É a tirania da “formação reactiva”. Eu próprio, que ando envolvido numa cruzada contra a pedofilia, um dia destes, assumo os meus demónios e entro ali pelo Colégio de Santa Clara dentro, para fazer estragos.
Por falar em tirania, que tal a dos números ? Se todos os pedófilos do mundo fossem padres, seria muito grave. Mas parece que a relação anda abaixo do 1%. Ah, assim é outra coisa, só de vez em quando é que um miúdo é papado por um padre, não é todos os dias. Por falar, em miúdos, está na hora de nos referirmos às “vítimas”, que o Pe. Tomás fecha entre aspas. A coisa não lhe cai bem porque “(…) até andam na TV, com grande publicidade”. Mas, com quem queria o Pe. Tomás que as pobres vítimas fossem falar? Queria que procurassem um padre?! Isso seria como dizer à minhoca infeliz que fosse desabafar com um pescador. Ele diz também que nas suas actividades religiosas, nunca encontrou “(…) as «tragédias» que se dizem por aí”. É estranho, por uma incrível coincidência, terá o Pe. Tomás lidado sempre com uma espécie peculiar de vítimas light ? Que só precisavam de “uns diálogos repetidos” para viverem felizes para sempre ? Ou quem sabe, se ele tivesse passado pelo azar de ser sodomizado debaixo de uma batina negra lá nas Flores da sua infância, teria o mesmo discurso mole acerca da “tragédia” ?
Mas o pior ainda está para vir. O Pe. Tomás demonstra uma infinita compreensão pelos rapazes florentinos mais velhos que, em época sem “grande acesso a mulheres”, recorriam a rapazitos de escola. Ele conheceu bem uns e outros. Curiosamente, essas vítimas, que na altura não tinham direito a TV nem a aspas, não apresentaram nunca “qualquer problema psicológico”. Enfim, são pormenores etnográficos pitorescos, lá da ilha das Flores, não me compete analisar isso.
E então, as “vítimas” que aparecem na TV ? Ah, essas são mediáticas, “querem receber dinheiro”. Parece que a pedofilia é lucrativa como notícia. Mas, para ser justo, o Pe. Tomás, reconhece que alguns apresentam “expressões neuróticas”, embora seja de pensar-se que “tais expressões tenham outra origem”. Pois, com certeza, talvez uma doença de pele, daquelas que dão comichão ou um caroço de nêspera acidentalmente engolido. Essas coisas acontecem.
E a propositada confusão entre pedofilia e homossexualismo ? Qualquer psicólogo, com curso por correspondência, sabe que o único ponto de contacto é que uma grande parte dos pedófilos é homossexual. E acaba aí. Pedofilia é uma perversão, doentia, gravíssima e juridicamente incriminatória, especialmente agravada quando os protagonistas são educadores. Homossexualismo, na actualidade, é apenas um comportamento sexual, uma opção individual e mais nada. Como ninguém é tão burro assim, só posso concluir tratar-se de malícia pura.
Talvez a cereja no topo do bolo seja a afirmação de que “também há crianças que provocam”. O Pe. Tomás até “conhece casos”. Se calhar, é tempo da sociedade rever os seus conceitos nesta área. Não sei se é justo fazer recair todo o dolo sobre o pedófilo. Quer dizer, vai um bacano pela rua, descansado, a fazer a sua vida, e dá com um rapazinho esquisito a fazer-lhe olhinhos e sinais duvidosos. Estão à espera de quê ?! Um homem não é de ferro, mesmo que já tenha ido a pé a Fátima…Não sei mesmo se não haverá aqui matéria para legislar sobre cumplicidade no crime. E, consciencioso, o Pe. Tomás ainda alerta para o extraordinário perigo das crianças “esclarecidas em educação sexual”. São os piores, são os piores, sabem-na toda… Provavelmente, só a este respeito é que o Pe. Tomás pode ficar descansado. Há mais de 20 anos que Portugal anda a tentar implementar uma educação sexual séria nas escolas e ainda estamos praticamente a zero. Entretanto, as crianças vão engravidando, contraindo SIDA e, claro, seduzindo os inocentes adultos das redondezas que lhes caem na rede.
Isto tudo pode parecer complicado. Mas nada como uma mente brilhante e um psicólogo genial, para reduzir as coisas ao seu verdadeiro nível. Por detrás de tudo, está “uma cruzada nitidamente apontada” para o Papa e os seus Bispos, infelizes e perseguidas criaturas, essas sim, verdadeiras vítimas sem aspas. E, por outro lado, há a questão das “(…) relações complicadas com a figura paterna. E por outro, com a materna (…)”. Terei que perguntar ao meu pai, em Junho, quando ele vier do Canadá, de férias, porque sou assim. E depois, metemo-nos no meu barco e vamos pescar, como de costume. E, mais tarde, vamos grelhar o peixe na brasa, devorá-lo, regar tudo com um bom tinto e ficar a conversar pela noite dentro.
Parece que a ETAR da Atalaia cheira mal. Mas há coisas que cheiram pior. Haja vergonha. E cursos de Psicologia.
Este texto foi escrito e enviado para publicação a 5 de Maio.
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